AS GRANDES PLANTAÇÕES DE BETERRABA NO DESERTO DO EGITO 

Sempre que falamos ou pensamos do Egito é quase que automático que imagens das pirâmides ou do rio Nilo surjam em nossa mente. A civilização egípcia foi uma das mais importantes da história da humanidade e importantes obras e feitos desse povo estão sendo descobertos quase que diariamente. 

A agricultura foi a grande mola propulsora da riqueza do antigo Egito. As cheias anuais do rio Nilo cobriam amplas extensões de suas margens com um húmus de altíssima fertilidade, permitindo a produção de grandes quantidades de alimentos para a sua população e também para a comercialização com nações vizinhas. 

O Egito ocupa uma área total de pouco mais de 1 milhão de km2, porém, a maior parte desse território é formado por solos desérticos e áridos. O país possui uma população de aproximadamente 90 milhões de pessoas, sendo que 99% desse total vive em uma área equivalente a 5,5% do território do país às margens e na região do Delta do rio Nilo. 

Essa extrema dependência do país e de sua grande população das águas do rio Nilo está começando a mudar. Uma área equivalente a 50 mil hectares de deserto na província de Minya, no Sul do Egito, está sendo transformada em terras agrícolas. Os antigos solos áridos agora abrigam gigantescas plantações de beterrabas sacarinas, além de trigo, milho e grão de bico. 

O projeto está sendo desenvolvido desde 2018, pela Canal Sugar Company, uma sociedade anônima egípcia com capital majoritário dos Emirados Árabes Unidos que foi criada com o objetivo de criar uma das maiores empresas produtoras de açúcar de beterraba do mundo e a maior do Egito e de todo o Oriente Médio. 

A sede do empreendimento fica a cerca de 300 km ao Sul do Cairo, a capital do Egito, com uma estimativa total de investimentos da ordem de US$ 1 bilhão. Cerca de 50 mil trabalhadores deverão ser empregados nas plantações e outros 1.500 na fábrica e nos serviços de armazenamento e transporte do açúcar e de outros produtos.

De acordo com informações da Canal Sugar Company, o consumo anual de açúcar no Egito é de 3,4 milhões de toneladas enquanto a produção chega a apenas 1,1 milhão de toneladas. A meta da empresa é suprir essa lacuna entre a produção e o consumo, tornando o país autossuficiente em açúcar.

A escolha do local para a implantação do empreendimento foi antecedida de detalhados estudos geológicos do solo, onde se identificou a existência de grandes reservatórios subterrâneos de água. Uma empresa chinesa especializada na exploração de petróleo e gás foi contratada para realizar a perfuração de poços de grande profundidade. Estão previstos de 330 a 350 poços em todo o empreendimento. 

A fábrica de açúcar iniciou suas operações de forma experimental em maio de 2022, com uma capacidade de produção de 900 mil toneladas/ano. Nessa fase, a fábrica passou a receber um volume equivalente a 2 mil toneladas de beterrabas ao dia. Conforme o ritmo de produção foi aumentando, a unidade passou a processar 18 mil toneladas de beterrabas por dia. 

Além de açúcar branco para consumo no mercado interno do Egito, a fábrica tem capacidade para produzir cerca de 216 mil toneladas de polpa de beterraba e 240 mil toneladas de melaço, produtos voltados para o mercado internacional. A meta é atingir capacidade de produção máxima até 2025. 

O pico de produção de beterrabas no Egito começa no início de março e vai até meados de julho, época do verão no Hemisfério Norte. Para permitir o armazenamento do açúcar e dos demais produtos processados, o projeto incluiu a construção de um silo com capacidade para armazenar cerca de 417 mil toneladas. 

A beterraba-sacarina (Beta vulgaris L.) tem a polpa branca/amarelada e é prima da beterraba comum de polpa roxa que nós plantamos aqui no Brasil. Essa planta possui uma elevada concentração de sacarose, sendo muito cultivada em países de clima temperado para a produção de açúcar e de etanol. 

