OS PROBLEMAS CRIADOS PELA MINERAÇÃO NAS ÁGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO

Assoreamento na calha do rio São Francisco

Um verdadeiro divisor de águas na história do rio São Francisco foi a descoberta de minas com grandes volumes de ouro na Serra do Sabarabuçu, em Minas Gerais, em 1693. Bandeirantes paulistas, liderados por Fernão Dias Paes e depois por seu genro Manuel Borba Gato, vasculharam essa região por muitos anos, guiados por antigas lendas indígenas. Com a notícia destas descobertas, milhares de colonos das regiões canavieiras, principalmente da Região Nordeste, largaram tudo e se dirigiram aos sertões das Geraes para tentar a sorte na mineração. 

À primeira vista, esse comentário pode não refletir os impactos que essa mudança representou na vida da Colônia – até meados do século XVIII, pouco mais de 60 anos depois, perto de 2/3 de todos os habitantes do Brasil, estimados há época em 500 mil habitantes, já estavam concentrados na região das Minas Geraes e envolvidos em alguma atividade ligada à “caça do ouro”. A indústria açucareira, que até então era a principal atividade econômica do Brasil de então, entrou em uma crise sem precedentes por falta de mão de obra. 

A verdadeira “febre do ouro” que varreu a Colônia após a divulgação das primeiras notícias dos achados auríferos nas Geraes provocou uma corrida sem precedentes para os sertões de Minas Gerais, onde não havia a menor infraestrutura ou canais regulares para o suprimento de mercadorias e víveres. O Vale do Rio São Francisco, já densamente povoado e ocupado pelas fazendas de gado, foi o caminho seguido pela maior parte dessa corrente migratória, que se espalhou ao longo dos rios de toda a sua bacia hidrográfica e regiões lindeiras nas Geraes . 

Com o crescimento dos achados auríferos e o aumento da produção de ouro, a indústria açucareira entrou em queda livre a partir de meados do século XVIII. Além da falta de braços nos canaviais, cresceu muito a concorrência com os engenhos de açúcar holandeses e ingleses na região do Caribe. O golpe final nesta indústria virá com a transferência da capital da Colônia da cidade de Salvador para o Rio de Janeiro em 1763 – os caminhos para a produção e o escoamento do ouro eram mais fáceis a partir das terras fluminenses.  

Na busca alucinada pelo valioso ouro, pode-se dizer que cada pedra do leito dos rios da região das Geraes foi revirada, cada barranco e pedaço de terra próximo das margens foi escavado, começando-se assim um intenso e contínuo processo de devastação ambiental que hoje ameaça a sobrevivência do Velho Chico. Nas palavras de Afonse D’Escragnolle de Taunay

“Intensa foi em todo o Brasil a crise determinada pela formidável perturbação aurífera, sob os pontos de vista social, econômico, sobretudo psicológico.” 

O chamado Ciclo do Ouro chegou ao fim nos últimos anos do século XVIII, quando todos os principais veios de ouro das Geraes se esgotaram. Um detalhe importante da crise econômica que tomou conta das regiões de mineração era a sua total dependência de “importações” de alimentos e bens de outras regiões da Colônia, principalmente das boiadas que vinham dos sertões do Semiárido e de mulas de carga e outros alimentos vindos da Província de São Paulo e da Região Sul. Tomados pela “febre do ouro”, esses aventureiros não tinham tempo a perder com a produção de alimentos e a produção de outros bens. 

Com a derrocada econômica, a grande população da Região das Minas Geraes foi abrigada a se dedicar a trabalhos mais triviais como a agricultura e a pecuária, atividades econômicas que ainda hoje são fundamentais no atual Estado de Minas Gerais. A mineração se manteve como uma atividade das mais importantes, mas agora voltada ao minério de ferro e seu processamento. Há época do Brasil Colônia, existiam empresas de Portugal que detinham o monopólio para a venda de produtos de ferro como ferramentas, panelas e equipamentos agrícolas – logo, a nascente indústria metalmecânica mineira há época foi ilegal durante muitas décadas. 

