ESCASSEZ DE FRUTAS, LEGUMES E VERDURAS NOS SUPERMERCADOS DA INGLATERRA 

As seções de frutas, legumes e de verduras dos supermercados da Inglaterra estão com diversas prateleiras e gondolas vazias já há algum tempo. Algumas redes de lojas, inclusive, estão impondo cotas de compras para os clientes

As razões para essa falta de produtos são várias, indo desde problemas climáticos até a desastrada política de restrição à circulação de pessoas durante a pandemia da Covid-19.  As autoridades afirmam que a crise é temporária e que dentro de poucas semanas as coisas voltarão ao normal.

Uma das causas do problema é o inverno europeu, quando um volume considerável de alimentos frescos precisa ser importado de outros países. Esse é o caso do tomate – entre 90% e 95% do volume consumido durante o inverno é importado. O Brexit, a saída do Reino Unido do Bloco Europeu em janeiro de 2020, criou uma série de dificuldades para as importações desses alimentos. 

Entre os alimentos mais escassos destacam-se tomates, pepinos, alfaces, brócolis, couve-flor e framboesas. Diferente de muitos países onde as pessoas não conseguem comprar os alimentos por falta de dinheiro, os ingleses dispões de recursos financeiros adequados, porém, não encontram alimentos a sua disposição. 

A Ministra do Meio Ambiente da Inglaterra, Thérèse Coffey, sugeriu que os britânicos comessem nabos ao invés de verduras e legumes. A “brilhante” sugestão faz lembrar a célebre frase atribuída a rainha Maria Antonieta aos franceses que clamavam pela falta de pão – “que comam brioches”. 

O clima do Reino Unido sempre foi bastante inóspito para a produção de plantas mais delicadas como verduras e algumas frutas. Há muito tempo que os agricultores das ilhas britânicas se valem de estufas para esses tipos de cultivo, uma alternativa que vem se tornando cada vez mais cara devido ao aumento da população. 

Outro grave problema das fazendas é a falta crônica de mão de obra. Assim como acontece em outros países considerados ricos, atividades manuais e/ou braçais de qualquer espécie são consideradas ultrajantes para os cidadãos nativos. Esses trabalhos, há muito tempo, vêm sendo delegados para imigrantes pobres vindos de países do Terceiro Mundo. 

No Reino Unido, até pouco tempo atrás, esses trabalhos ficavam por conta de imigrantes do Leste Europeu, especialmente poloneses, búlgaros, georgianos, entre outros povos dessa região pobre da Europa. As regras das União Europeia permitiam a livre circulação desses trabalhadores entre os países do bloco. 

Com a aprovação do Brexit e a saída do Reino Unido do bloco, essa regra deixaria de valer em 31 de janeiro de 2020, o que levou centenas de milhares desses trabalhadores a sair das fronteiras britânicas temendo represálias. 

O que os britânicos nem imaginavam é que o Brexit coincidiria com o início da epidemia da Covid-19. Como forma de contenção da doença, os países passaram a adotar a política de restrição de livre circulação de pessoas. Essa foi a gota d’água para muitos imigrantes que ainda persistiram em ficar no Reino Unido. 

Sem poder sair para trabalhar, esses trabalhadores foram forçados a voltar para seus países de origem – se é para ficar preso dentro de casa sem poder sair na rua, melhor fazer isso junto com seus familiares em suas cidades de origem. 

Notícias do final desse mesmo ano de 2020, já falavam da falta de muitos produtos nos supermercados do Reino Unido. Uma dessas notícias afirmava que estavam faltando motoristas de caminhões para fazer o transporte das mercadorias dos depósitos até as lojas – o país havia perdido 120 mil motoristas àquela altura.

O Brexit também mudou toda a logística para o transporte de produtos entre a Europa continental e o Reino Unido. Enquanto o país fazia parte da União Europeia, cargas de produtos circulavam livremente sem depender de controles alfandegários. Quando o Reino Unido deixou a UE, todos os transportes de produtos passaram a ser controlados e regulamentados por regras alfandegárias. 

Agora, um caminhão com frutas e legumes produzidos no Norte da França ou nos Países Baixos, regiões bem próximas das Ilhas Britânicas e que poderiam chegar aos supermercados em poucas horas, dependem de uma pilha de formulários e de autorizações para deixar o território da União Europeia e desembarcar na Inglaterra. Esses processos podem levar vários dias ou até mesmo semanas. 

Alimentos frescos, como todos sabem, precisam ser consumidos pouco tempo depois de serem colhidos, sob risco de perderem a qualidade ou até mesmo estragarem. As novas regras de circulação de mercadorias estão resultando em grandes perdas de produtos durante esse transporte, o que está reduzindo o volume vendido nos supermercados ingleses, o que também está resultando em preços mais altos. 

Por fim, e não menos importante, as Ilhas Britânicas estão sofrendo mudanças bastante visíveis no seu clima. As chuvas praticamente diárias que caiam sobre o Sul da Inglaterra já não são tão frequentes e as ondas de calor nos meses do verão tem levado os termômetros a superar a barreira dos 40º C

Práticas e técnicas agrícolas ancestrais que vinham sendo utilizadas há incontáveis gerações de agricultores das ilhas britânicas já não se mostram mais produtivas como no passado. As mudanças no clima e a escassez de água também estão dificultando a produção de diversas espécies de alimentos. 

Quando se juntam esses problemas ambientais com a falta de mão de obra e também com as dificuldades de importação, temos como resultado prateleiras de supermercados vazias e consumidores desesperados por não encontrar os alimentos que precisam levar para suas casas. 

A Irlanda está enfrentando problemas muito semelhantes a esse e vários países da União Europeia logo também começarão a viver essa nova realidade em suas feiras e supermercados. 

