
“A cúpula climática COP 30 foi mergulhada no caos na quinta-feira, após um incêndio destruir um salão de conferências em Belém, no Brasil, forçando a evacuação do local.”
Com essa frase melancólica, o The Telegraph, um tradicional jornal da Grã-Bretanha, abriu uma extensa reportagem falando dos problemas enfrentados pelos participantes da COP 30, a reunião da cúpula climática da ONU – Organização das Nações Unidas, evento que foi vendido ao mundo como um “divisor de águas” para as questões do clima e das mudanças climáticas.
Imagens de grandes labaredas de fogo consumindo as paredes de lona de parte das instalações construídas especialmente para o evento e de centenas de autoridades dos países participantes, delegados, jornalistas e público em geral evacuando o local correram o mundo, aumentando o constrangimento da organização.
Desde o anúncio da escolha da cidade de Belém, no Estado do Pará, para sediar a cúpula climática, pessoas de bom senso e com algum conhecimento das precárias condições da infraestrutura da cidade amazônica começaram a levantar potenciais problemas.
Localizada na região da foz do rio Amazonas, Belém concentra uma população de 2,5 milhões de habitantes em sua Região Metropolitana, sendo 1,3 milhão o número de moradores da capital paraense, o que coloca a cidade na 14ª posição entre as maiores cidades do Brasil.
Os números grandiosos escondem problemas sociais dramáticos – de acordo com dados do Censo 2022, 55% dos moradores da cidade vivem nas chamadas “habitações subnormais”, o que trocado para a linguagem popular são as chamadas favelas. Aliás, Belém é a cidade mais “favelizada” do Brasil.
E os dados negativos não param por aí – Belém ocupa a 8ª pior posição no Ranking do Saneamento 2025 do Instituto Trata Brasil, estudo que avalia o saneamento básico nas 100 maiores cidades do país. Um dos destaques aqui é a coleta dos esgotos da população, serviço que atende apenas 19,3% das residências.
É claro que esses problemas socioambientais, por si só, não representariam nenhum impedimento para a realização da cúpula climática da ONU na cidade – o que vem sendo criticado há muito tempo foram as escolhas das obras preparatórias que seriam realizadas na cidade.
Ao invés de se usar o evento para alavancar todo um conjunto de obras para começar a resolver muitos dos grandes problemas, autoridades e organizadores optaram por fazer uma grande “maquiagem” numa região da área central da cidade ou, como dizemos aqui no meu bairro, fazer obras para “inglês ver”.
Uma das principais obras feitas para ficar como um legado da COP 30 na cidade foi o Parque da Cidade, um complexo de áreas verdes e de equipamentos culturais com área de 500 mil metros quadrados na região do Bairro da Sacramenta. A obra consumiu quase R$ 1 bilhão, sendo classificada como a maior obra urbana realizada em Belém nos últimos cem anos.
Moradores de grandes centros urbanos, onde eu me incluo, adoram áreas verdes e não se cansam de falar sobre sua importância para a qualidade de vida. Entretanto, questionamos a prioridade para um gasto dessa magnitude numa cidade com problemas sociais e ambientais crônicos.
Um detalhe dessa obra, que tratamos em uma postagem anterior, foi o uso de “árvores artificiais”, estruturas metálicas onde foram penduradas plantas arbustivas e trepadeiras de rápido crescimento. A desculpa para a inusitada criação – não haveria tempo hábil para o plantio e o crescimento de árvores, uma grande ironia para uma cidade localizada em meio a maior floresta equatorial do mundo, a Floresta Amazônica.
Falando nela, não podemos deixar de falar da polêmica avenida de pouco mais de 12 km que foi construída para facilitar a ligação entre o Aeroporto de Belém e o bairro onde estão as instalações da COP. A obra, de grande importância para a mobilidade da população da cidade, provocou a derrubada de milhares de árvores de um fragmento urbano da Floresta Amazônica. Ou seja, a organização derrubou árvores aos montes para facilitar o acesso a um evento criado para proteger a floresta da destruição.
Além desses problemas estruturais, os participantes do evento tiveram de enfrentar todo um rosário de provações: malha aérea problemática, falta e altos custos de locais de hospedagem, comida cara, sistemas de ar-condicionado subdimensionados, enchentes, goteiras, quedas de energia, invasão das instalações por manifestantes e indígenas, baixa adesão de líderes mundiais, entre muitos outros problemas.
Para contornar parte desses problemas, a organização locou dois grandes transatlânticos de cruzeiro para oferecer acomodações para os participantes, a um custo de módicos R$ 500 milhões. Também foi necessário dar um reforço na rede elétrica local para garantir o fornecimento de energia para o evento – foram instalados 150 geradores com motores a diesel. Dezenas de milhares de litros de combustíveis fósseis foram queimados para manter esses sistemas em operação durante a cúpula climática.
Estimativas falam de gastos da ordem de R$ 5 bilhões (provavelmente foi muito mais) para realizar um evento mal organizado, cheio de improvisos e que não deverá ajudar muito na salvação do planeta.
Para “fechar com chave de ouro” esse festival de vergonha alheia, artistas que foram contratados para realizar a deplorável “passeata dos bichos”, um dos eventos mais icônicos da conferência, realizaram um grande protesto na frente das instalações da COP 30. Sua reivindicação – cobrar o pagamento dos cachês artísticos combinados com a organização do evento.
Como brasileiro e estudioso da área ambiental, me sinto envergonhado por ter testemunhado esse festival de improvisos e desmandos num evento internacional de tamanha repercussão. Isso só reforça uma percepção supostamente e erroneamente atribuída a Charles de Gaule, ex-presidente da França, mas que faz muito sentido – “o Brasil não é um país sério”.









