AMAZÔNIA SUSTENTÁVEL: PIRARUCU, O BACALHAU “GENÉRICO” DA BACIA AMAZÔNICA

A Amazônia é um mundo de matas e águas! 

A Floresta Amazônica tem uma área total de 5,4 milhões de km², ocupando terras na Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa – mais de 60% da Floresta fica dentro do território brasileiro. A Bacia Amazônica ocupa uma área total de mais de 7 milhões de km², contando com mais de mil rios. Alguns desses rios, como o Madeira e o Negro, entram na lista dos 10 maiores rios do mundo. 

Especialistas calculam que 1/3 de todas as espécies vivas do planeta, animais e vegetais, vivam nesse imenso bioma. Se falando apenas em peixes, já se conhecem mais de 2.100 espécies na bacia hidrográfica e a descoberta de novas espécies é só uma questão de tempo. Entre esses peixes gostaria de destacar uma espécie em particular – o pirarucu, o maior peixe de escamas dos rios brasileiros e um dos maiores do mundo. 

O pirarucu (Arapaima gigas), também conhecido como arapaima ou peixe pirosca, pode atingir até 3,5 metros de comprimento e um peso de até 250 kg. O animal é um grande predador onívoro dos rios da Bacia Amazônica, se alimentando de peixes, caramujos, crustáceos, anfíbios, cágados e cobras, entre outros, de uma enorme lista de presas. Quando jovem, o pirarucu se alimenta basicamente de plâncton, plantas e animais microscópicos que vivem livres nas águas dos rios, passando depois a comer pequenos peixes e crustáceos. O peixe pode viver até 18 anos. 

Entre as muitas histórias que envolvem o pirarucu, uma das mais interessantes vem dos tempos do Brasil Colônia, quando os “piedosos” sacerdotes Jesuítas possuíam inúmeras fazendas na Região Amazônica e, entre muitos outros produtos, preparavam o pirarucu salgado. Até aí, nada de mais – em tempos quando não existiam equipamentos para a refrigeração dos alimentos, a salga era uma das melhores técnicas para a conservação de carnes e peixes. A questão é que os religiosos vendiam o pirarucu salgado nos mercados de Portugal como se fosse bacalhau. 

Relembrando rapidamente a história, a Amazônia fazia parte dos territórios da Coroa de Espanha segundo o Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494. Os conquistadores espanhóis organizaram duas grandes expedições ao Grande Amazonas saindo do Peru com o objetivo de encontrar a lendária El Dorado, a cidade de ouro. A primeira dessas expedições teve início em 1541, sob o comando de Francisco de Orellana; a segunda data de 1559, sob o comando de Pedro de Úrsua. As duas expedições foram verdadeiros desastres e os espanhóis acabaram por desistir da Amazônia. Siga os links indicados no texto para ler os detalhes dessas sagas. 

Essa verdadeira “terra de ninguém” passou a ser invadida por franceses, holandeses, ingleses e alemães, entre outros povos, que buscavam conquistar o seu quinhão nas Américas. Após a unificação das Coroas de Portugal e Espanha a partir de 1580, os portugueses receberam um pedido dos espanhóis para que “cuidassem” da sua Amazônia. Tropas coloniais portuguesas começaram esse trabalho em 1615, expulsando os franceses que haviam se instalado no Maranhão e no Pará. Em 1616 foi fundado o Forte Presépio, embrião da cidade de Belém do Pará. No início da década de 1630, toda a região da foz do rio Amazonas, porta de entrada para o grande território Amazõnico, estava sob controle dos portugueses. 