Além de preencher uma importante lacuna no mercado interno do açúcar no Egito, esse projeto abre novas perspectivas para a produção agrícola no país. O Egito é extremamente dependente das águas do rio Nilo, um recurso que vem sendo cada vez mais ameaçado pela exploração dos demais países que formam a bacia hidrográfica. 

Além de Egito e Sudão, países com longa história e tradição cultural, a bacia hidrográfica do rio Nilo também inclui Etiópia, Uganda, Tanzânia, Quênia, República Democrática do Congo, Burundi e Ruanda. Esses países sempre foram colocados num segundo plano em questões ligadas ao Nilo, especialmente devido ao histórico colonial da África. 

Entre 1882 e 1952, o Egito esteve sob a administração colonial do Império Britânico, domínio esse que se estendia rumo ao Sul e incorporava grande parte da região, incluindo o Sudão Anglo-Egípcio, Uganda e África Oriental Britânica – no meio dessa grande região, existia um enclave independente, o Reino da Abissínia (atual Etiópia), e colônias da Bélgica.  

Entre os países que formam a atual bacia hidrográfica do rio Nilo – Egito, Sudão, Uganda, Tanzânia e Quênia, foram formados a partir do desmantelamento dessa estrutura colonial britânica. A República Democrática do Congo, Ruanda e Burundi, são ex-colônias belgas. 

A fim de atender aos seus próprios interesses, o Governo Britânico criou um “tratado” para a divisão das águas do rio Nilo, onde 80% do recurso ficava reservado para o Egito e o Sudão. Além do uso pleno das águas do rio, esses países passaram a ter o direito de vetar quaisquer projetos de aproveitamento hidráulico a montante da bacia hidrográfica que, eventualmente, pudessem contrariar seus interesses.  

Esse “tratado” foi reconfirmado em 1959 e os demais países foram obrigados a se conformar com os 20% restantes das águas do rio Nilo. Não houve qualquer critério geográfico, tanto em aspectos físicos quanto humanos, que justificasse esses percentuais – a partilha das águas seguiu exclusivamente interesses políticos e econômicos dos ingleses. 

De alguns anos para cá, entretanto, os países com participação minoritária no acordo de partilha das águas do rio Nilo passaram a se rebelar e estão construindo barragens de hidrelétricas e sistemas de irrigação para o aproveitamento dessas águas sem dar satisfações para o Egito e o Sudão. Muitos analistas geopolíticos enxergam enormes riscos de um conflito militar entre esses países numa disputa pelas águas do rio Nilo. 

Dentro desse contexto explosivo, desenvolver novas formas de cultivo agrícola em áreas que não dependam das águas do rio Nilo é algo bastante “saudável” para os egípcios. 

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IMPERIAL VALLEY: UM SINÔNIMO DE DESPERDÍCIO DE ÁGUA NA AGRICULTURA 

Na última postagem falamos brevemente da alta eficiência dos agricultores de Israel, que conseguem produzir grandes volumes de alimentos gastando pouca água e com baixas perdas no transporte das cargas até os consumidores finais. 

Sempre que as práticas agrícolas do pequeno país do Oriente Médio são citadas aqui no blog é inevitável não lembrar de uma região que trabalha de forma totalmente diferente na sua produção agrícola – o Imperial Valley no Sul da Califórnia nos Estados Unidos

O Imperial Valley é um trecho do Deserto de Sonora, uma extensa região na divisa do Estado da Califórnia com o México. Como todo deserto, o Imperial Valley tem uma precipitação pluviométrica bastante baixa – 76 mm por ano, o que, em tese, criaria enormes dificuldades para a produção agrícola. 

Essa região ficou muito conhecida em meados do século XIX, quando milhares de pioneiros atravessarem o Deserto de Sonora rumo a Califórnia. Falando um pouco sobre a história dos Estados Unidos – entre 1848 e 1852 houve a chamada “Corrida do Ouro na Califórnia”, quando foram descobertas as minas de Sutter’s Mill (uma espécie de Serra Pelada californiana), o que atraiu mais de 300 mil pessoas para o Estado. 

