OS PIRARUCUS DO RIO TIETÊ

Começo confessando que o título da postagem é sensacionalista – os pirarucus ainda não chegaram ao rio Tietê, mas já estão vivendo em águas bem próximas. 

Pirarucus, espécie típica da Bacia Amazônica, estão sendo pescados com uma frequência cada vez maior no Rio Grande, importante corpo d’água que divide os Estados de São Paulo e Minas Gerais. 

A distância entre a foz do Rio Tietê no Rio Paraná e a confluência dos Rios Grande e Paranaíba, ponto onde começa o Rio Paraná, é de menos de 150 km. Logo, será apenas uma questão de tempo para que o título da postagem reflita a realidade. 

Vamos entender qual é a verdade que está por trás dessa história. 

O pirarucu (Arapaima gigas), também conhecido como arapaima ou peixe pirosca, é o maior peixe de escamas dos rios brasileiros e um dos maiores do mundo, podendo atingir até 3,5 metros de comprimento e um peso de até 250 kg. O animal é um grande predador onívoro dos rios da Bacia Amazônica, se alimentando de peixes, caramujos, crustáceos, anfíbios, cágados e cobras, entre outros, de uma enorme lista de presas. Quando jovem, o pirarucu se alimenta basicamente de plâncton, plantas e animais microscópicos que vivem livres nas águas dos rios, passando depois a comer pequenos peixes. O peixe pode viver até 18 anos.  

A espécie possui uma grande cabeça achatada, com mandíbulas salientes e um grande corpo cilíndrico. Uma das características físicas mais interessantes do pirarucu é o fato da espécie possuir dois sistemas respiratórios. Como ocorre com a imensa maioria dos peixes, o pirarucu possui um sistema de brânquias para respiração aquática – esse órgão consegue extrair o oxigênio dissolvido na água.  

Também possui uma bexiga natatória modificada, que funciona como um pulmão e que permite que o pirarucu também realize a respiração aérea, uma característica chamada na biologia de “respiração acessória”. Esse mecanismo de respiração extra é fundamental nos períodos da seca, quando os rios Amazônicos têm seus níveis dramaticamente reduzidos e peixes com as proporções do pirarucu ficam sujeitos a riscos de encalhe ou aprisionamento em poças d’água. 

Uma forma comum de se encontrar pirarucus a venda na região Amazônica é na forma de “mantas” salgadas, similares ao bacalhau. Aliás, o pirarucu é conhecido como o “bacalhau da Amazônia”. Ao contrário do que muitos podem imaginar, a alcunha não se deve ao formato das peças de peixe salgadas, mas sim a uma grande “esperteza” de padres Jesuítas que, durante décadas a fio nos tempos do Brasil Colônia, processavam os pirarucus em suas fazendas espalhadas por toda a Floresta Amazônica e exportavam os peixes para Portugal, onde as peças eram vendidas ao público como um “legítimo” bacalhau. 

Essa espécie de peixe amazônico vem sendo encontrado com frequência cada vez maior em rios dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, além de rios do Pantanal em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A foto que ilustra essa postagem mostra a alegria de um grupo que capturou um pirarucu num rio da Bahia. Essa “migração” não tem nada de natural – pessoas estão soltando alevinos e filhotes de pirarucus nos rios desses Estados. 

Para qualquer pescador, amador ou profissional, pescar um peixe do tamanho de um pirarucu é um feito em tanto. Aliás, os grandes pirarucus costumam ser pescados com o uso de arpões na Amazônia. A alegria dos pescadores, entretanto, é trágica para a fauna nativa de um rio – todos os peixes menores, moluscos, crustáceos, anfíbios e répteis se transformam em caça para um predador carnívoro do porte do pirarucu. 

Os impactos ambientais criados pela introdução dessa espécie exótica em um corpo d’água pode ser exemplificado pela invasão das águas do Lago Vitória, na África, por peixes da espécie perca-do-nilo. A perca é um predador de topo na cadeia alimentar, que pode superar os 250 kg de peso e atingir um comprimento de até 2 metros. A espécie é nativa da bacia do médio e baixo Rio Nilo. 

As percas foram introduzidas no Lago Vitória em meados da década de 1950, com o objetivo de garantir a produtividade da atividade pesqueira, que a época estava em franca decadência. Apesar do verdadeiro desastre ambiental que seria deflagrado pela introdução dessa espécie exótica no Lago Vitória, as populações locais acabaram fortemente impactadas pela exploração desse novo recurso pesqueiro.  

A carne da perca-do-Nilo era muito mais rica em gordura que a grande maioria dos peixes nativos, sendo, portanto, muito mais valorizada comercialmente. Rapidamente, milhares de pescadores tradicionais passaram a se dedicar à pesca comercial das percas. 

Entretanto, o sucesso comercial dessa nova espécie teve um alto custo ambiental. Seguindo o princípio da conservação da matéria, que diz de maneira bem simplificada que “nada se cria, nada se perde – tudo se transforma”, a produção de grandes quantidades de uma espécie de peixe requer, no mínimo, que uma quantidade equivalente de alimentos tenha sido introduzida na equação, ou seja, nas águas do lago.  

Apesar de grande, o Lago Vitória tem recursos naturais finitos, o que estabelece limites para o suporte de vida das populações de peixes. Além de predar todas as espécies de peixes nativos do Lago, as percas-do-Nilo passaram a se valer do canibalismo para suprir parte das suas necessidades calóricas, onde os espécimes maiores passaram a devorar os espécimes menores. Essa competição por fontes de alimentos está levando a antiga diversidade de espécies do Lago Vitória ao colapso. Vale lembrar que a única espécie que preda a perca-do-Nilo são os humanos. 

A tragédia ambiental do Lago Vitória tem tudo para se repetir nos rios que estão sendo invadidos pelos pirarucus. Não se espantem ao notarem que tucunarés, tilápias, corvinas, piranhas, pacús, porquinhos, bagres, tabaranas, traíras e lambaris, entre muitas outras espécies de peixes comuns em rios brasileiros, comecem a desaparecer de rios e mercados de alguns Estados, e pirarucus frescos comecem a aparecer nas bancas. 

Esse será apenas mais um capítulo da história da introdução de espécies exóticas em um outro habitat. 

UMA ONDA COM 17,6 METROS DE ALTURA NA COSTA DO CANADÁ – A MAIOR JÁ DOCUMENTADA 

Uma notícia que ganhou as manchetes das redes sociais e da mídia tradicional nos últimos dias: 

No dia 17 de novembro de 2020, uma onda com altura descomunal atingiu uma bóia de ondas Coast Scout de 0,9 metro instalada e operada pela MarineLabs, uma startup canadense especializada em estudos oceânicos. 