Minas Gerais é o Estado brasileiro com as maiores reservas de minério de ferro. Segundo dados da ANM – Agência Nacional de Mineração, os subsolos mineiros guardam perto de 72,5% do minério de ferro do país, seguido por Mato Grosso do Sul, com 13,1%, e pelo Estado do Pará, com 10,7% das reservas. Além de minério de ferro, encontramos em Minas Gerais outras reservas minerais como manganês, zinco, níquel, cobre, ouro (sim, ele ainda é encontrado em grandes profundidades), prata, bauxita, cromo, estanho, tungstênio e urânio, entre outros. A mineração e outras atividades ligadas ao setor se tornaram uma das bases econômicas do Estado. 

Conforme já tratamos em uma série de postagens aqui do blog, mineração e recursos hídricos são duas coisas que não combinam nada bem. Para acessar os veios minerais no subsolo, é inevitável a supressão da vegetação, o que, por sua vez terá inúmeras consequências negativas nos sistemas de aquíferos e lençóis subterrâneos de água, comprometendo nascentes de rios e riachos. Existe um outro detalhe importante da mineração e processamento de minérios – a necessidade de carvão para os altos-fornos das fundições e siderúrgicas. 

Na maior parte dos países com grande tradição metalmecânica, o carvão mineral é a grande fonte de energia usada nos processos de transformação dos minerais em chapas e peças metálicas. O Brasil é extremamente pobre em reservas de carvão mineral – os principais Estados que possuem essas reservas são Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que produzem um carvão mineral de baixo poder térmico. Na falta desse importante combustível fóssil, nosso país se valeu, por décadas, do carvão de origem vegetal. 

Estima-se que perto de 90% da Mata Atlântica que existia no Estado de Minas Gerais acabou sendo derrubada e transformada em carvão vegetal. As antigas carvoarias, notórias utilizadoras de mão de obra infantil, também não pouparam a vegetação do Cerrado, inclusive as famosas veredas de muitos contos de Guimarães Rosa. Muito antes da transformação do Cerrado em grandes campos de soja, milho e pastagens para o gado, as nascentes de muitos rios tributários do rio São Francisco já experimentavam notáveis reduções em seus caudais. 

Um outro gravíssimo problema da mineração são os rejeitos minerais. Muito antes dos grandes acidentes com as barragens de rejeitos minerais em Mariana, em 2015, e em Brumadinho, em 2019, grande parte da bacia hidrográfica do rio São Francisco já sofria com o assoreamento e entulhamento dos seus canais com resíduos minerais lançados por um sem número de empreendimentos de mineração de todos os portes. De acordo com dados da ANM, existem cerca de 320 barragens de rejeitos minerais em Minas Gerais, quase metade do total existente em todo o Brasil, um sinal dos riscos potenciais aos recursos hídricos no Estado

Sem a proteção das matas, grandes volumes de areia, argila, silte e outros sedimentos acabam sendo arrastados para as calhas dos rios e acabam se acumulando – estudos indicam que 23 milhões de toneladas de sedimentos chegam na calha do rio São Francisco a cada ano. Segundo os relatos de muitos pescadores tradicionais das margens do Velho Chico, trechos que num passado não muito distante chegavam a apresentar profundidades de até 20 metros, hoje em dia estão se tornando extremamente rasos.

Existem alguns locais do rio São Francisco que até alguns anos atrás só podiam ser atravessados de barco e que hoje podem ser atravessados facilmente a pé. No período da seca, grandes bancos de areia ficam expostos (vide foto), o que demonstra o grau de assoreamento na calha do rio e nível da degradação ambiental no Velho Chico. Um antigo ícone do São Francisco, o vapor Benjamim Guimarães, há muito não singra as águas do rio, principalmente devido aos riscos de encalhe em bancos de areia.

Além de todos os problemas para a ictiofauna (peixes) do rio São Francisco, esse grau de assoreamento cria problemas para a navegação em muitos trechos, compromete a captação de água em muitas cidades e pode resultar em grandes inundações em momentos de fortes chuvas – sem espaço no leito do rio, as águas vão ocupar espaços nas cidades e margens, desencadeando uma série de tragédias humanas e materiais. Outra vítima dessas agressões são as grande hidrelétricas instaladas ao longo da clha do rio, que sofrem com a irregularidade das vazões.

Continuamos na próxima postagem.

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