Esses são os novos e preocupantes tempos em que estamos vivendo, onde é mais fácil comprar um telefone celular do que um simples e trivial pé de alface…

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E A SECA NO CHIFRE DA ÁFRICA PERSISTE

As populações da região conhecida como Chifre da África continuam em uma situação desesperadora. De acordo com informações da ACNUR – Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados, a região entrou na sexta temporada com chuvas bem abaixo da média. 

Segundo a ACNUR, a região convive atualmente com 3,3 milhões de refugiados e deslocados internos, populações que foram obrigadas a abandonar suas casas e terras ancestrais em busca de condições mínimas para a sobrevivência. 

O Chifre da África, também conhecido como Nordeste Africano e Península Somali é uma região com cerca de 1,88 milhão de km² no nordeste do continente africano, onde se incluem territórios da Somália, Etiópia, Eritréia e Djibuti. Essa é uma região de transição entre o clima árido do Deserto do Saara e das savanas, que também inclui uma faixa no norte do Quénia.  

Desde o início da década de 1980, a região vem enfrentando sucessivas secas – a crise atual é a maior dos últimos 40 anos. Segundo informações do PMA – Programa Mundial de Alimentos, e do UNICEF – Fundos das Nações Unidas para a Infância, mais de 13 milhões de pessoas estão tendo dificuldade de acesso aos alimentos na Somália, na Etiópia e no Quênia.  

Mudanças nos padrões climáticos do Oceano Índico, ligadas diretamente ao aquecimento global, são apontadas como uma das principais responsáveis pela redução dos volumes de chuvas no Leste e no Sul da África. Além de castigar a região do Chifre da África, a seca também está afetando países como Angola, Lesoto, Madagascar, Malauí, Namíbia, Moçambique, Zâmbia, Zimbábue e África do Sul.   

O Chifre da África ocupa uma área total pouco maior que a do Nordeste brasileiro, porém, com uma população várias vezes maior. No total, são cerca de 119 milhões de habitantes, sendo a maior concentração na Etiópia, onde vivem mais de 94 milhões de pessoas. Se incluirmos nessa conta a população que vive no Norte do Quênia, onde a seca também está sendo devastadora, a crise humanitária afeta mais de 130 milhões de pessoas. 

Em tempos de grandes preocupações com a produção e os estoques de alimentos em todo o mundo, essa crise se soma aos já inúmeros problemas. A exceção de algumas regiões da Etiópia, onde a prática da agricultura irrigada ganhou alguma importância após a construção de represas na calha do rio Nilo (construções bastante polêmicas, aliás), toda a produção agropecuária do Chifre da África é de subsistência. 

Numa “contabilidade global” de produção de alimentos, a região praticamente não produz excedentes para exportação – tudo o que era produzido ali era consumido pela própria população. Com a seca persistente e o colapso da produção agrícola e pecuária, bastante importante, a região se transformou num potencial importador de alimentos – a palavra potencial foi usada porque tratamos aqui de países pobres e sem recursos para pagar por essas importações.  

De acordo com um resumo da situação, feito pela porta-voz da ACNUR Olga Sarrado Mur, já existem mais de 1,7 milhão de deslocados internos apenas na Etiópia e na Somália. Mais de 180 mil refugiados da Somália e do Sudão do Sul, país vizinho ao Chifre da África, também foram deslocados. 

Somente nas últimas semanas, mais de 100 mil pessoas chegaram na região de Doolo, uma remota área somali da Etiópia, fugindo da seca em outras regiões e de conflitos militares na região de Laascaaanood, na Somália. 

Além da crise humanitária ligada diretamente à seca, esse deslocamento maciço de populações acaba amplificando conflitos interreligiosos entre as populações. O Chifre da África é uma área de transição religiosa entre as populações muçulmanas do Norte da África e cristãs do Sul. 

A religiosidade se manifesta em diferentes costumes sociais, de alimentação e de até na forma de se vestir. Essas diferenças, em muitos casos, desembocam diretamente na intolerância. Numa disputa ferrenha por itens básicos como água e alimentos, os sentimentos interreligiosos costumam aflorar violentamente. 

A ACNUR também denúncia inúmeros problemas ligados a maus tratos a crianças, e especialmente, a mulheres, dois dos grupos mais indefesos de qualquer sociedade. 

Como se não bastassem todos esses problemas, existem enormes disputas históricas entre os diferentes grupos tribais das diferentes regiões dos países, mesmo entre aqueles que professam a mesma fé. É intolerável para um grupo assistir suas terras sendo invadidas por uma tribo rival, que além de populações humanas, também traz os seus rebanhos animais para disputar os já parcos recursos naturais. 

A disputa desesperada por alimentos, pastagens e fontes de água, não raras vezes, acaba levando a conflitos armados entre os diferentes grupos. Isso tem criado verdadeiros bolsões de guerra em meio à desolação criada pela forte estiagem. 

Com chuvas abaixo da média em mais uma “estação chuvosa”, as perspectivas de mais um ano de seca em todo o Chifre da África tornam o cenário cada vez mais sombrio. Como o foco de europeus e norte-americanos parece estar totalmente voltado para o conflito na Ucrânia, as mazelas desses africanos acabam sendo jogadas para um plano bastante secundário. 