A bóia, que foi instalada em uma área com 45 metros de profundidade e a 7 km da costa de Ucluelet, na ilha de Vancouver – Costa Oeste do Canadá, registrou que a altura da onda atingiu a marca de 17,6 metros. Estudos posteriores, publicados na revista científica Scientific Reports, confirmaram que essa foi a maior onda de vento já documentada. 

Apesar da altura muito acima do normal, a estrutura do relevo marinho permitiu a dissipação da maior parte da energia da onda e os estragos na orla da cidade de Ucluelet foram mínimos. 

Essa não foi a maior onda a ser observada. Em 2022, uma onda com altura estimada em 26 metros foi observada na praia do Norte, em Nazaré – Portugal. Em 2025, uma onda com cerca de 20 metros de altura atingiu Coast Tree na Praia de Pebble – Califórnia. 

Apesar das alturas impressionantes, essas duas regiões são famosas pela ocorrência de ondas gigantes em algumas épocas do ano. Nazaré, inclusive, é famosa por esses eventos e é um verdadeiro santuário para os surfistas mais radicais. 

Esse não é o caso da onda gigante de Vancouver. De acordo com os cientistas, a ocorrência de uma onda com essas características naquela localidade é extremamente rara. Na verdade, a probabilidade é de apenas uma ocorrência a cada 1.300 anos. 

Ondas gigantes são definidas pelos cientistas como aquelas que tem aproximadamente o dobro das maiores ondas que se formam numa região. A onda de Vancouver atingiu uma altura quase três vezes maior que a média das maiores ondas registradas na região. 

De acordo com o físico Johannes Gemmrich, cientista da Universidade de Vitória e responsável pelo estudo das ondas gigantes de Vancouver, essa altura três vezes maior que o padrão do mar no momento do impacto é que foi o diferencial do evento. 

E tem mais – o cientista também afirmou que as mudanças climáticas que estão ocorrendo em todo o planeta poderão resultar em aumento da frequência deste tipo de onda. Inclusive, já existem estudos que indicam que isto poderá acontecer ao longo das próximas décadas e em diversas regiões da Terra. 

Medições de satélite de longo prazo de um estudo realizado por pesquisadores australianos e holandeses e que foi publicado em 2022, mostrou que mudanças no clima sobre os oceanos estão alterando os padrões das correntes de vento e, consequentemente, alterando o padrão das ondas. 

Só como exemplo, podemos citar o caso do Oceano Índico, um dos mais afetados pelas mudanças climáticas. De acordo com medições da temperatura superficial das águas, medições essas que vem sendo feitas sistematicamente desde 1880, a temperatura média das águas aumentou quase um grau centígrado. Como resultado, as correntes oceânicas, os ventos e as ondas estão mudando.

Uma das consequências mais visíveis são mudanças no clima do Leste e do Sul da África, onde a frequência e a intensidade das secas aumentaram. No Subcontinente Indiano e em partes do Sudeste Asiático, as importantes Chuvas da Monção já não têm mais a previsibilidade de antes. 

Uma das conclusões desse estudo mostra que 59% das costas oceânicas do nosso planeta apresentarão um aumento nas condições extremas de ondas até o ano de 2100. As regiões mais afetadas são as que estão localizadas nas latitudes mais altas nos Hemisférios Norte e Sul. 

No Extremo Sul da América do Sul e no Oceano Antártico, o aumento da frequência das ondas altas foi estimado em 20%. Na costa Oeste da Nova Zelândia e na Tasmânia, esse aumento foi estimado entre 10 e 15%. No Norte do Oceano Pacífico e na Península de Kamchattka, os valores também se situam entre 10% e 15%. 

Como fica bem fácil de perceber, a ocorrência da onda gigante em Vancouver não é um caso isolado – há uma forte possibilidade de ser parte de um problema bem maior, problema esse que poderá afetar populações costeiras, a pesca, a extração de petróleo nos oceanos e a navegação, entre outras áreas. 

Mares turbulentos à vista! 

A NOVA “GUERRA” DA CAXEMIRA: ÍNDIA E PAQUISTÃO AFIANDO AS GARRAS

Quem acompanha os noticiários sabe que as, já tensas, relações entre a Índia e o Paquistão galgaram um novo patamar nos últimos dias. No último dia 22 de abril, um ataque terrorista deixou 26 mortos na região turística de Pahalgam, estado indiano de Jammu e Caxemira, região mais conhecida como Caxemira. A polícia local prendeu três suspeitos, sendo que dois deles são paquistaneses. 

Índia e Paquistão disputam a ferro e fogo a posse da região da Caxemira. Atentados e ataques promovidos por grupos ligados e/ou financiados pelo Paquistão são frequentes na região. A disputa já deflagrou três guerras entre os dois países: em 1947-1948, 1965 e 1999, esse último conhecido como conflito de Kargil. Esse novo incidente já colocou os exércitos em alerta e já está ocorrendo um deslocamento maciço de tropas e equipamentos para o front.   

A Caxemira é uma região montanhosa localizada ao Norte do subcontinente indiano, que vem sendo disputada pela Índia e Paquistão desde o fim da colonização britânica em 1947. Muito mais do que a posse de uma grande extensão territorial, essa região da Cordilheira do Himalaia concentra grandes geleiras nas montanhas que alimentam as nascentes do rio Indo, o maior e mais importante rio do Paquistão. 

O rio Indo (ou Indus) tem suas nascentes nas montanhas himalaias e percorre cerca de 3.180 km até atingir sua foz no Oceano Índico. O Indo é o maior e mais importante rio do Paquistão, um país com uma população de 200 milhões de habitantes. Suas águas respondem pela irrigação e nutrição de 90% das culturas agrícolas do país. Sem as águas do rio Indo, grande parte do Paquistão se transformaria em um deserto árido – o restante do país já é hoje uma sucessão de terrenos áridos e semiáridos. 

Em resumo: a disputa entre os dois países é pela posse e uso das águas, uma das mais elementares questões de meio ambiente. Quem dominar essas águas, dominará o poder político e econômico da região. 

Durante os 200 anos de duração da administração inglesa na região, os territórios hoje ocupados pela Índia, Paquistão e Bangladesh formavam, artificialmente, um único país, onde as respectivas populações se toleravam – a população da Índia era majoritariamente hindu; os territórios do atual Paquistão e de Bangladesh tinham uma maioria muçulmana. Sempre ocorreram conflitos religiosos entre as populações dessas diferentes religiões, porém, sob o domínio britânico, havia um claro esforço para se atingir uma convivência “pacífica”.  