Durante as penosas caravanas através do deserto, esses aventureiros observaram que, apesar de muito áridas, as terras do Imperial Valley eram extremamente férteis. Os solos da região foram formados a partir de sedimentos carreados por antigas cheias do rio Colorado. Para transformar esse grande vale em um celeiro agrícola bastava levar água até lá, algo que foi realizado na virada do século XIX para o XX. 

Em 1901, o Governo dos Estados Unidos inaugurou o Canal do Rio Álamo, uma obra que passou a permitir o transporte de água a partir do rio Colorado utilizando um antigo leito de um rio seco. Em 1942, esse canal seria substituído por outro de maior capacidade – o All-American

Com a chegada da água e a construção de uma complexa rede de canais de irrigação a partir dos primeiros anos da década de 1900, o antigo deserto foi transformado em milhares de hectares de terras cultiváveis, criando uma das regiões agrícolas mais produtivas dos Estados Unidos. 

No total, o Imperial Valley passou a contar com mais de 2.300 quilômetros de canais de irrigação e 1.800 quilômetros de tubulações para o transporte de água. Esse sistema passou a distribuir um volume de água correspondente a 83% da cota de água do Rio Colorado a que tem direito o Estado da Califórnia (os Estados da bacia hidrográfica do rio Colorado possuem cotas de consumo de água).  

Com fartura de água, terras férteis e muito sol, a região acabou transformada na principal fornecedora de frutas e de vegetais de inverno dos Estados Unidos, produzindo duas colheitas a cada ano, feito raro em um país de clima temperado. A região também é grande produtora de alfafa, vegetal utilizado na alimentação do gado, especialmente nos meses de inverno quando as pastagens naturais ficam cobertas por grossas camadas de neve ou secam. 

O sucesso agrícola do Imperial Valley, entretanto, teve um alto custo ambiental – um uso cada vez mais abusivo de água. A intensa utilização de água na irrigação das terras do Imperial Valley, especialmente através do dispendioso processo de inundação de valas, criou um “subproduto” inesperado já nos primeiros anos do século XX – a percolação dos excedentes de água na direção de uma depressão ao Norte levou à formação do Lago Salton, transformado em uma atração turística no meio do deserto.  

Apesar de toda a beleza cênica, a água formadora do Lago Salton sempre apresentou altos níveis de contaminação por agrotóxicos e fertilizantes utilizados nas plantações, formando uma grossa camada tóxica no fundo de areia. Durante décadas, a lâmina de água do lago manteve estes resíduos tóxicos longe da população. Com a redução do consumo de água na agricultura, esse lago teve seu volume reduzido e essas areias tóxicas passaram a prejudicar a saúde da população local.

Durante todo o século XX, o Imperial Valley foi sinônimo de produção farta e o alto lucro no meio de um deserto – enquanto as águas desviadas do Rio Colorado escorriam em abundância através dos canais e tubulações dos sistemas de irrigação, a terra respondia com colheitas crescentes. A partir do ano 2000, todo o Sudoeste dos Estados Unidos passou a enfrentar uma severa seca que, de acordo com especialistas, foi a maior seca na região em 1.200 anos e a Califórnia seria o Estado que mais sofreria as consequências entre os anos de 2010 e 2014. 

A forte seca regional começou a afetar os rios formadores dos reservatórios de armazenamento de água de todo o sul do Estado da Califórnia, reduzindo fortemente a oferta de água pelos sistemas produtores e, consequentemente, a disponibilidade de água para abastecimento de cidades importantes como Los Angeles, San Diego e San Bernardino. A partir de 2010, quando a seca atingiu seu auge, grandes cidades do Sul da Califórnia foram obrigadas a impor uma redução compulsória de 25% no consumo de água das famílias, medida inédita na história americana. 