São vidas humanas que não importam para as populações dos países mais ricos… 

A GRANDE SECA NA PAMPA E NOS PAMPAS

Os Pampas ou Campos Sulinos formam o segundo menor bioma do Brasil, só sendo maior que o Pantanal Mato-Grossense. O bioma se concentra no Estado do Rio Grande do Sul e ocupa uma área equivalente a 2% do território brasileiro. Os Pampas se estendem além das nossas fronteiras e ocupam importantes áreas no Uruguai e na Argentina, países onde é conhecido como La Pampa

Dentro do Brasil, os Pampas ocupam uma área total de pouco mais de 176 mil km². No total, o bioma ocupa uma área total de 750 mil km², ocupando praticamente todo o território do Uruguai e as províncias argentinas de Buenos Aires, La Pampa, Santa Fé, Córdoba, Entre Rios e Corrientes

De uma forma geral, os Pampas se caracterizam por terras onduladas com cerros, pequenas elevações em forma de tabuleiro. Normalmente, esses terrenos são bem servidos de chuvas, onde crescem gramíneas e arbustos de diferentes espécies intercaladas por pequenos bosques e capões esparsos. Costumam abrigar numerosos riachos e pequenos rios, mais conhecidos como arroios, além de formar pequenas lagoas entre os cerros no período das chuvas. 

Em tempos geológicos distantes, toda a região hoje ocupada pela Pampa/Pampas era um grande deserto de areias – esse deserto se entendia por grande parte das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil. Após o início do longo processo de fragmentação do antigo Supercontinente de Gondwana, teve início um período de intensa atividade vulcânica nessa região, conhecido como Derrame de Trapp.  

Durante esse evento, enormes volumes de lava vulcânica foram derramados sobre esse solo de areias, formando uma grossa camada de rochas graníticas. Uma das consequências desse processo foi a formação do Aquífero Guarani, um dos maiores reservatórios subterrâneos de água doce do mundo.  

Processos erosivos ao longo de milhões de anos cobriram essa camada de rochas graníticas com camadas de solos altamente arenosos e também com uma fina camada de solo fértil. Apesar de muito frágeis e suscetíveis a processos erosivos, os solos desse bioma são extremamente férteis para a produção agrícola e altamente produtivos para a agropecuária. 

Na Argentina, em particular, os solos da Pampa ocupam cerca de 25% do território e concentram a maior parte da produção de grãos do país. Foi graças a alta produtividade desse bioma, especialmente do trigo, que o país entrou no século XX como uma das nações mais ricas do mundo, condição que ela manteve até o final de década de 1920. 

Todo o bioma está sofrendo com uma intensa estiagem já há três anos. No Rio Grande do Sul já são 334 municípios atingidos pela seca, grande parte deles dentro dos domínios dos Pampas. De acordo com informações da FAMURS – Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul, os impactos econômicos poderão chegar aos R$ 100 bilhões. 

Segundo a FAMURS, para cada R$ 1,00 que deixa de ser gerado pela produção agropecuária, R$ 3,00 são perdidos pela economia do Estado do Rio Grande do Sul. Isso nos dá uma ideia dos impactos da estiagem para os gaúchos. 

Pela extrema importância da Pampa para a Argentina, a situação econômica por lá é bem mais desesperadora, lembrando aqui que os porteños convivem há vários anos com uma enorme crise econômica e com uma inflação galopante. 

A Bolsa de Cerais de Buenos Aires divulgou a poucos dias atrás uma nova projeção da safra agrícola 2022/2023, com números ainda mais desanimadores. A safra foi estimada em 33,5 milhões de toneladas, cerca de 4,5 milhões de toneladas a menos que a estimativa anterior. 

A região central da Argentina, considerada o grande celeiro agrícola do país, já perdeu metade da produção de soja nesta safra. A expectativa inicial era a de se atingir uma produção de 19,7 milhões de toneladas de soja, mas as projeções atuais já falam de pouco mais de 10 milhões de toneladas – a situação, entretanto, não para de piorar. 

De acordo com a FAA – Federação Agrícola Argentina, esta será a pior safra dos últimos 14 anos, uma péssima notícia para um país que precisa gerar, desesperadamente, recursos em moeda forte. Além das mazelas ligadas diretamente ao clima, os produtores culpam também a falta de políticas governamentais para o setor, a alta tributação, os problemas cambiais e a alta inflação. 

No pequeno Uruguai, país que tem menos de 3,5 milhões de habitantes, a situação não é menos desesperadora. As atividades agropecuárias e da agroindústria representam 12% do PIB – Produto Interno Bruto, e respondem por cerca de 70% do total das exportações do país. 

Conforme comentamos na postagem anterior, a NOAA – Administração Nacional Oceânica e Atmosférica do Estados Unidos, na sigla em inglês, afirmou que o bioma Pampa é a região do mundo que está sendo mais fortemente afetada pela seca atualmente. 

Para o Brasil, onde o bioma corresponde a apenas 2% do território, o problema é facilmente contornável pelo aumento da produção agropecuária nos outros biomas e também por subsídios financeiros aos produtores afetados pela seca. 

No caso da Argentina, a situação é muito pior – metade do território do país é formado por desertos e outros ¼ por áreas montanhosas. La Pampa é uma espécie de ilha de fertilidade e de produtividade única. No Uruguai, o bioma representa mais de 90% do território do país. 

Além de comprometer a renda de dezenas de milhares de produtores rurais, essa grande estiagem representa uma sensível perda para a produção e a disponibilidade de alimentos num mundo que já está caminhando a passos largos para uma escassez generalizada de vários produtos agropecuários. 

A questão é preocupante. 

OS IMPACTOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS 

As últimas postagens aqui do blog precisaram ser dedicadas à cobertura dos estragos provocados pelas torrenciais chuvas no Litoral Norte de São Paulo. Já foram totalizadas 65 mortes e ainda existem 6 pessoas desaparecidas na região. Os trabalhos de busca prosseguem. 

Vamos retomar a questão da crise de produção de alimentos, uma preocupação mundial para os próximos anos. 