Após a independência da Índia em 1947 e o acirramento entre os diferentes grupos religiosos, o território do subcontinente indiano acabou dividido e os muçulmanos assumiram o controle da região do atual Paquistão e de Bangladesh; os hindus se concentraram nas regiões Central e Sul.  

De acordo com um tratado assinado entre os dois grupos nessa época, a população da região da Caxemira deveria votar em um plebiscito, escolhendo a qual dos lados deveria se juntar neste processo. Com perto de 80% da sua população sendo muçulmana, era natural que o resultado da votação fosse favorável à anexação da Caxemira ao Paquistão. A Índia, porém, alegou razões históricas e acabou anexando a maior parte região da Caxemira ao seu território e não permitiu a realização do plebiscito.

De acordo com cânticos e poemas encontrados nos Vedas, conjunto de livros sagrados dos antigos hindus, existia um grande rio, o Ghaggar-Hakra, cujo vale atravessava uma região desértica entre os territórios atuais da Índia e do Paquistão. As águas desse mítico rio alimentavam e nutriam as populações de centenas de cidades. Em determinado momento, a ira dos deuses fez esse rio secar, levando ao súbito desaparecimento de todas essas cidades e populações.  

Desde 1861, arqueólogos vêm trabalhando nesse vale e comprovando que nem tudo é lenda – entre os anos 2.600 e 1.900 a.C., floresceu nessa região a Civilização do Vale do Indus. Ruínas de mais de 1.050 cidades e vilas já foram encontradas e 96 sítios já foram escavados – a mais impressionante dessas cidades é conhecida pelo nome de Mohenjodaro (ou Mohenjo-Daro).   

Estudos arqueológicos, geológicos e meteorológicos recentes comprovaram que já existiu um grande rio na região, que corria através de um vale “paralelo” ao do atual rio Indus, desde os terrenos altos do sopé das montanhas himalaias até um delta no Oceano Índico. Supõe-se que um grande terremoto, ocorrido há 4 mil anos, alterou a inclinação dos terrenos e desviou a maior parte das suas águas na direção do rio Ganges. Mudanças climáticas regionais, desmatamentos e sobrepastoreio de campos também são consideradas entre as causas do desaparecimento do rio.  

É essa mistura de mitologia com fatos históricos comprovadamente reais que tira o sono de muitos paquistaneses. Essa mais recente crise entre os dois países, donos de poderosos exércitos e de arsenais nucleares, poderá descambar para um conflito regional de consequências imprevisíveis. 

Em 1960, a Índia e o Paquistão assinaram um acordo, o Tratado das Águas do rio Indus, o que acalmou muitos ânimos. As desconfianças, porém, continuaram: recentemente, a Índia construiu a Usina Hidrelétrica de Baglihar na região, acendendo uma luz de alerta no Paquistão e acirrando o tom das provocações entre os dois países.   

Um sinal que mostra a que nível a tensão entre os dois países chegou: o Governo da Índia ordenou o fechamento das comportas da barragem de Baglihar poucos dias atrás… 

Os próximos dias serão decisivos. Que Allah e todos os milhares de deuses do panteão indiano iluminem os líderes dos dois países e que se encontre um meio termo aceitável pelas partes! 

CONSTRUÇÃO DE ESTRADA NO SUL DO CHILE AMEAÇA ÁRVORES MILENARES GIGANTES 

Em nossa última postagem falamos da importância dos Estudos de Impacto Ambiental – EIA, como pré-condição essencial para a liberação de obras de infraestrutura. Citamos no texto o exemplo do sapinho-admirável-de-barriga-vermelha, uma espécie endêmica que só é encontrada em um pequeno trecho da margem do rio Forqueta no Rio Grande do Sul. 

Por uma triste coincidência, uma reportagem publicada quase que simultaneamente pela DW – Deutsche Welle, uma empresa pública de radiodifusão da Alemanha, afirmou que a construção de uma estrada no Sul do Chile poderá resultar na derrubada de centenas de árvores milenares endêmicas e ameaçar outras tantas. Entre elas está “Gran Abuelo”, um cipreste-da-Patagônia com idade estimada em 5.400 anos e que pode ser uma das árvores mais velhas do mundo. 

De acordo com a reportagem, o Governo chileno pretende reabrir e ampliar uma antiga estrada madeireira que corta o Parque Nacional Alerce Costero, com o objetivo de facilitar os transportes entre diversos municípios da região. 

Porém, de acordo com grupos ambientalistas e entidades de indígenas da etnia Mapuche, que lutam pela preservação ambiental da região, o objetivo dessa estrada é facilitar o transporte de lítio explorado na Argentina com destino a portos na costa do Chile.  

O lítio é um mineral altamente valorizado e essencial para a produção de baterias, com um enorme mercado em todo o mundo, principalmente na China. Baterias de lítio são usadas em aparelhos eletrônicos como computadores, tablets e telefones celulares. Também é fundamental para a produção de baterias usadas em carros elétricos. 

Somente com essas informações é possível concluir o tamanho dos interesses econômicos envolvidos na questão. O projeto, que atualmente está com a análise travada, foi apresentado em 2008. Autoridades governamentais pretendem apresentar um novo estudo de impacto ambiental como parte de um grande esforço para liberar a obra. 

Entre as árvores ameaçadas pelo projeto encontram-se exemplares da espécie cipreste-da-Patagônia (Fitzroy cupressoides), uma espécie endêmica da região. O nome científico da árvore homenageou Robert Fitzroy, o capitão do lendário HMS Beagle, navio da marinha da Inglaterra que passou vários anos explorando o Sul da América do Sul nas décadas de 1820 e 1830. O passageiro mais ilustre dessas expedições foi o naturalista Charles Darwin

A espécie é uma conífera, sendo considerada a maior árvore da América do Sul. A altura média das árvores se situa numa faixa entre 40 e 60 metros, com alguns exemplares atingindo até 70 metros – o diâmetro do caule pode chegar a 5 metros. Outra característica da espécie é a longevidade, estimada em vários milênios. 

O habitat do cipreste-da-Patagônia está restrito à região das florestas temperadas valdivianas, numa área localizada entre o Centro-sul do Chile e um trecho da Cordilheira dos Andes na Argentina. Essas florestas foram intensamente exploradas por empresas madeireiras nos séculos XIX e XX, o que dizimou grande parte dos estoques da espécie. 