Sem fontes de abastecimento alternativas, estas grandes cidades voltaram sua atenção para as águas do Rio Colorado, que desde muito tempo já chegavam ao Sul da Califórnia através de sistemas de transposição e alimentavam parte dos sistemas de abastecimento e distribuição. Porém, entre o Rio Colorado e as cidades havia o Imperial Valley e seus organizados agricultores, que já estavam tendo seus próprios problemas com a redução dos volumes de água disponíveis e que não estavam dispostos a ceder nem mais um mísero litro de água para o abastecimento das cidades. 

A cidade de San Diego, por exemplo, conseguiu chegar num acordo com os produtores, financiando investimentos em novas tecnologias de irrigação mais eficientes como o micro gotejamento. A contrapartida negociada previa que toda a água economizada nos sistemas financiados pela cidade de San Diego seria revertida para o uso pela população da cidade.  

Como metade da irrigação usada nos campos utilizava o sistema de inundação de valas, volumes substanciais de água puderam ser revertidos para San Diego, apesar dos inúmeros protestos de agricultores que achavam que a cidade deveria pagar um valor adicional pelo uso das águas. Los Angeles e San Bernardino fizeram acordos emergenciais próprios com os agricultores. 

Nos últimos anos os agricultores do Imperial Valley foram obrigados a produzir gastando menos água. Mesmo assim, os gastos locais estão muito acima daqueles obtidos pelos agricultores de Israel, um sinal claro de baixa eficiência e produtividade dos yankees. Ainda dá para melhorar muito! 

A AGROPOECUÁRIA DE ALTA PRODUTIVIDADE E DE BAIXAS PERDAS DE ISRAEL 

Em nossa última postagem falamos do grande desperdício de alimentos que ocorre diariamente em nosso mundo, especialmente pelos norte-americanos, os grandes esbanjadores de comida. Cerca de 40% de todos os alimentos comprados país acabam indo parar no lixo. 

Aqui no Brasil também desperdiçamos um bocado de alimentos – de acordo com a FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, o Brasil perde um volume próximo a 27 milhões de toneladas de alimentos por ano ou cerca de 10% da produção total. No mundo, essas perdas chegam a 931 milhões de toneladas por ano. 

Um dos maiores problemas brasileiros nessa área são as deficiências na embalagem de muitos alimentos frescos – especialmente frutas, legumes e verduras, além das dificuldades na logística de transporte. Parte considerável de muitas cargas desses produtos chegam, literalmente, despedaçadas nas centrais de distribuição. 

Para mostrar como é possível reverter essas perdas e ainda ganhar um bocado de dinheiro com a venda desses alimentos, gostaria de falar hoje de um pequeno país do Oriente Médio com área menor que o nosso Estado de Sergipe – Israel. Além do mesmo tamanho, Israel compartilha com Sergipe um clima bastante árido – aliás, lá é bem mais árido que o nosso sertão nordestino. 

O Estado de Israel ocupa uma área de 22 mil km², incluindo-se algumas áreas em litígio A população israelense é de pouco mais de 9 milhões de habitantes, equivalente à soma das populações das cidades de Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Para completar o quadro, o território de Israel é formado por terrenos difíceis para as atividades agrícolas: 60% do território fica dentro de regiões semiáridas e desérticas – metade da área restante é formada por solos rochosos.   

Apesar desses “pequenos problemas”, os israelenses conseguem atingir índices de produtividade impressionantes. Alguns exemplos na área de produção de frutas por hectare cultivado: 50 toneladas de maçãs, 65 toneladas de banana, 30 a 35 toneladas de pêssegos, citros e peras, além de 18 a 25 toneladas de frutas como uvas, abacates e tâmaras. 

Conforme já tratamos em postagens anteriores, os segredos de Israel estão na altíssima tecnologia dos sistemas de irrigação e num gerenciamento extremamente racional dos escassos recursos hídricos do país. 

No Norte de Israel, que poderia ser chamada de a região mais úmida do país, a precipitação média anual é de 700 mm. Para efeito de comparação, o nosso complicado Semiárido Nordestino tem uma precipitação média de 750 mm. Nos desertos do Sul, essa precipitação cai para apenas 50 mm ao ano.   