Em uma série de postagens falamos dos problemas com as culturas dos principais grãos consumidos pela humanidade – trigo, milho, arroz, soja e o milheto, que apesar de ser muito pouco conhecido pelos brasileiros é um alimento essencial em regiões semiáridas, especialmente na África. 

Falando de uma forma bastante resumida, a agricultura depende da combinação de solos férteis (com fertilidade natural ou feita a partir do uso de fertilizantes químicos), da disponibilidade de água (natural ou via sistemas de irrigação), além de condições adequadas de clima. 

O trigo, por exemplo, é uma cultura que se adapta melhor ao um clima temperado. Aqui no Brasil, o grão encontrou boas condições de produção na Região Sul, onde é clima é subtropical e possui alguma similaridade com o clima temperado. 

A EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, uma referência mundial em pesquisas agrícolas, tem feito um excelente trabalho de tropicalização do trigo, criando variedades que produzem, muito bem aliás, nos solos e clima do Cerrado Brasileiro e também em Campos Amazônicos. 

Na década de 1970, a EMBRAPA conseguiu desenvolver variedades de grãos adaptadas ao Cerrado, com grande destaque para a soja, um grão originário de regiões de clima temperado. O sucesso desse trabalho levou o nosso país a disputas palmo a palmo a liderança da produção mundial de soja com os Estados Unidos. 

Um outro exemplo que podemos citar é o centeio, um grão aparentado com o trigo e que se mostrou adequado para a produção em altas latitudes como o Norte da Europa e da Rússia Asiática. Nesses locais, o clima extremo sempre foi um obstáculo para a produção do trigo e o centeio veio para “salvar a lavoura” e garantir a alimentação dessas populações. 

Falando um pouco das condições climáticas para a produção desses importantes grãos: 

A fase final de produção do trigo, do amadurecimento do grão até a colheita requer um clima seco. O grão é bastante sensível a umidade nessa fase – em caso de chuva, os grãos começam a germinar, o que compromete a qualidade final do trigo. Em regiões de clima temperado a colheita é feita no outono, época bastante seca. 

Já o nosso bom e velho arroz, o grão mais importante para a alimentação de populações na Ásia, depende bastante de umidade para a sua produção. Apesar de existirem variedades de arroz adequadas para a produção em sequeiro, ou seja, em solos secos, a maior parte das espécies é produzida em solos alagados ou fortemente irrigados. 

Citando um outro exemplo: o café, uma cultura que foi fundamental para a economia brasileira durante muito tempo. O cafeeiro requer solos férteis e bem drenados, além de necessitar de uma faixa adequada de temperatura – não pode ser muito quente nem muito frio. 

As mudanças bruscas de temperatura estão entre os maiores inimigos da produção do café, com destaque para as geadas, fortes ondas frias vindas do Sul da América do Sul e dos Andes. Os Estados do Paraná, São Paulo e de Minas Gerais, que já foram e/ou ainda são grandes produtores de café, já sofreram pesadas perdas com geadas fortes. Um exemplo foi a “geada negra” de 1975, que dizimou os cafezais do Paraná. 

E por que estamos falando de tudo isso? 

Mudanças climáticas estão alterando as características típicas do clima de muitas regiões, o que tem repercussões diretas na produção agrícola. Um exemplo fácil: secas sucessivas estão prejudicando a produção agrícola na faixa Oeste do Rio Grande do Sul, uma das mais produtivas de nosso país. 

De acordo com a EMATER – Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural, mais de dois terços dos municípios gaúchos decretaram situação de emergência em função da estiagem durante este ano. As zonas rurais estão sofrendo com falta de água para o abastecimento de populações humanas e animais, além dos usos na agricultura. 

Nas culturas de milho e soja, as perdas em algumas regiões do Estado poderão ficar entre 40% e 50%. A colheita do arroz ainda não começou no Rio Grande do Sul, mas já há notícias que falam que 30% das plantações foram abandonadas devido à falta de água.  

A mesma seca que está assolando o Rio Grande do Sul também está atingindo o Norte da Argentina e também o Uruguai. O bioma Pampa do Sul do Brasil se estende além de nossas fronteiras na direção desses países vizinhos onde é chamado de La Pampa

De acordo com informações da NOAA – Administração Nacional Oceânica e Atmosférica do Estados Unidos, na sigla em inglês, o bioma Pampa é a região que está sendo mais fortemente afetada pela seca em todo o mundo, particularmente na Argentina. 

O ano de 2023, é o terceiro consecutivo de seca intensa na região da Pampa. Dados do Governo argentino afirmam que 175 milhões de hectares no país estão sendo afetados pela seca. Além de comprometer fortemente a agricultura, a principal fonte de receitas externas da Argentina, a estiagem também está afetando a pecuária, outro pilar da economia do país. 

No Uruguai a situação não é menos dramática – cerca de 40% do território do país está sofrendo com uma forte estiagem desde o último mês de outubro. O Governo do país acabou de estender a situação de emergência agrícola até o mês de abril. 

E quem é a responsável por essa seca excepcional? 

Ela – La Niña, um fenômeno climático global que costumava ocorrer em intervalos de 2 a 7 anos, com uma duração de 9 a 12 meses, que, no entanto, está se repetindo pelo terceiro ano consecutivo, o mesmo período de persistência da seca na Pampa. 

Isso será apenas uma coincidência ou estamos assistindo os efeitos das mudanças climáticas globais? 

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A “TAXA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL” DE UBATUBA, OU “NÃO QUEREMOS GENTE POBRE AQUI” 

Prosseguem os trabalhos de busca às vítimas das chuvas no Litoral Norte de São Paulo. De acordo com informações da Defesa Civil, já são 54 o número de vítimas fatais já confirmadas e, pelo menos, 30 pessoas ainda estão desaparecidas. 