Falando grosso modo, podemos comparar a situação do cipreste-da-Patagônia com o pau-brasil (Paubrasilia echinata), árvore da família das leguminosas que abundava na Mata Atlântica aos tempos do descobrimento do Brasil e que foi explorada até a quase extinção da espécie. Relembrando as aulas de história do ensino fundamental, a madeira dessa árvore era usada na produção de um corante de um vermelho intenso – o brasil. O nome do nosso país veio daí. 

Árvores milenares como o cipreste-da-Patagônia ou as sequoias gigantes da Califórnia (Sequoiadendron giganteum) são verdadeiros monumentos naturais. Os anéis de crescimento impressos na madeira permitem estudar as variações ambientais ao longo do tempo. Cada um desses anéis corresponde a um ano. 

Os cientistas utilizam uma ferramenta conhecida como trado, uma espécie de serra-copo, para furar o tronco das árvores e extrair uma amostra da seção transversal da madeira. Isso permite estudar as condições climáticas da região nos últimos milênios com absoluta precisão. 

Um único exemplo de estudo que pode ser feito – a avaliação da composição química dos anéis de uma árvore permitiria mapear todas as erupções vulcânicas ocorridas no Chile nos últimos milênios e analisar os impactos na atmosfera. O Chile tem mais de 2.900 vulcões, sendo que ao redor de 90 continuam ativos. 

Além dos incontáveis prejuízos para a biologia e o meio ambiente, a perda de uma única das árvores remanescentes da espécie pode significar a perda de informações científicas insubstituíveis para os mais diferentes estudos, sem considerar estudos futuros que ainda não foram sequer imaginados. 

A queda de braço entre ambientalistas e autoridades do Governo será difícil. Torçamos sempre para que o bom senso prospere entre as partes. 

VOCÊ CONHECE O SAPINHO-ADMIRÁVEL-DE-BARRIGA-VERMELHA? 

O nome engraçadinho pode até fazer você acreditar que se trata apenas de uma brincadeira. Mas essa espécie de sapo existe de verdade. 

O sapinho-admirável-de-barriga-vermelha (Melanophryniscus admirabilis) é um anfíbio da família Bufonidae, família essa que engloba o gênero dos sapinhos-de-barriga-vermelha – os Melanophryniscus. O anfíbio mede apenas 3 cm e se alimenta de formigas e ácaros, de onde extrai uma série de toxinas usadas na produção de secreções usadas na sua defesa contra predadores. 

Esse sapinho tem uma característica única – toda a população da espécie vive exclusivamente em um trecho de 700 metros da margem do rio Forqueta, no município de Arvorezinha no Rio Grande do Sul. Pesquisadores já reviraram outras regiões do Estado e não conseguiram achar nenhum outro exemplar da espécie. 

Essa característica, que se encontra em espécies animais e vegetais, é chamada em biologia de endemismo – a ocorrência restrita de uma espécie ou grupo de espécies a uma determinada região geográfica. Essa região pode ser desde um bioma grande como os Pampas Sulinos ou a Mata Atlântica, até áreas bem pequenas como o topo de um morro ou a margem de um rio. 

Agora, imagine a seguinte situação – alguma “otoridade”, autarquia ou órgão publico decide construir uma represa no rio Forqueta ou então uma rodovia que corte o pequeno micro bioma onde vive o sapinho. A resposta é óbvia: dificilmente os sapinhos conseguiriam sobreviver para “contar a sua história”. 

Por mais incrível que possa parecer, grandes obras de infraestrutura vinham sendo construídas sem maiores preocupações com os impactos ao meio ambiente até a década de 1960, época em começaram a crescer os movimentos de defesa do meio ambiente. 

Em 1962, a renomada ambientalista, bióloga marinha e escritora norte-americana Rachel Carson publicou um livro que dividiu a história da humanidade em dois períodos distintos – antes e depois da Primavera Silenciosa, título dado à renomada publicação.  

Alarmada com o uso crescente e sem qualquer controle de inseticidas e herbicidas pelos produtores rurais norte-americanos, Rachel Carson relatou em linguagem acessível e extremamente didática as consequências nefastas desses venenos para a natureza e para a saúde dos seres humanos. O livro se transformou rapidamente em um sucesso de crítica e de público, sem esquecer é claro da fúria e da ira que despertou em dirigentes da indústria química mundial.

O impacto do livro também foi fundamental para a proibição do uso de muitos destes venenos pelos agricultores – o DDT por exemplo, e a um controle mais rígido da produção e venda de agrotóxicos pelo Governo dos Estados Unidos.  

Dois outros importantes desdobramentos da publicação de Primavera Silenciosa: a criação da EPA – Environmental Protection Agency (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos) em 1970 e o início do movimento ambientalista, que mudaria o mundo para sempre.  E como as coisas mudaram…

O controle da poluição do ar, da água e dos solos; os problemas ligados à geração e ao descarte do lixo; a queima de combustíveis fósseis não renováveis e a busca por fontes de energia limpas; a destruição das florestas tropicais e o avanço das fronteiras agrícolas; a caça às baleias e a proteção dos rinocerontes negros da África; os impactos de grandes obras de infraestrutura, entre muitos outros avanços – tudo passou a ser acompanhado “com lupa” pelos governos e suas máquinas burocráticas. 

Esse movimento tardou a chegar no Brasil, mas, em 1982, foi criada a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), regulamentada pela Lei nº 6.938/1981. Essa política tem como objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental para garantir condições adequadas ao desenvolvimento socioeconômico do país. 

Um exemplo prático dessa Política – toda obra com potencial para causar alterações e/ou impactos ao meio ambiente passou a demandar uma série de estudos prévios nos campos da biologia, antropologia, geografia física e humana, geologia, história e arqueologia, entre muitas outras áreas do conhecimento. Esses estudos são mais conhecidos como EIA – Estudos de Impacto Ambiental. De forma complementar é gerado o RIMA – Relatório de Impacto ao Meio Ambiente. 

Toda essa documentação precisa ser apresentada, conforme o caso, a uma autoridade ambiental municipal, estadual ou federal. Após uma profunda análise, essa autoridade ambiental poderá aprovar a execução da obra, exigir maiores estudos ou ainda vincular a aprovação do projeto a implantação de medidas de compensação ambiental. 

No caso do sapinho-admirável-de-barriga-vermelha e do seu pequeno território na margem do rio Forqueta, qualquer analista do órgão ambiental decretaria que construtoras ou incorporadoras se mantenham o mais longe possível da região. 