A principal fonte de água da região é o famoso rio Jordão, tão citado na Bíblia cristã. Com pouco mais de 200 km de extensão, o rio Jordão tem suas principais nascentes na região do Monte Hérmon ao Norte, mais conhecido como Colinas de Golã e que foi tomada da Síria por Israel após a Guerra dos Seis Dias em 1967.  

O rio Jordão também recebe contribuições de pequenos rios com nascentes no Líbano como o Dã e o Hasbani. As dimensões do rio Jordão lembram mais os córregos e ribeirões que encontramos por todo o Brasil – a largura média é de 18,3 metros, a profundidade máxima é de 5,2 metros e a vazão média é de apenas 16 m³/s.   

Conseguir praticar agricultura num país com solos tão inóspitos e ainda por cima com uma disponibilidade tão baixa de água já seria uma espécie de milagre digno de um grande destaque na bíblia. Mas os israelenses se superaram – o setor agropecuário representa 2,5% do PIB – Produto Interno Bruto, de Israel e 3,6% das exportações, respondendo por 95% do consumo interno de produtos naturais do país. 

As áreas irrigadas em território israelense, incluindo áreas de deserto, possibilitam a produção de uma infinidade de culturas, com destaque para: cereais como o sorgo, trigo e milho; mais de quarenta tipos de frutas com destaque para o abacaxi, melão, tâmaras, tangerina, maçã, pera, morangos, caqui, nectarina, romã, cereja, laranja, limão, kiwi, goiaba, abacate, banana e manga. Também entram na lista frutos e legumes como o tomate, pepino, pimentão e abobrinha; diversas espécies de uvas, o que tem impulsionado o crescimento da indústria vinícola no país.  

Outra área com intenso crescimento e exportações é produção de flores. Na área de produtos de origem animal, o leite é destaque, com espécies locais de vacas com produtividade superior às congêneres holandesas, consideradas grandes produtoras. Os maiores importadores de produtos agropecuários de Israel são os países da Comunidade Europeia. 

Exportar cereais secos, uma grande especialidade de nós brasileiros é fácil. Os grãos podem ser ensacados e empilhados em qualquer caminhão com condições de rodar até um terminal de cargas ou porto mais próximos. Em muitos casos, nem é preciso ensacar os grãos – basta despejar a carga numa caçamba fechada e pegar a estrada. 

A coisa muda completamente de figura quando falamos de frutas delicadas como morangos, peras, caquis, nectarinas e cerejas. Essas frutas vão exigir um cuidado extremo na manipulação, além de necessitar de embalagens de excelente qualidade. Em muitos casos, cada fruta precisa receber um dispositivo individual de proteção antes de ser colocada numa caixa. 

É justamente aqui onde nós brasileiros perdemos de goleada dos fazendeiros de Israel. 

As dificuldades de produção enfrentadas pelos produtores do país transformam cada fruta, verdura ou legume num verdadeiro troféu, um prêmio que vai merecer um enorme cuidado até que chegue nas mãos dos consumidores em terras distantes em perfeitas condições de consumo. 

É possível fazer com que todas as frutas e outros produtos agrícolas cheguem com 0% de perdas no consumidor final? É claro que não. 

Mas a prática tem mostrado que, com extremo zelo na manipulação, com embalagens de qualidade e com uma logística de transporte das mais eficientes, é possível exportar frutas e outros alimentos frescos com baixíssimos níveis de perdas, algo que faz parte do cotidiano dos produtores agrícolas de Israel. 

Todo o restante do mundo – especialmente nós brasileiros, temos muito a aprender com os agricultores de Israel. Esse aprendizado vai do consumo extremamente racional dos recursos hídricos e do melhor uso do solo, até o baixo desperdício daquilo que foi produzido nos campos. 