Até o momento, os trabalhos de escavação dos escombros vinham sendo feitos de maneira manual e controlada, sempre com a esperança de se encontrar vítimas soterradas ainda vivas. Passados seis dias desde os desmoronamentos das encostas, essa esperança é cada vez mais reduzida e os trabalhos deverão passar a ser feitos por máquinas pesadas. 

Na última postagem aqui do blog eu fiz um breve resumo da origem dos bairros populares dos municípios atingidos pelos desmoronamentos das encostas. A valorização dos terrenos a beira mar, especialmente após a construção de rodovias de acesso como a Rio-Santos, empurrou as populações caiçaras para o “pé-das-serras”. 

Conforme apresentamos, os chamados caiçaras são as antigas populações do litoral da faixa entre o centro do Estado do Rio de Janeiro e o Litoral do Paraná. Essas populações se formaram a partir da mestiçagem entre os primeiros europeus a desembarcar no Brasil e as mulheres indígenas. 

Com o passar do tempo, esse grupo passou a também incorporar africanos, especialmente escravos fugitivos das grandes fazendas de cana-de-açúcar e de café. Isolados entre o mar e as montanhas, esses grupos preservaram os costumes e os hábitos religiosos dos primeiros colonizadores do país. 

Com a enorme valorização dos terrenos a beira mar, corretores de imóveis e especuladores de terras passaram a assediar as antigas vilas de caiçaras, oferendo baixos valores pelas terras – muitas vezes eram oferecidos objetos como ferramentas, roupas, sapatos ou outros itens banais em troca das terras. Sem maiores informações, grande parte desses nativos acabaram caindo no “canto da sereia”. 

Em municípios do litoral Sul de São Paulo como Peruíbe, Itanhaém e Mongaguá, onde existe uma antiga estrada de ferro que ligava o Porto de Santos ao Paraná, a divisão territorial que foi criada é bastante nítida. Todos os antigos caiçaras passaram a viver do lado da ferrovia ao largo da serra e o trecho entre a linha férrea e o mar ficou reservado para as casas de fim de semana e de veraneio das “gentes de fora”. 

Com o passar dos anos, esses bairros populares começaram a receber migrantes pobres vindos de outras regiões do país – especialmente nordestinos, que buscavam oportunidades de uma vida melhor. Felizmente, graças aos terrenos planos dessa região, essas populações correm menos riscos de desmoronamentos de encostas. 

No litoral Norte, onde o relevo é bem mais acidentado devido a Serra do Mar praticamente se encontrar com a faixa de areia do Oceano Atlântico, essa divisão entre as áreas de casas e prédios de veraneio e os bairros populares não é tão nítida. Esses bairros populares se dividem em diversos bolsões de casas nas encostas íngremes da serra. Quanto mais longe esses pobres ficarem da faixa de areia, melhor. 

Um exemplo dessa verdadeira divisão entre ricos e pobres nas disputas pelas areias das praias do Litoral Norte pode ser visto em uma espécie de pedágio que foi instituído pela Prefeitura de Ubatuba recentemente. Trata-se da Taxa de Preservação Ambiental, tributo que começou a ser cobrado no último dia 8 de fevereiro. 

Essa taxa foi criada em 2018 e regulamentada em abril de 2022, data em que foram estabelecidos os valores. A taxa é cobrada dos veículos que não estão registrados no município de Ubatuba e cidades vizinhas, e que permanecem por mais de 4 horas dentro dos limites do município. 

Motocicletas pagam R$ 3,50; carros R$ 13,00, utilitários R$ 19,50; micro ônibus e caminhões R$ 59,00 e ônibus R$ 92,00. Esse pagamento é renovado a cada 24 horas de permanência dos veículos na cidade. 

Por mais nobres que sejam as intenções da Prefeitura, que afirma que os recursos arrecadados pela taxa serão destinados à preservação do meio ambiente, o recado, na minha modesta opinião, é bem mais simples – não queremos gente pobre por aqui. 

Eu lembro claramente das famosas excursões de farofeiros para o litoral nos meus tempos de infância e adolescência. Minha cidade, São Paulo, fica a 70 km de Santos, a cidade litorânea mais próxima. Grupos fretavam ônibus de turismo e dividiam os custos entre um grupo de vizinhos. O ônibus saía bem cedo, chegando ao litoral no começo da manhã. Os turistas passavam o dia inteiro na praia e voltavam só a noite. 

Era comum que esses turistas levassem lanche ou comida pronta de casa – o famoso “frango com farofa” era um dos pratos mais comuns, daí o nome “farofeiros”. Um dos destinos mais comuns dessas excursões era a Praia Grande, que naqueles velhos tempos era uma longa faixa de praias semi desertas ao Sul da cidade de Santos. Há poucos anos atrás, a cidade simplesmente proibiu a entrada desses ônibus de excursão. 

Pessoalmente, eu entendo que a cobrança desse tipo de taxas ou a simples proibição do acesso de pessoas mais pobres às praias é uma afronta a liberdade de livre circulação das pessoas previstas na Constituição Federal. Acho que só o fechamento de praias por particulares, algo que é proibido por lei, mas que é muito comum em alguns lugares, é pior. 

Diante do quadro de destruição criado em todo o Litoral Norte pelas chuvas, acredito que essa taxa de preservação ambiental de Ubatuba (que, aliás, é a única cidade do litoral paulista que cobra) deveria ser imediatamente extinta ou então que seja transformada em uma taxa de reconstrução da cidade, onde todos os recursos arrecadados sejam utilizados para a construção de moradias populares decentes para os mais pobres. Outras cidades deveriam adotar o mesmo procedimento, que nesse caso seria justo. 