Infelizmente, milhares de espécies animais e vegetais não tiveram essa sorte e sucumbiram sob pesadas camadas de pedra, concreto, asfalto e águas ao longo da história humana. Uma vez desaparecida uma espécie, somente através de um esforço monumental de engenharia genética, similar ao que foi feito para a desextinção polêmica do lobo-terrível, poderá ser trazida de volta a vida – é claro que isso ainda é hipotético e muitos estudos ainda precisam ser feitos. 

Por enquanto, os sapinhos do rio Forqueta estão a salvos. Porém, nada impede que ocorra um derramamento criminoso ou acidental de contaminantes nas águas do rio, o avanço de uma queimada descontrolada na mata ou ainda uma enchente devastadora, como aconteceu recentemente em grandes áreas do Rio Grande do Sul. 

Para quem trabalha em áreas da construção civil, como é o meu caso, as exigências ambientais dos órgãos reguladores muitas vezes nos tiram do sério, mas, nos conforta saber que tudo se faz por um valor bem maior que nossas obras. 

DESMATAMENTOS NA AMAZÔNIA CRESCEM 18% NO ANO DA COP 30 EM BELÉM

Como deve ser do conhecimento da maioria dos leitores, o Brasil vai sediar a COP 30 – 30ª Conferência da ONU sobre as mudanças climáticas. O evento está agendado para o próximo mês de novembro na cidade de Belém do Pará. 

Além de um sem-número controvérsias como a derrubada de um trecho da Floresta Amazônica para a construção de uma avenida, o “plantio” de árvores artificiais e gastos multimilionários em obras, uma sombra escura está causando arrepios nos organizadores – os desmatamentos e as queimadas não param de crescer na Amazônia. 

De acordo com dados do SAD – Sistema de Alerta de Desmatamentos, as áreas de desmatamentos na Amazônia Legal cresceram 18% nos primeiros oito meses do “calendário do desmatamento” da Amazônia. Esse calendário é determinado pela estação chuvosa no bioma, que se estende entre os meses de novembro a maio. Os desmatamentos aumentam na estação seca que vai de junho a outubro, época em que é mais fácil fazer as queimadas e extrair as madeiras. 

Imagens de satélite captadas pelo IMAZON – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, mostram que a área desmatou passou de 1,94 mil km² entre agosto de 2023 e março de 2024, para 2,29 mil km² entre agosto de 2024 e março de 2025. Essa área é equivalente ao território ocupado pela cidade de Palmas, capital do Estado do Tocantins. 

A Amazônia Legal é um conceito geográfico que foi criado no final da década de 1950 e que costuma causar alguma confusão. Além de incluir a totalidade da região coberta pela Floresta Amazônica, a Amazônia Legal inclui a totalidade do Estado do Mato Grosso e do Tocantins, além de parte do Maranhão, o que corresponde a uma área total de mais de 5,2 milhões de km², equivalente a 61% do território do Brasil. 

Esse aumento na área desmatada na Amazônia, que por si só já causa um enorme constrangimento para o país anfitrião da COP 30, podem ficar ainda mais dramáticos quando analisados de uma forma mais ampla. 

Se for usado o calendário de desmatamento acumulado entre os meses de agosto a março, a degradação florestal cresceu 329%, passando de 7,92 mil km² entre agosto de 2023 e março de 2024, para 34,01 mil km² no período entre agosto de 2024 e março de 2025. Esses números desastrosos vão impedir que muitos vistam a fantasia de “grandes salvadores da Amazônia”. 

Conforme tratamos com grande frequência nas postagens aqui do blog, a proteção da Floresta Amazônica, o segundo maior sistema florestal do planeta, é fundamental para a manutenção e estabilidade do clima e das chuvas tanto no Brasil quanto em parte importante do mundo. Qualquer esforço para coibir a derrubada de árvores e as queimadas são sempre bem-vindos. 

O que quase nunca é lembrado é que cerca de 25 milhões de brasileiros vivem dentro da região coberta pela floresta, pessoas essas que precisam trabalhar e produzir alguma coisa para sobreviver. Para muitas dessas pessoas, derrubar árvores para vender a madeira ou queimar trechos da mata para plantar ou criar gado é uma das poucas formas de se ganhar o pão na região. 

Esse problema, que já é sério, fica ainda maior em tempos de problemas econômicos no país. Antes de criticar esses “destruidores” da Amazônia, grupo formada em sua grande maioria por gente pobre, é preciso implementar programas de desenvolvimento sustentável, onde essa população consiga produzir sem ameaçar a Amazônia. Siga esse link para conferir uma série de postagens aqui do blog com a demonstração de inúmeras atividades econômicas sustentáveis para o bioma. 

Pelo andar da carruagem, a COP 30 vai apresentar uma série de discursos inflamados e vazios de ecologistas, políticos e famosos, todos intrépidos defensores do meio ambiente. Soluções práticas e objetivas para os problemas que assolam a Amazônia e outros ecossistemas do mundo, bom, isso vai ficar para a COP 31… 

TIBBLES, A GATA SOLITÁRIA QUE EXTINGUIU UMA ESPÉCIE DE AVE NA NOVA ZELÂNDIA 

Conforme apresentamos em uma postagem recente aqui do blog, gatos domésticos representam uma perigosa ameaça para a fauna silvestre – a imagem acima ilustra bem isso. Curiosamente, O Município, um periódico da cidade de Blumenau e região, publicou uma reportagem que trata de um desses casos – uma única gata que conseguiu exterminar uma espécie de ave em uma das ilhas da Nova Zelândia. 

As ilhas que formam o arquipélago da Nova Zelândia estão separadas de outras áreas continentais há, pelo menos, 19 milhões de anos. Devido a esse isolamento, as únicas espécies de mamíferos nativos das ilhas são os morcegos, que chegaram voando. A fauna original local era formada essencialmente por aves, peixes e insetos. Algumas espécies de mamíferos marinhos como baleias e focas visitam as ilhas frequentemente, porém sem causar impactos ambientais.  

A invasão do território neozelandês por espécies exóticas começou por volta do ano 1300, quando desembarcaram nas ilhas as primeiras expedições de maoris, grupo polinésio originário do Sudeste Asiático. Em suas grandes canoas, os maoris transportavam porcos, galinhas, cães e gatos, entre outros animais domésticos. Ao longo dos últimos 700 anos, essas espécies invasoras (incluindo na lista os humanos) passaram a competir com as espécies nativas, levando muitas delas a extinção. 

