A bacia hidrográfica do Rio Amazonas é a maior do mundo, abrangendo uma área de mais de 7 milhões de km², sendo a responsável por 1/5 do fluxo total de água doce do planeta. Abrange áreas do Peru, Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname. No Brasil, a bacia Amazônica ocupa uma área de aproximadamente 4 milhões de km², abrangendo os Estados do Acre, Rondônia. Amazonas, Roraima, Amapá, Pará e Mato Grosso. A bacia hidrográfica dos rios Tocantins e Araguaia está contida na área de abrangência da bacia Amazônica (a foz do rio Tocantins fica na região da Ilha do Marajó, no delta do rio Amazonas), o que inclui na lista os Estados de Goiás, Tocantins e parte do Maranhão. No total, o rio Amazonas tem mais de 7 mil afluentes, onde existem cerca de 25 mil quilômetros de águas navegáveis – há bastante assunto para se falar. Vamos começar tratando da Hidrovia do rio Madeira.
O rio Madeira é um dos principais afluentes do rio Amazonas, com uma extensão total de 3.315 km, o que o coloca na lista dos mais maiores rios do mundo. O rio Beni é o mais extenso formador do rio Madeira, com nascentes no alto da Cordilheira do Andes na Bolívia. Depois de atravessar um longo trecho do país vizinho, o rio Beni se encontra com os rios Mamoré e Guaporé, formando o rio Madeira na divisa do Brasil e da Bolívia.
O trecho inicial do rio Madeira apresenta inúmeros afloramentos rochosos, fortes corredeiras e quedas d’água, o que sempre foi um obstáculo para a navegação. O trecho navegável do rio Madeira começa na cidade de Porto Velho e vai até a foz no rio Amazonas, numa extensão total de 1.086 km.
A dificuldade de navegação no trecho inicial do rio Madeira foi a principal responsável pela construção da famosa Ferrovia Madeira-Mamoré, um evento que marcou a história do Brasil e que é fundamental para se entender a história dos atuais Estados de Rondônia e do Acre, que nasceram e foram povoados durante o chamado Ciclo da Borracha a partir de meados do século XIX.
O látex é uma seiva natural produzida pela seringueira ou árvore-da-borracha (Hevea brasiliensis), uma espécie típica da Floresta Amazônica, sendo um produto conhecido e utilizado pelos índios da região a milhares de anos. Em 1839, o inventor americano Charles Goodyear desenvolveu o processo conhecido como vulcanização, onde calor e pressão são aplicados em um composto a base de látex natural, que se transforma na borracha, um produto com inúmeras aplicações industriais. Essa invenção criou um gigantesco mercado para o látex – como detentor da maior reserva natural de seringueiras do mundo, o Brasil rapidamente passou a monopolizar a produção e exportação do produto, fazendo a fortuna de muita gente.
A busca pelos seringais e a exploração do látex levou à criação de uma estrutura semi escravocrata de exploração do trabalho por todos os confins da Amazônia e à ascensão de uma nova classe social – os Senhores da Borracha. Os seringueiros, os profissionais responsáveis pela exploração do látex e pré-processamento do produto na forma de pélas, eram recrutados entre os flagelados das inúmeras secas da região Nordeste. Os seringueiros e suas famílias eram enviados para o meio da floresta, onde eram obrigados a produzir grandes cotas de pélas em troca de comida e outros suprimentos. Foi assim que se iniciou o povoamento do Território do Guaporé, nome depois mudado para Rondônia, e do Acre, uma região que o Governo Imperial do Brasil reconheceu como pertencente à Bolívia desde a assinatura do Tratado de Ayacucho em 1867.
A invasão de seringueiros brasileiros na região Acre não tardou a provocar um forte conflito com as autoridades bolivianas, que frequentemente organizavam expedições armadas para expulsar os invasores. A situação atingiu um ponto crítico em 1901, quando os revoltados seringueiros proclamaram a Independência do Acre. A fim de se evitar o agravamento da situação, foram organizadas reuniões de alto nível entre os Governos do Brasil e da Bolívia. Depois de muita negociação, em 1903 o Brasil assinou um acordo com a Bolívia, o Tratado de Petrópolis, que estabeleceu o pagamento de uma indenização de 2 milhões de libras esterlinas em troca do território do Acre, a sessão de uma faixa de terras na fronteira do Estado de Mato Grosso ao país vizinho e, por fim, que o Brasil bancaria a construção de uma ferrovia com aproximadamente 370 km, ligando a cidade de Porto Velho a Guajará-Mirim, criando assim um corredor para a exportação do látex produzido pela Bolívia.
A construção da Ferrovia Madeira-Mamoré estendeu-se de 1907 a 1912, lembrando que entre 1872 e 1878 já haviam sido feitas duas tentativas para a construção da ferrovia, obra prometida pelo Brasil e que figurava como parte importante do Tratado de Ayacucho. Doenças tropicais como a malária, o tifo e o beribéri atacavam os trabalhadores e impediam o avanço das obras. De acordo com dados oficiais, perto de 6 mil trabalhadores morreram apenas nos últimos 5 anos das obras, o que rendeu o título nada honroso de “ferrovia da morte”.
Os trens (vide foto) circularam sem interrupção na Ferrovia Madeira-Mamoré entre 1912 e 1972, quando um decreto presidencial iniciou o processo de extinção da ferrovia. Em 2009, conforme já comentei em postagem anterior, fui transferido para uma obra do sistema de esgotos da cidade de Porto Velho e fiquei assustado com o grau de degradação da ferrovia – dos antigos 366 km de trilhos restou um trecho com menos de 20 km e apenas uma locomotiva a vapor em funcionamento. Os trilhos foram removidos pela população e transformados em mourões de cercas, suportes e vigamentos para telhados, colunas para reforço de construções entre outros usos; dezenas de locomotivas e vagões depenados jazem enferrujando no meio da mata. O antigo Governo Militar, que dirigiu nosso país entre 1964 e 1985, achou melhor construir uma rodovia paralela aos antigos trilhos – curiosamente, muitas das antigas pontes metálicas da ferrovia foram reformadas para uso pela nova rodovia.
O desmantelamento selvagem da Ferrovia Madeira-Mamoré, que por si só já foi um crime contra o patrimônio histórico, cultural e arquitetônico de Rondônia, foi uma espécie de “tiro no pé” – com o crescimento da produção agrícola na região Centro-Oeste, é cada vez maior o tráfego de carretas vindas do Estado de Mato Grosso trazendo grãos para embarque nos comboios de barcaças de carga no rio Madeira. Se ainda em operação, a Ferrovia Madeira-Mamoré ocuparia uma posição de destaque no Estado de Rondônia em nossos dias: a integração logística entre as Hidrovias dos rios Guaporé e Madeira. Para quem não conhece, o rio Guaporé nasce no Estado do Mato Grosso e segue até a confluência dos rios Beni e Mamoré em Rondônia, onde se forma o rio Madeira – são mais de 1.500 km de águas navegáveis, que tem grande potencial para complementar a navegação no rio Madeira.
Vamos tratar deste assunto na nossa próxima postagem.
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