Meio ambiente, por definição, abrange tanto os recursos naturais como florestas, águas e fauna, como também as pessoas e seu meio ambiente artificial – casas, ruas e outras construções. Não há como separar um do outro! 

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DIÁSPORA CAIÇARA, OU LEMBRANDO DAS RAÍZES DA TRAGÉDIA NO LITORAL NORTE DE SÃO PAULO 

Todos devem estar acompanhando o desenrolar das buscas e o trabalho de atendimento às vítimas das fortes chuvas que devastaram bairros inteiros em cidades do Litoral Norte do Estado de São Paulo. 

Os números oficiais confirmam um total de 46 mortes, sendo 45 em São Sebastião, o município mais fortemente atingido, e 1 em Ubatuba. Os bombeiros trabalham para localizar entre 30 e 40 pessoas desaparecidas. Existem 1.730 desalojados e 766 desabrigados na região. 

Além dos incansáveis esforços no atendimento às vítimas, também estão sendo feitos importantes trabalhos para a recuperação da infraestrutura destruída e/ou danificada pelas chuvas, especialmente a reabertura das vias de acesso aos bairros mais distantes e também as rodovias. 

A mais importante dessas rodovias é o trecho local da BR-101, mais conhecida como Rodovia Rio-Santos. A BR-101 é uma das mais importantes rodovias do país, com uma extensão total de 4.650 km. Ela começa no município de Touros, no Rio Grande do Norte, e acompanha a faixa litorânea até São José do Norte, no Rio Grande do Sul. 

Essa rodovia foi construída durante as décadas de 1950 e 1960, onde se aproveitaram diversos trechos de estradas já existentes. Dentro do território do Estado de São Paulo e também no Sul do Estado do Rio de Janeiro, as obras de construção da BR-101 tiveram um importante papel no deslocamento de antigas populações caiçaras – grande parte das vítimas das chuvas no Litoral Norte de São Paulo descendem dessas populações. 

Antes da chegada dos portugueses no Brasil, todo o litoral do país era ocupado por diferentes tribos indígenas como os Tupis, os Tamoios, os Tabajaras, os Caetés, os temidos Botocudos, entre outros. Muitos desses povos eram inimigos ferrenhos. 

Após o chamado Descobrimento do Brasil em 1500, e início da colonização, muitas desses povos acabaram se aliando aos portugueses, tendo colaborado inicialmente com a exploração do pau-brasil e início do plantio da cana-de-açúcar. O povo brasileiro, lembrando aqui da chamada Matriz Tupi de Darcy Ribeiro, começou a surgir a partir da miscigenação de brancos europeus com mulheres indígenas. 

Entre a região central do litoral do Estado do Rio de Janeiro e o litoral do Paraná, essa miscigenação criou os caiçaras, um brasileiro típico da faixa litorânea da Região Sudeste e de parte do Sul. Com o passar do tempo, esse grupo passou a incorporar também negros, especialmente quilombolas, fugitivos das antigas fazendas de cana e de café. 

Isolados entre o mar e as serras, esse grupo desenvolveu uma cultura e costumes próprios. Vivendo da pesca e de pequenos roçados, esse grupo manteve vivo costumes e crenças religiosas dos tempos iniciais da colonização, além de preservar um português arcaico repleto de palavras indígenas. 

Essa verdadeira “cápsula do tempo” em que os caiçaras viveram por mais de quatro séculos foi quebrada no final da década de 1960, época em que começaram os trabalhos de construção da Rodovia Rio-Santos. 

Um dos primeiros trabalhos a serem feitos para a construção de uma rodovia é a desapropriação da chamada faixa de domínio da estrada. Essa faixa inclui a área onde a rodovia será construída, além de faixas ao longo das margens das pistas. 

O trecho do Litoral Sul do Estado do Rio de Janeiro e Norte de São Paulo tem características muito particulares. A Serra do Mar, no trecho paulista, e a Serra da Bocaina, no trecho fluminense, praticamente se encontram com a faixa de areia. Os caiçaras, literalmente, sempre viveram espremidos entre o mar e as montanhas. 

Para liberar a faixa de terras para a rodovia, grande parte das vilas dessas populações tiveram de ser desapropriadas. Sem nos alongarmos muito nos métodos que foram usados pelas autoridades para conseguir essa liberação, podemos afirmar que os caiçaras saíram com um enorme prejuízo. 

Sem ter uma noção exata do valor de suas terras, essas pessoas acabaram aceitando valores irrisórios – há relatos de moradores que simplesmente trocaram suas terras por objetos comuns como ferramentas e até botas. Expulsos da beira do mar, essas populações buscaram refúgio nas encostas das serras, dando origem a diversos dos bairros devastados pelas chuvas dos últimos dias. 

A abertura da Rodovia Rio-Santos criou um segundo fenômeno nessa faixa litorânea – uma forte especulação imobiliária. A grande beleza cênica entre o mar e as montanhas deu ao lugar o nome de Costa Verde. Essa faixa de litoral engloba os municípios de Mangaratiba, Angra dos Reis, Itaguaí, Parati, todos no Estado do Rio de Janeiro, e Ubatuba, Caraguatatuba, São Sebastião e Ilhabela, no Estado de São Paulo. 

As vilas de pescadores caiçaras que conseguiram sobreviver ao processo de construção da Rodovia Rio-Santos agora passaram a conviver com o cerco de corretores de imóveis e especuladores de terras. Foram muitas as promessas de uma vida melhor com “dinheiro no bolso”. Não foram poucas as vilas tradicionais que simplesmente desapareceram do mapa nesse processo. 