Uma das primeiras espécies da fauna da Nova Zelândia a ser extinta após a chegada dos maoris às ilhas foram as moas, um grupo de aves que era formado por nove espécies de seis gêneros. Essas aves não voavam e as duas maiores espécies, a Dinornis robustus e a Dinornis novaezelandiae podiam atingir uma altura de 3,6 metros com o pescoço estendido e um peso de 230 kg. Quando os polinésios desembarcaram nas ilhas por volta do ano 1280, estima-se que existiam cerca de 58 mil moas – no ano 1440, todas as moas já haviam desaparecido devido à caça excessiva.   

A situação se complicaria ainda mais nas primeiras décadas do século XIX, época em que foi iniciada a colonização das ilhas pelos britânicos. Os recém-chegados traziam, além de suas bagagens e sonhos, novos animais domésticos como vacas, cavalos, porcos, ovelhas, cabras galinhas e patos, entre outras espécies, além de seus próprios gatos e cachorros. 

Após essa segunda onda de espécies animais invasoras, todo um grupo de espécies de aves terrestres passaram a desaparecer das grandes ilhas, ficando restritas a alguns poucos recantos isolados e ilhas vizinhas. Um desses casos foi o da pequena ilha de Stephen, separada de uma das grandes ilhas por um canal com cerca de 3,2 km de largura. 

A aparente tranquilidade desse refúgio natural terminou em 1892, ano em que foi construído um farol marítimo na ilha. Diferente dos faróis automáticos modernos, as instalações antigas dependiam da presença de um faroleiro, que na grande maioria dos casos, vivia sozinho nesses locais. 

O primeiro faroleiro alocado na ilha de Stephen não suportou a solidão e, poucos meses depois, foi substituído por David Lyall, que trouxe junto com suas bagagens Tibbles, sua gata de estimação. Como todo felino, a curiosa gata passou a fazer seus passeios pelo interior da minúscula ilha e começou a abater aves terrestres que encontrava pelo caminho. 

A principal presa da gata era a cotovia-da-ilha-de-Stephen, uma pequena ave terrestre com cerca de 10 cm de altura. A espécie, que no passado era encontrada nas grandes ilhas da Nova Zelândia, tinha encontrado na ilha de Stephen o seu derradeiro refúgio.  

Como é comportamento comum nos gatos domésticos, Tibbles costumava trazer algumas das cotovias que caçava para a sua casa no farol. David Lyall guardou algumas dessas aves mortas, que depois vendeu para o barão Walter Rothschild, um famoso ornitólogo da época. O cientista identificou a ave como uma espécie nova para a ciência e a batizou com o nome de Traversia lyalli. Infelizmente, a espécie já se encontrava extinta naquele momento. 

Tibbles foi a responsável pela extinção da cotovia-da-ilha-de-Stephen, porém, ela não pode ser responsabilizada – gatos são animais irracionais e agem por puro instinto. A culpa é toda do humano que a levou para o ambiente da ilha – David Lyall

Desgraçadamente, existem muitos desses Davids espalhados por nosso mundo… 

A “ILHA DE PLÁSTICOS” DO OCEANO PACÍFICO, OU O 7º CONTINENTE 

Em meio as grandes preocupações com as queimadas e a destruição da Floresta Amazônica ou o aumento das temperaturas globais, temas esses que dominam os meios de comunicação e as discussões nas redes sociais, uma gigantesca ameaça ambiental cresce silenciosamente dia após dia em uma região remota do Oceano Pacífico. 

Falamos aqui da “ilha de plásticos”, um gigantesco aglomerado de resíduos dos mais diversos tipos de plásticos, que flutua numa extensa área do Oceano Pacífico entre a Califórnia, Estado da Costa Oeste dos Estados Unidos, e as ilhas do Havaí. 

De acordo com as mais recentes medições, essa “ilha” flutuante está ocupando uma área equivalente a 1,6 milhão de km², equivalente ao território do Estado do Amazonas ou algo como três vezes a área da França. Especialistas afirmam que essa massa é formada por aproximadamente 1,8 trilhão de pedaços de plásticos, com um peso estimado em 80 mil toneladas. Em alguns pontos, essa massa tem 10 metros de espessura. 

Essa “ilha” foi descrita pela primeira vez pelo oceanógrafo norte-americano Charles Moore em 1997. O pesquisador concluiu que aquela região ficava no ponto de encontro de diversas correntes oceânicas, onde se formava uma espécie de redemoinho que atrai e concentra os resíduos plásticos na região. O volume de resíduos foi calculado na época em 4 mil toneladas. 

Um estudo posterior publicado na prestigiada revista científica Nature afirmou que 94% da massa flutuante era formada por resíduos plásticos pequenos, especialmente fragmentos de embalagens plásticas. Uma grande quantidade de pedaços de redes de pesca também foi encontrada junto aos fragmentos. Outro destaque dessa massa de resíduos são as sacolas plásticas distribuídas em supermercados e lojas. 

Esse estudo também mostrou que 2/3 dos fragmentos recolhidos apresentava caracteres chineses e japoneses impressos. Também foi possui rastrear a origem de grande parte dos fragmentos – além da China e do Japão, a lista inclui fragmentos originários do México, Taiwan, Filipinas, Canadá, Chile, Colômbia, Alemanha, Itália e Venezuela, entre outros. 

Uma das maiores ameaças representadas por esse tipo de resíduo são os chamados microplásticos, fragmentos muito pequenos que são ingeridos pelas espécies marinhas. Segundo um relatório de 2016 publicado pela FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação, cerca de 800 espécies de peixes, crustáceos e moluscos presentes na alimentação humana estão contaminados por microplásticos. 

Os problemas não param por aí – um estudo feito pela organização ambiental internacional Greenpeace em 2018, em parceria com a Universidade Nacional de Incheon, da Coréia do Sul, concluiu que 90% do sal de origem marinha vendido no mundo está contaminado por resíduos microscópicos de plástico. 

Essa “anomalia” geográfica não é uma exclusividade do Oceano Pacífico – existem, entre muitas outras, uma grande formação similar no Mar do Caribe e outra no Oceano Indico, bem memores em área, mas tão nocivas quanto. Isso demonstra que a poluição dos mares por resíduos plásticos é um problema global. 

E tem mais – especialistas estimam que até 10% das 100 milhões de toneladas de plásticos produzidas anualmente em nosso planeta acabem chegando aos oceanos, jogadas diretamente nas águas por cidades costeiras ou por despejo de navios ou arrastadas do interior dos continentes através dos sucessivos rios das bacias hidrográficas. 

