A degradação ambiental do rio São Francisco, especialmente no tocante à qualidade das águas, preocupa muita gente, sobretudo os moradores dos 521 municípios cortados pelos rios da sua grande bacia hidrográfica em 6 Estados da Federação: Goiás, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, além do Distrito Federal. São mais de 15 milhões de brasileiros que dependem, direta ou indiretamente, das águas do Velho Chico.
Com o avanço das obras de Transposição, essas águas estão chegando a um número cada vez maior de brasileiros nos sertões dos Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Quando todo o Sistema de Transposição estiver concluído, serão aproximadamente 12 milhões de novos usuários das águas do rio São Francisco – é muita responsabilidade para um rio só.
Uma das grandes preocupações atuais dessas populações é como tem andado a “saúde” do Velho Chico. Conforme já comentamos em postagem anterior, mais de quatro séculos de atividades de mineração dentro da sua bacia hidrográfica já causaram estragos consideráveis na calha e nas águas, tanto do São Francisco quanto em seus rios tributários, especialmente no trecho mineiro. Mais de 2/3 dos caudais do São Francisco dependem das águas de rios tributários dentro do Estado de Minas Gerais e muitos estão em situação caótica.
Além dos problemas criados pelos sedimentos gerados pelas atividades mineradoras, que entulham os canais dos rios, as águas recebem diversos contaminantes percolados a partir dos rejeitos minerais. Falo aqui de metais pesados como chumbo, mercúrio, cádmio e zinco, entre outros.
Um dos mais tóxicos e temidos é o arsênico, um semimetal que se acumula no organismo e que pode levar ao desenvolvimento de câncer de pele, pâncreas e pulmão, provocar abalos no sistema nervoso, malformação neurológica e abortos. Em amostras de água colhidas nos rios Paracatu e das Velhas, dois dos principais afluentes mineiros do rio São Francisco, traços de arsênico foram encontrados em 28%.
Outra importante fonte de preocupações são os esgotos domésticos e industriais de centenas de cidades, que são lançados nas águas da bacia hidrográfica do rio São Francisco sem qualquer tipo de tratamento. Um dos destaques neste quesito é o rio das Velhas, classificado com o 6° rio mais poluído do Brasil. O rio das Velhas é o segundo maior afluente do rio São Francisco e responde por cerca de 70% do abastecimento de água de Belo Horizonte e Região Metropolitana.
Apesar de toda essa importância, grande parte dos esgotos dos 6 milhões de habitantes da Região Metropolitana de Belo Horizonte acabam sendo lançados na bacia hidrográfica do rio das Velhas in natura. Além de esgotos domésticos, o rio e seus afluentes recebem esgotos industriais de curtumes, frigoríficos, indústrias têxteis, metalúrgicas e siderúrgicas, poluentes que se juntam aos resíduos de cádmio, chumbo, cianeto, cromo, mercúrio e zinco gerados pelas mineradoras, além de muito lixo. São cerca de 320 m³ de águas poluídas que essa bacia hidrográfica lança no rio São Francisco a cada segundo.
Outro importante afluente que sofre com a poluição das águas é o rio Paraopeba, que atravessa 35 municípios mineiros até chegar na sua foz na Represa de Três Marias. Estudos realizados ao longo da calha do rio confirmaram que 90% dos municípios da sua bacia hidrográfica não tratam seus esgotos. A situação, que já não era das mais confortáveis, ficou ainda pior após o rompimento da barragem de rejeitos minerais de Brumadinho, em 2019.
O Córrego do Feijão, onde ficava a barragem da empresa Vale do Rio Doce, é um dos afluentes do rio Paraopeba. Milhares de toneladas de rejeitos minerais e muita lama acabaram arrastadas para a calha do rio Paraopeba – um trecho de 40 km do rio já foi declarado “morto” por grupos ambientalistas em consequência do desastre.
Também não podemos deixar de falar do rio Paracatu, que já foi o mais caudaloso afluente do rio São Francisco, contribuindo com até 26% dos seus caudais. O Paracatu, ou “rio bom” em tupi-guarani, tem cerca de 485 km de extensão e era famoso por ser um rio largo e profundo, onde perto de 360 km eram navegáveis. Esse grande rio, infelizmente, não existe mais – a calha do rio está bastante assoreada e cheia de bancos de areia, dificultando a navegação até de lanchas pequenas.
O grande algoz do rio Paracatu foi o avanço das frentes agrícolas no Cerrado, o que desencadeou uma destruição maciça de áreas de mata nativa nos campos ao longo do rio e de matas ciliares em suas margens. Além de perder grande parte dos seus caudais, o rio passou a receber grandes volumes de sedimentos e de resíduos de fertilizantes e agrotóxicos usados nas plantações, carreados para a calha durante a temporada das chuvas.
Também merecem uma menção “nada honrosa” os rios Betim e Pará, que dão uma importante contribuição na degradação da bacia hidrográfica do rio São Francisco com altas cargas de esgotos domésticos e industriais, além de muito lixo. Essa lista poderia ser complementada com o nome de outras dezenas de rios, que ao longo dos anos foram transformados em verdadeiros canais de escoamento de lixo e esgotos.
Grandes rios como o São Francisco tem uma notável capacidade para eliminar esgotos de origem orgânica ao longo do seu curso. A oxigenação contínua das águas e a ação de colônias de bactérias conseguem eliminar os resíduos orgânicos. Infelizmente, o mesmo não ocorre com contaminantes químicos e minerais, que no máximo serão diluídos e continuarão presentes nas águas até o seu encontro com o mar. O mesmo se aplica ao lixo lançado nas águas, em especial os plásticos, que farão parte da “paisagem” por todo o percurso do rio.
Essa sucessão de agressões prejudica, e muito, todos os usuários das águas do rio e de toda a sua bacia hidrográfica. Cidades que captam essas águas para uso no abastecimento de suas populações estão tendo que gastar cada vez mais dinheiro com a compra de produtos químicos usados nas estações de tratamento de água – são gastos que, inevitavelmente, serão repassados aos usuários na forma de aumento nas contas de água.
Pescadores tradicionais das margens dos rios sentem cada vez mais a redução dos estoques pesqueiros nas águas. Espécies que já foram abundantes como o surubim, dourados, cachorras, matrinxãs, piraputangas e trairões são cada vez mais raros nas águas dos rios. Até mesmo singrar as águas com suas canoas e barcos tradicionais está ficando cada vez mais difícil em muitas regiões por causa do intenso assoreamento dos canais.
Um novo sopro de esperança para o rio São Francisco e para outros importantes rios brasileiros surgiu recentemente – foi aprovado pelo Senado Federal o Novo Marco do Saneamento Básico. Entre outras medidas, esse Novo Marco abre espaço para os investimentos privados na área do saneamento básico e acaba com o direito de preferência das companhias estaduais de saneamento básico. Entre outras, o Marco estabelece como meta que 90% da população tenha coleta e tratamento de esgotos até o ano de 2033. Muitos dos atuais problemas de qualidade das águas do rio São Francisco poderão ser resolvidos com essas ações.
Mesmo assim, ainda vai faltar muito para equacionar a maior parte dos problemas que estão prejudicando, e muito, a saúde do nosso Velho Chico.
[…] AINDA FALANDO DA POLUIÇÃO DAS ÁGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO […]
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