A expulsão dos caiçaras da beira do mar, uma história que não é muito conhecida da maioria da população e que eu costumo chamar de diáspora em referência ao processo de expulsão e dispersão dos judeus no ano 70 pelas tropas romanas, foi muito além de uma mudança de endereço. Sem ter acesso ao mar, todos os hábitos de vida e de trabalho mudaram para sempre. 

Morando em casas improvisadas nas perigosas encostas das serras, essas populações acabaram transformadas em empregados das mansões e dos apartamentos de fins de semana e de férias dos “endinheirados de fora. Os orgulhosos pescadores de outrora viraram caseiros, porteiros, jardineiros, faxineiros, vigias, cozinheiros e pedreiros, entre outros tipos de trabalhos braçais. 

Sem conseguir prosperar economicamente e mudar para áreas com terras melhores, essas comunidades caiçaras não tiveram outra opção senão a de avançar continua e perigosamente encostas de serras acima. Imigrantes pobres vindos de outros regiões do país também passaram a se refugiar e a construir suas casas nessas regiões de encostas. 

As fortes chuvas e os deslizamentos de mais essa “tragédia anunciada” também atingiram casas e comércios nas áreas mais nobres das cidades. Entretanto, quem mais sofreu e está sofrendo com a tragédia são os pobres das encostas dos morros – em sua grande maioria descendentes dos antigos caiçaras. 

O resgate e o atendimento a essas populações, como se vê, precisa ser bem mais profundo do que todos nós imaginamos. 

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LITORAL NORTE DE SÃO PAULO: O MAIOR VOLUME DE CHUVAS REGISTRADO EM 24 HORAS DA HISTÓRIA DO BRASIL 

Continuam intensos os trabalhos de resgate e atendimento às vítimas das fortes chuvas no litoral Norte do Estado de São Paulo. Além de São Sebastião, Ubatuba, Ilhabela, Caraguatatuba e Bertioga, municípios do Litoral Norte que desde o último sábado vinham sofrendo fortemente com as chuvas torrenciais, São Vicente e Praia Grande, no Litoral Sul, também entraram para a lista dos mais atingidos. 

De acordo com a última atualização oficial, divulgada na tarde desta segunda-feira, dia 20 de fevereiro, foram contabilizadas 41 vítimas fatais, sendo 40 em São Sebastião e 1 em Ubatuba, Ao menos 40 pessoas seguem desaparecidas, além de 1.730 desalojadas e 766 desabrigadas. 

De acordo com informações do CEMADEN – Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, o volume de chuvas acumulado no Litoral Norte de São Paulo em 24 horas atingiu a impressionante marca de 682 mm, o maior volume já registrado no Brasil. 

Para que todos tenham ideia do tamanho da catástrofe – o evento climático mais extremo registrado anteriormente em São Sebastião se deu em 2014, quando choveu o equivalente a 179 mm em 10 horas. Num período de 24 horas entre o último sábado, dia 18, e o domingo, dia 19, o município recebeu 640 mm de chuva, 3,5 vezes mais chuva que em 2014. 

De acordo com as medições pluviométricas do CEMADEN, feitas no mesmo período, foram registrado 680 mm de chuva em Bertioga, 388 no Guarujá, 337 mm em Ilhabela, 335 mm em Caraguatatuba, 234 mm em Santos, 203 mm em Praia Grande e 186 mm em São Vicente. 

Os trabalhos de busca e de salvamento estão sendo coordenados pelo Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo com apoio do Exército Brasileiro. Cerca de 14 helicópteros estão sendo utilizados nas operações. Também participam dos trabalhos funcionários públicos e membros da Defesa Civil das Prefeituras, além de milhares de voluntários. 

Lamentavelmente, essa nova tragédia está expondo mais uma vez os graves problemas criados pela falta de políticas de construção de moradias populares. As áreas mais fortemente atingidas foram justamente as encostas de morros, ocupadas irregularmente por populações de baixa renda. 

Essa é uma realidade já tratada em diversas postagens aqui do blog e que faz parte das paisagens de inúmeras cidades brasileiras. Encostas de morros, áreas de várzea e margens de rio são, na imensa maioria dos casos, as áreas urbanas que apresentam os menores preços de terrenos. Em grande parte dos casos trata-se de áreas públicas que simplesmente foram invadidas. 

Pela sua própria natureza, essas áreas deveriam ser mantidas em condições naturais, Encostas de morro, mesmo quando cobertas pela vegetação nativa, estão sujeitas a deslizamentos em períodos de fortes chuvas. Quando eu era adolescente e costumava acampar no trecho da Serra do Mar que fica no extremo sul da cidade de São Paulo, lembro de ter encontrado vários deslizamentos de encostas em áreas de mata fechada. 

O maior destes deslizamentos que encontrei ficava nas margens do rio Branco, já dentro do município litorâneo de Itanhaém. Uma faixa nua de terra descia desde uma altura de 300 metros na encosta da serra até a margem do rio, onde uma enorme massa de terra, pedras e troncos de árvore se acumulava. 

Quando uma encosta de morro é desmatada e ocupada por moradia, a situação de instabilidade fica ainda mais críticas, Além de perder as raízes das árvores, elementos que ajudam a estabilizar o solo da encosta, os construtores das moradias fazem recortes na forma de grandes degraus para construir sobre uma área plana. 

Em períodos de fortes chuvas, esses solos acumulam grandes volumes de água, o que, em muitas situações, acaba liquefazendo os sedimentos e transformando o solo em lama mole. A descida dessa lama morro abaixo acaba erodindo os solos que encontra pelo caminho, levando muitas vezes toda a encosta a ruir. Foi exatamente isso o que se viu em São Sebastião. 

Outro grande problema da ocupação desordenada em áreas urbanas são as margens e várzeas de córregos, ribeirões e rios. Em condições naturais, essas áreas recebem todo o excedente de água que transborda do corpo d’água, funcionando como uma área de amortecimento. 

