
Na última postagem falamos sobre os problemas, tanto técnicos quanto legais, que envolvem a construção de usinas hidrelétricas na região da Bacia Amazônica. Essa região, como todos devem saber, é o paraíso das águas – pesquisadores afirmam que 20% de toda a água doce superficial do mundo é encontrada na Bacia Amazônica. Aproveitar esse verdadeiro “mundo de águas” para gerar energia elétrica “limpa’”, infelizmente, não é tão simples como pode parecer.
Hoje gostaria de falar um pouco mais sobre isso e tocar numa questão extremamente delicada – a questão das terras indígenas. Vou começar citando dois “causos verídicos verdadeiros” que acompanhei:
Entre os anos de 2009 e 2010, fui enviado pela empresa em que trabalhava para atuar nas obras do sistema de esgotos sanitários da cidade de Porto Velho em Rondônia. Há mesma época, as obras das usinas hidrelétricas do rio Madeira – Santo Antônio e Jirau, seguiam a todo vapor e consegui acompanhar várias fases dos trabalhos. Uma ocorrência nas obras de Jirau me chamou muito a atenção.
Enquanto se realizavam os trabalhos de desflorestamento da faixa de terras que seria inundada pelo lago da hidrelétrica (essa usina opera a “fio d’água”, mas, mesmo assim, o represamento provoca uma elevação do nível do rio), os trabalhadores encontraram uma grande rocha e, em cima desta, havia uma pedra lascada que tinha um formato semelhante ao de um machado pré-histórico.
Imaginando se tratar de um artefato milenar deixado ali por antigas populações indígenas, o técnico em meio ambiente que acompanhava os trabalhos deu ordem para a paralização total das atividades. Um arqueólogo e um historiador da equipe que preparou o relatório de impacto ao meio ambiente foram imediatamente convocados para realizar uma perícia no “artefato”. Depois de quase três semanas de trabalhos parados, os especialistas emitiram um laudo informando se tratar de uma simples pedra, que provavelmente foi arrastada para o local por alguma antiga enchente do rio Madeira.
Bem por acaso, o dono da empreiteira que prestava os serviços de remoção da vegetação ali naquele trecho era meu vizinho de apartamento e me relatou o tamanho do prejuízo daquele ocorrido. Apesar dos trabalhos terem ficado paralisados por semanas, ele teve de manter o pagamento dos funcionários em dia, além de bancar todos os demais custos do canteiro de obras. Soube depois que, ao longo de três anos de prestação de serviços naquela obra, a pequena empreiteira desse vizinho acumulou um prejuízo de mais de R$ 3 milhões por causa dessa e de outras paralisações dos trabalhos por problemas bem semelhantes.
Um outro caso ligado à minha obra – a equipe que fez os estudos de impacto ambiental no terreno onde seria construída uma das estações de tratamento de esgotos do projeto de Porto Velho encontrou algumas “peças em cerâmica” no meio da mata de capoeira. Imediatamente imaginaram se tratar de cerâmica ancestral de antigas populações indígenas. Um arqueólogo foi chamado para avaliar o “achado” e, cerca de quinze dias depois, emitiu um laudo afirmando se tratar de cerâmicas modernas do tipo usado em rituais de religiões afro-brasileiras. Salvo engano da minha memória, o custo desse laudo foi de R$ 19 mil há época.
Cerca de um ano depois, durante um happy hour com amigos num boteco da cidade, conheci uma pessoa que trabalhou na empresa que fez o licenciamento da obra. Entre um copo de cerveja e outro acabei ouvindo a verdadeira história: o arqueólogo era muito amigo de uma das pessoas da equipe e estava muito endividado naquele momento. A equipe sabia de antemão que as peças cerâmicas que foram encontradas eram na verdade parte de um “despacho”, mas, para ajudar o amigo, acabaram endossando a necessidade da “opinião de um especialista”.
Antes de qualquer coisa, quero deixar claro que não tenho nada contra as populações indígenas e que acho fundamental que sua história, tradições, territórios e produção histórica/cultural sejam preservados. Minha crítica é contra a “indústria do licenciamento ambiental” que, entre outras coisas, usa questões ligadas aos indígenas e suas terras para “engordar” seus ganhos em projetos de licenciamento ambiental de obras.