Estudos do PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, indicam que existem atualmente 18 mil fragmentos visíveis de plásticos flutuando em cada quilômetro de mar – é indeterminada a quantidade de resíduos que está submersa nos oceanos.  

Os oceanos são fundamentais para todos nós. Além de ser uma enorme fonte de alimentos para muita gente, as águas oceânicas são o verdadeiro pulmão de nosso planeta – cerca de 51% do oxigênio presente na atmosfera terrestre é gerado pelas algas e microalgas oceânicas. Não custa lembrar que o oxigênio é essencial para a existência a vida no planeta Terra. 

Ou seja – a humanidade até consegue sobreviver sem peixes, moluscos e crustáceos capturados nos oceanos. Com algum esforço também é possível substituir o sal oceânico pelo produto encontrado em minas terrestres e salares espalhados por todos os cantos do planeta. 

Agora, sem oxigênio, seres humanos e outras formas de vida não sobrevivem nem por 5 minutos… 

UM PROJETO HIDROVIÁRIO PARA A CIDADE DE SÃO PAULO, OU DE VOLTA PARA O PASSADO 

Desde o mês de maio de 2024, está em operação o Aquático-SP, um serviço de transporte hidroviário público através das águas da Represa Billings. O serviço utiliza embarcações com capacidade entre 30 e 60 lugares, fazendo a ligação entre o Cantinho do Céu, um bairro afastado no extremo Sul da cidade de São Paulo, e o Parque Mar Paulista, na região do bairro da Pedreira. 

O trajeto tem cerca de 5,6 km de extensão e pode ser feito em 15 minutos. Isso pode até parecer pouca coisa para a maioria dos leitores, mas, para os moradores da região, isso significa uma redução do tempo de trajeto em mais de uma hora quando comparado ao roteiro feito por ônibus. 

A Represa Billings que, conforme comentamos em postagem recente, comemorou o primeiro centenário há poucas semanas, é o maior reservatório da Região Metropolitana de São Paulo. Suas margens se estendem por áreas dos municípios de São Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, com um espelho d’água com cerca de 100 km². 

O serviço está com um ótimo nível de aprovação pelos usuários e representa apenas a ponta do iceberg de todo um pacote de serviços e soluções de transporte hidroviário já em gestação e que deverão ser implementados na cidade de São Paulo ao longo das próximas décadas. 

A Região Metropolitana de São Paulo é cortada por diversos rios e córregos de bom tamanho, com grande potencial para uso como hidrovia. O maior desses corpos d’água é o Rio Tietê, maior rio do Estado, que dentro da Região Metropolitana conta com cerca de 125 km de extensão. 

Também se destacam os rios Pinheiros, com 25 km de extensão, e Tamanduateí, este com 35 km. Também podemos incluir na conta córregos volumosos como o Aricanduva, com 20 km de extensão, e a Represa Guarapiranga, localizada na Zona Sul da cidade de São Paulo, que tem um espelho d’água com aproximadamente 25 km². 

Após a realização de todo um conjunto de obras como barragens, eclusas, aprofundamento e alargamento de canais, reconfiguração de pontes já existentes e construção de docas para carga e descarga, todo esse conjunto de vias fluviais poderá ser usado tanto para o transporte de passageiros, quanto para o transporte de cargas. 

Sistemas semelhantes estão em operação em diversas cidades do mundo. Um dos exemplos mais conhecidos são os canais dos Países Baixos, que estão em operação desde a antiguidade. Também podemos citar o rio Sena e os canais da cidade de Paris, e o rio Tâmisa em Londres. 

Ao contrário da grande inovação que esse futuro sistema de transportes hidroviários poderá representar para toda a cidade e Região Metropolitana, a cidade de São Paulo nasceu e se desenvolveu utilizando o transporte fluvial através de toda uma rede de rios e córregos por todo o Planalto de Piratininga. 

Quando os primeiros padres Jesuítas, entre eles Manuel da Nobrega e José de Anchieta, chegaram ao Planalto de Piratininga na década de 1550, encontraram diversas aldeias indígenas espalhadas. Esses indígenas utilizam canoas de diversos tamanhos para o transporte de pessoas e de mercadorias. Após a fundação da cidade de São Paulo em 1554, esse sistema de transporte foi mantido e sobreviveu até o início do século XX. 

Um exemplo notável desse modal de transporte paulistano é a região da rua 25 de Março, bem no coração da cidade e que abriga o maior centro comercial a céu aberto do Brasil. Até o final do século XIX, um braço do rio Tamanduateí existia no local e abrigava um movimentado porto fluvial, bem ao lado do mercado central. Com o crescimento da cidade, essa região foi aterrada e urbanizada – uma das únicas lembranças daqueles tempos está no nome de uma rua – Ladeira Porto Geral. 

De acordo com registros históricos, o Planalto de Piratininga, a região onde encontramos grande parte das cidades da Região Metropolitana de São Paulo, era cortado por cerca de 300 rios e córregos de bom tamanho. Algumas fontes afirmam que esse número se situava na casa de 1.200 corpos de água. Durante séculos, toda essa rede hidroviária foi usada para o transporte de pessoas e mercadorias, definindo os contornos atuais da área metropolitana. 

Um exemplo que sempre cito é o do meu bairro – Santo Amaro, localizado a pouco mais de 15 km do centro de São Paulo. Até a década de 1930, Santo Amaro foi um município independente, especializado na produção de produtos hortifrutigranjeiros, lenha, carvão e produtos cerâmicos. Esses produtos eram transportados até o mercado central por toda uma rede de rios como o Guarapiranga, Jurubatuba, Pinheiros e Tietê. 

Com o advento da cafeicultura na Província de São Paulo a partir dos anos de 1850, a cidade de São Paulo passou a crescer de forma exponencial. A partir da década de 1860, trechos de rios, córregos e áreas de várzea passaram a ser canalizados e/ou aterrados, criando terrenos para a expansão da mancha urbana da cidade. 

Ao longo de todo o século XX, devido ao aumento massivo de automóveis, caminhões e ônibus nas ruas da cidade, rios passaram ter seus cursos retificados para a construção de grandes avenidas como as Marginais Tietê e Pinheiros. Também surgiram as avenidas de fundo de vale como Aricanduva, do Estado, Salim Farah Maluf, Pacaembu e Bandeirantes, entre muitas outras. Centenas de riachos e córregos desapareceram sob camadas de concreto e asfalto.