Quando essas áreas são ocupadas irregularmente por moradias, o primeiro impacto se dá na destruição da vegetação, conhecida com mata ciliar. Entre as funções dessa vegetação destaco a retenção de material particulado, galhos e troncos de árvore, entre outros resíduos que são arrastados pelas enxurradas na direção da calha dos rios. Isso evita o assoreamento e entulhamento das calhas. 

Outra característica importante dessa vegetação é a sua capacidade de absorver parte da energia dos caudais, reduzindo assim a força da correnteza em momentos de cheia. Quando esse delicado equilíbrio natural do sistema é quebrado por ações antrópicas, ou seja, pelas mãos dos homens, a violência das águas foge de qualquer controle. 

Como sempre acontece em situações de desastres naturais, estamos assistindo toda uma corrente de solidariedade para com as vítimas das chuvas. Doções de dinheiro e arrecadação de alimentos, água, cobertores e outros itens estão sendo feitos por todos os cantos. Isso é essencial neste momento. 

Também está se falando na liberação de verbas para a realização de obras de contenção de encostas, para projetos de moradias populares, comportas, estações de bombeamento, entre outras obras essenciais, que, diga-se de passagem, já deveriam ter sido realizadas há muito tempo. 

A pergunta que sempre faço: quando é que vão começar a responsabilizar os gestores municipais e estaduais que deixaram de fazer seu trabalho direito ou que simplesmente se omitiram? Os problemas de ocupação de encostas nesses municípios litorâneos são antigos (para não dizer seculares) e sempre tem problemas – em maior ou em menor escala, ano após ano. 

Em uma postagem publicada aqui no blog no último dia 3 de fevereiro, citando só um exemplo do tamanho do problema, comentamos sobre uma reportagem de um grande canal de notícias onde se afirmava que o Governo do Estado de São Paulo não investiu todos os recursos orçamentários disponíveis para o combate das enchentes e obras de contenção de encostas em um período de 12 anos. 

Não seria a hora de colocar no banco dos réus todos esses ex-Governadores (um deles, aliás, é o atual Vice-presidente da República) e seus ex-secretários, além de ex-Prefeitos? 

O momento é triste e angustiante, mas é preciso dar um basta em todas essas tragédias anunciadas. 

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CHUVAS NO LITORAL NORTE DE SÃO PAULO: ATUALIZAÇÃO 

Prosseguem os trabalhos de busca, resgate e atendimento às vítimas das fortíssimas chuvas que devastaram diversos municípios do Litoral Norte do Estado de São Paulo. O Governo estadual decretou estado de calamidade pública em Ubatuba, São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba e Bertioga. 

De acordo com informações oficiais já foram registradas 36 vítimas fatais, sendo 35 em São Sebastião e 1 em Ubatuba. Também existem 228 pessoas desalojadas abrigadas na casa de parentes e 338 desabrigadas, encaminhadas para abrigos públicos. 

Equipes de resgate trabalham na localização de dezenas de pessoas desaparecidas, especialmente na região Sul de São Sebastião, uma das mais fortemente atingidas pelas chuvas. Os trabalhos emergenciais também visam a desobstrução de deslizamentos de encostas que bloquearam rodovias e vias de acesso a alguns bairros. 

Mais de 100 bombeiros, além de centenas de voluntários, estão se empenhando no resgate e atendimento das vítimas. 

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URGENTE: CHUVAS FORTÍSSIMAS NO LITORAL NORTE DE SÃO PAULO

A cidade de São Sebastião, no litoral Norte de São Paulo, está em situação de calamidade pública. Em 24 horas a cidade recebeu o absurdo volume de 600 mm de chuva – isso significa que cada metro quadrado de solo na cidade recebeu um volume de 600 litros de água de chuva no período. 

Não existe infraestrutura que resista a tanta água. 

Bairros inteiros estão isolados em meio a ruas e avenidas cobertas por uma grossa camada de lama. Encostas de morros desabaram, encobrindo inúmeras casas. As vias de acesso ao município foram bloqueadas por deslizamentos. 

Os bairros em situação mais crítica são Cambury, Vila Sahy, Boiçucanga no Alto Tropicanga, Juquehy e Barra do Una, na região sul da cidade. As escolas da cidade foram disponibilizadas para receber os desabrigados e as equipes do Fundo Social de Solidariedade estão recebendo materiais de limpeza, água potável, entre outros itens. 

O mau tempo também está provocando fortes ressacas no mar, o que está impedindo o acesso das equipes de socorro por lanchas e outras embarcações aos bairros mais isolados. Helicópteros da Polícia Militar do Estado de São Paulo já foram deslocados para São Sebastião, porém, as condições do tempo estão impedindo os voos. 

Em Ilhabela, município vizinho, foram registrados 336 mm de chuva nas últimas 24 horas. O CEMADEN – Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), colocou a faixa Sul do município em Estado de Atenção. 

O Governo do Estado de São Paulo está deslocando pessoal de apoio para auxiliar nos trabalhos de resgate e auxílio à população. O Governador Tarcísio de Freitas, inclusive, está se dirigindo até São Sebastião para avaliar in loco os problemas e coordenar as ações de auxílio a Prefeitura local. 

A previsão do tempo já havia alertado a população sobre a ocorrência de fortes chuvas durante o feriado do Carnaval na região – estavam previstos 250 mm de chuva, um volume já bastante alto, para os 5 dias do feriado. Os volumes de chuva, entretanto, foram bem maiores e caíram em uma fração do tempo previsto. 

Todos os eventos ligados ao Carnaval foram cancelados. Ainda não foram divulgadas informações sobre o número de vítimas fatais e de desalojados/desabrigados. 

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