Dito isso, gostaria de mostrar um caso onde questões ligadas a grupos indígenas estão criando sérias dificuldades para a realização de uma obra importante – falo aqui do Linhão de Tucuruí, uma obra fundamental para o abastecimento de energia elétrica da população do Estado de Roraima, no extremo Norte do país.
Roraima tem uma área de 223 mil km² e uma população com aproximadamente 500 mil habitantes. O Estado não está ligado ao SIN – Sistema interligado Nacional, e depende de geração de energia em centrais termelétricas movidas a óleo diesel. Existe uma linha de transmissão de energia que vem da Usina Hidrelétrica de Guri, no Sul da Venezuela, mas, devido aos problemas políticos e econômicos vividos pelo país vizinho, esse suprimento de energia deixou de ser confiável.
Pois bem – há várias décadas, o Governo Federal vem tentando construir o chamado Linhão de Tucuruí, uma linha de transmissão de energia elétrica que vai permitir a transmissão da energia gerada na Usina Hidrelétrica de Tucuruí para Roraima. Essa energia já chega até a cidade de Manaus, capital do Estado vizinho do Amazonas.
O empecilho para a realização da obra é a Terra Indígena dos Waimari Atroari, que fica no meio do caminho. O Linhão precisa passar por dentro do território indígena e não se consegue chegar a um acordo para a liberação do licenciamento ambiental. Essa terra indígena, inclusive, já é atravessada por uma rodovia federal e a linha de transmissão seria construída exatamente ao lado da estrada, com impactos ambientais mínimos.
Para fazer um contraponto a essa grande dificuldade para licenciar essa obra tão simples, vou citar o caso de outro grupo indígena – os seminoles do Estado norte-americano da Flórida. Em 1987, esse grupo indígena conseguiu autorização da justiça dos Estados Unidos para explorar jogos de azar em suas terras. Os índios operam desde então dois cassinos em seu território na Florida e faturam centenas de milhões de dólares por ano, dinheiro que é dividido entre os 3,3 mil índios do grupo. A foto que ilustra a postagem é de um dos cassinos da tribo, uma franquia do famoso Hard Rock Café e que foi comprada em 2006 pela bagatela de US$ 95 milhões.
No total, existem atualmente mais de 350 cassinos de propriedade de grupos indígenas em 28 Estados norte-americanos. Esses estabelecimentos faturam juntos mais de US$ 20 bilhões por ano e garantem uma excepcional renda e um alto padrão de vida para as suas comunidades. Ou seja – ser um indígena nos Estados Unidos é um excelente negócio para qualquer um. Esses bons ganhos, é claro, não pagam o sofrimento e as mortes de milhões de indígenas ao longo do conturbado processo de colonização do país.
Voltando ao caso dos índios Waimari Atroari aqui do Brasil – será que não seria possível criar um mecanismo legal que permitisse que esses índios recebessem royalties sobre o valor de comercialização da energia elétrica que circulasse através do Linhão que será construído em suas terras?
Eu imagino que os volumes de dinheiro envolvidos nessa negociação ficariam muito aquém dos ganhos conseguidos pelos índios seminoles da Flórida com seus cassinos, mas, acredito que seria um valor muito bem-vindo e que poderia ser investido pelos índios com toda a autonomia no que eles bem entendessem – saúde, educação, habitações, lanchas, jet skis, ou qualquer outra coisa.
E olhem que esse não é um caso isolado – existem dezenas de obras de infraestrutura em todo o Brasil que estão paradas por questões semelhantes. São rodovias, ferrovias, hidrelétricas, gasodutos e oleodutos, entre outras obras fundamentais para o desenvolvimento do país.
Mas não – o que vemos é toda uma legislação que insiste proteger ao máximo os grupos indígenas brasileiros, colocando essas populações “dentro de uma redoma” e completamente isolados do mundo exterior. Será que alguém perguntou para esses indígenas se eles querem eletricidade, água quente no chuveiro, internet e telefonia celular? Será que esses pequenos confortos que a vida moderna proporciona a nós “brancos” (uso a palavra aqui no sentido cultural e não étnico) não agradariam também aos nossos irmãos indígenas?
Moral dessa história: enquanto os índios norte-americanos ficam milionários, seus parentes brasileiros ainda estão presos ao passado, no pior sentido dessa expressão…
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