A futura revitalização do modal de transporte hidroviário poderá mudar a cara da cidade de São Paulo e vizinhanças para melhor. Uma das premissas do projeto é a despoluição dos rios e córregos, e, de quebra, solucionar os problemas históricos das enchentes. Serão menos carros, ônibus, caminhões e enchentes, e mais lanchas, barcos e barcaças 

Será uma bem-vinda volta para o passado! 

AS VINHAS DA IRA CLIMÁTICA 

São as águas de março fechando o verão 
É a promessa de vida no teu coração” 

A maioria dos leitores deve conhecer esses versos maravilhosos que fazem parte da atemporal canção “Águas de março”, composição do imortal Tom Jobim e que ganhou o mundo na inigualável voz de Elis Regina. O verso exalta o final do verão e da temporada das chuvas na região Centro Sul do país. 

Em tempos de mudanças climáticas globais, entretanto, a letra não está mais correspondendo com a realidade – já se passou quase um mês desde o final do verão e as “águas de março” continuam a castigar com força muitas cidades e regiões do Brasil em pleno mês de abril. 

Exemplos fáceis que podemos citar são as fortes chuvas que castigaram as regiões Central e Sul do Estado do Rio de Janeiro poucos dias atrás ou ainda as tempestades que continuam assolando as tardes na Região Metropolitana de São Paulo. As mudanças climáticas, é certo, vieram para ficar! 

Um grande setor econômico que vem sentindo como nenhum outro os impactos das mudanças climáticas é a vitivinicultura, que engloba todo o processo de produção do vinho, desde o cultivo das uvas até a produção dos vinhos.  Esclarecendo: a viticultura se dedica ao cultivo e a produção de uvas, enquanto a vinicultura corresponde a produção dos vinhos. 

O vinho é uma das mais antigas bebidas alcoólicas produzidas e consumidas pela humanidade. Evidências arqueológicas encontradas em áreas da Ásia Central como a Geórgia, o Irã, a Turquia e a China, datadas entre 8 mil e 5 mil anos antes de Cristo (a.C), indicam que a domesticação da videira, a planta que produz a uva, e o início da produção de vinhos começou ali, se espalhando gradativamente pelo mundo. 

Regiões de clima temperado, com invernos frios e verões quentes se mostraram as mais adequadas para o cultivo da uva. Extensas regiões da Europa, do Norte da Ásia e do Oriente Médio se destacaram na produção de vinhos de excelente qualidade desde o limiar da história das civilizações. Entre os países de maior tradição vinícola se destacam a Itália, França, Espanha, Portugal, Alemanha, Grécia e Turquia. 

Com o avanço das ciências e da cartografia em eras mais modernas, os geógrafos perceberam que as melhores regiões produtoras de vinho no Hemisfério Norte se situavam entre os paralelos 30 e 40° – essa constatação ficou ainda mais evidente após o início da produção de vinhos na Califórnia, região que se encontra dentro destes paralelos, ainda no início da colonização espanhola (a região na época pertencia ao México). 

Com o passar do tempo, cartógrafos descobriram que no Hemisfério Sul também existia uma faixa climática que apresentava as condições ideais para a produção do vinho. Dentro dessa faixa climática, entre os paralelos 30 e 40° Sul, encontramos o Chile, a Argentina, o Uruguai, o Sul do Brasil, a África do Sul, a Austrália e a Nova Zelândia, países que nas últimas décadas se tornaram grandes produtores mundiais e exportadores de vinho de alta qualidade. 

Estas duas regiões produtoras, conhecidas também como Paralelos do Vinho, durante muito tempo representavam uma espécie de garantia para a produção de bons vinhos. Entretanto, nos últimos anos, extremos climáticos, tanto no Hemisfério Norte quanto no Sul, têm criado problemas para o cultivo das uvas e prejudicado a produção de vinhos em todo o mundo. 

Tradicionais regiões produtoras de países como França, Espanha e Itália vem assistindo reduções tanto no volume quanto na qualidade de seus vinhos, Verões escaldantes, secas, geadas e invernos irregulares tem afetado a produção de uvas, com consequências diretas na qualidade dos vinhos. 

Por outro lado, regiões sem nenhuma tradição na produção de bons vinhos vem surpreendendo o mundo e os apreciadores da bebida. Um exemplo notório é o sul da Inglaterra, onde a atividade sempre foi taxada como medíocre pelos produtores europeus tradicionais. Os vinhos “made in England” vem evoluindo muito bem nos últimos anos. A região apresentou um crescimento de 60% na produção da bebida nos últimos anos. 

E as coisas não param por aí – a Noruega, país famoso por suas paisagens geladas e fiordes deslumbrantes, está assistindo o surgimento de parreirais em seus vales, onde as videiras estão crescendo bem e onde estão se instalando pequenos produtores de vinho.   

Aqui no Brasil, a Região Sul é a grande produtora de vinhos, com a Serra Gaúcha no Rio Grande do Sul respondendo por cerca de 80% da produção nacional. Outra região do Estado com produção relevante é a Campanha Gaúcha, no oeste sul riograndense. Também, é uma das regiões brasileiras onde as mudanças climáticas têm causado os maiores desastres. 

Todos devem ter memórias bem frescas das catastróficas enchentes vividas por grande parte do Rio Grande do Sul no ano passado. Cidades quase que totalmente cobertas pelas águas das enchentes, famílias ilhadas nos telhados de casas ou amontoadas em abrigos temporários. 

O que talvez muitos não saibam é que o Rio Grande do Sul vem convivendo com grave escassez de recursos hídricos já há várias décadas. Algumas regiões apresentam hoje paisagens mais parecidas com o Semiárido Nordestino do que com os Pampas Sulinos. Nesse momento, 61 municípios gaúchos estão enfrentando problemas relacionados com a estiagem. 

Como vem acontecendo na maioria das regiões produtoras do mundo, vinicultores e viticultores gaúchos correm contra o tempo para se adaptar a esses novos tempos. Parreirais estão sendo replantados em configurações que racionalizam o uso de água e dos solos; novas variedades de uvas desenvolvidas pela Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, que se adaptam melhor às novas condições climáticas, estão sendo testadas. 

Também estão sendo implantados novos sistemas de irrigação, onde são utilizados volumes de água menores e com perdas cada vez mais reduzidas. Unidades de produção de vinho estão sendo modernizadas, buscando uma eficiência cada vez maior e com custos significativamente mais baixos. 

A palavra de ordem é – quem não se adaptar às mudanças climáticas corre o risco de sair do mercado num futuro bem próximo. Que assim seja e que o vinho nosso de cada dia, seja lá de onde venha, continue presente em nossas mesas!