Os primeiros sacerdotes Jesuítas chegaram na Amazônia junto com esses contingentes militares, com a missão de fazer o contato e a catequização dos indígenas. A estratégia usada pelos religiosos para a “conversão” dos indígenas em “vassalos úteis ao Reino e em bons cristãos” envolvia complexas mudanças no seu comportamento social, algo que as experiências realizadas em outras regiões do Brasil comprovaram ser impossíveis sem uma mudança para outros territórios. Os indígenas de tribos consideradas “mais dóceis” eram transferidos para aldeias conhecidas como Reduções Jesuíticas. Essas transferências ficaram conhecidas na história do país como descimentos.  

Nas aldeias, o trabalho dos religiosos começava com a eliminação do comportamento nômade dos indígenas, tradicionalmente habituados a mudanças frequentes em busca de novas áreas para a caça e a pesca, além de novas terras para a prática da sua agricultura de subsistência. Num segundo momento, os índios passavam a receber treinamento técnico e profissional para a realização de ofícios manuais úteis ao sistema colonial como carpintaria, construção civil, tecelagem, agricultura, entre outras funções. Por fim e não menos importante, o ensino religioso e a transformação dos antigos “selvagens pagãos” em bons cristãos, criando uma estrutura familiar baseada em novos valores éticos e religiosos. 

Com o passar do tempo, essas missões religiosas dos Jesuítas acabaram sendo transformadas em meros centros comerciais, dos quais a Companhia de Jesus (S. A. – grifo meu) auferia o melhor dos lucros e sobre os quais exercia grande domínio e soberania. As grandes fazendas, que foi no que se transformaram as missões, passaram a ser grandes produtoras de gêneros exportáveis de toda a ordem como açúcar, frutas, peixe salgado, tartarugas, madeiras e móveis.  

Os religiosos também descobriram uma infinidade de plantas amazônicas com características similares às das famosas “especiarias do Oriente”. Essas plantas, conhecidas como “drogas do sertão”, eram processadas e vendidas na Europa como “especiarias genéricas” legítimas. 

O saboroso pirarucu, é claro, não poderia ficar de fora dessa falcatrua. Grandes flotilhas de canoas com hábeis índios pescadores vasculhavam os rios da Amazônia em busca dos grandes peixes. Os pirarucus capturados eram então levados para as fazendas, onde eram limpos, cortados e salgados de forma a parecerem ao máximo com os bacalhaus vendidos nas cidades portuguesas. As peças de “bacalhau” eram embaladas em caixa de madeira e exportadas diretamente da Amazônia para Portugal.  

Existe ainda um pequeno detalhe nessa história – os jesuítas eram totalmente isentos do pagamento de impostos ou de qualquer taxa para a exportação dos seus produtos. Essas isenções fiscais dos religiosos passaram a criar atritos crescentes com os demais colonizadores. Em 1759, o Marquês de Pombal – Sebastião José de Carvalho e Mello, que era uma espécie de primeiro ministro de Portugal, determinou a expulsão dos Jesuítas de todos os territórios portugueses

Mesmo com o fim das fazendas dos Jesuítas, a captura dos pirarucus e a produção do “bacalhau” continuou aumentando, tornando o produto cada vez mais popular junto à crescente população da Amazônia. A superexploração do pirarucu tornou a espécie vulnerável e em risco de extinção em vários rios da Bacia Amazônica. Pirarucus de grande porte são cada vez mais raros na natureza. 

Felizmente, a criação de pirarucus em cativeiro na Amazônia vem crescendo, uma iniciativa que poderá ajudar a espécie a sair da lista de animais em risco. Com o aumento dessa produção, a antiga pesca predatória será gradativamente abandonada e a produção dos peixes poderá se tornar uma atividade sustentável, com grande potencial para a geração de trabalho e renda à população local. É possível que, dentro em breve, poderemos estar exportando o “legítimo bacalhau sustentável da Amazônia” para Portugal e outros países, desta vez, porém, sem qualquer tipo de enganação.

Na próxima postagem vamos falar da criação de pirarucus e de outras espécies de peixes amazônicos em cativeiro, e também das grandes oportunidades para a psicultura nos rios da bacia Amazônica. 

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