NORTE-AMERICANOS JOGAM 40% DOS ALIMENTOS QUE COMPRAM NO LIXO

Em tempos de escassez de alimentos e de grandes preocupações em todo o mundo, os norte-americanos são os campeões mundiais no desperdício per capita de alimentos – cerca de 40% dos alimentos comprados acabam sendo jogados no lixo

Paradoxalmente, 10% da população dos Estados Unidos ou cerca de 35 milhões de pessoas sofrem com a insegurança alimentar, um problema que cresceu bastante após a pandemia da Covid-19. De acordo com o USDA – Secretária de Agricultura dos Estados Unidos, esse número está ligeiramente mais baixo do que foi apurado entre 2019 e 2020. 

Para o Feeding América, a maior organização dedicada ao combate à fome dos Estados Unidos, esses números são muito otimistas – a organização afirma que 54 milhões de norte-americanos, ou 1 em cada 6 pessoas, está sofrendo com a insegurança alimentar no país. 

Entre os problemas o mais comum é o hábito local de colocar mais comida no prato do que o necessário para o tamanho da fome. De acordo com o livro “Os números não mentem”, de Vaclav Smil, que utilizou dados da USDA, um americano médio se serve de 3.600 calorias/dia no prato, mas só consome o equivalente a 2.100 calorias/dia. 

A comida que sobra no prato é simplesmente jogada no lixo. Esse desperdício de comida, para que todos tenham uma ideia do volume, seria suficiente para alimentar mais de 200 milhões de pessoas, ou, simplesmente, toda a população do Brasil. 

Segundo a FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, 2,5 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçadas todos os dias no mundo. Falamos aqui de 931 milhões de toneladas por ano ou mais de três vezes a safra total de alimentos do Brasil em 2022.  

Recentemente, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Lei de Melhoria da Doação de Alimentos, projeto que já foi sancionado pelo Presidente Joe Biden. Essa nova legislação foi criada para facilitar a doção de alimentos por empresas e organizações. 

Até agora, todas as doações de alimentos só podiam ser feitas através de organizações assistenciais especializadas. Uma escola ou um restaurante, citando exemplos, não poderiam doar qualquer excedente de alimentos diretamente para pessoas ou famílias em situação de insegurança alimentar. 

Caso não existisse uma organização assistencial próxima que recebesse esse excedente de alimentos da escola ou do restaurante e que se encarregasse de repassá-los para os necessitados, esses alimentos seriam jogados diretamente numa lata de lixo, simplesmente pelo receio de desrespeitar a antiga lei. 

Fazendas, supermercados, fabricas de alimentos, cafeterias ou qualquer outra organização que produz qualquer tipo de alimentos, ficava sujeita a mesma limitação. A partir de agora, todas essas empresas poderão criar seus próprios mecanismos para distribuir todos esses excedentes diretamente a quem mais precisa. 

Como todos nós estamos cansados de saber, uma simples legislação não tem o poder de resolver um problema tão grande e complexo num país com as dimensões dos Estados Unidos. Será preciso um grande engajamento de empresários, políticos, catedráticos, líderes religiosos, entre outros. 

Nessa área, nós brasileiros também precisamos fazer o nosso dever de casa. Segundo levantamento da FAO, o Brasil desperdiça um volume próximo a 27 milhões de toneladas de alimentos por ano ou cerca de 10% da produção total. 

Diferentemente do desperdício dos norte-americanos, a maior parte de nossas perdas se dá no transporte e na manipulação nas centrais de abastecimento. Qualquer pessoa que visitar um “fim de feira” aqui no país vai ficar chocado com o volume de alimentos que vão diretamente para o lixo. 

Um exemplo que sempre chama a minha atenção são verduras com alface, rúcula, agrião e almeirão, muito populares aqui nas feiras do país. Essas verduras saem das chácaras e sítios em caixotes de madeira. Assim que chegam nas feiras, uma das primeiras ações do vendedor é retirar as folhas quebradas e machucadas antes de expor os alimentos nas bancas. 

As unidades que ficaram no fundo desses caixotes normalmente chegam tão destruídas até as feiras que nem vale a pena perder tempo retirando as folhas estragadas – o produto vai diretamente para o lixo. 

O mesmo acontece com frutas e legumes – grande parte dos produtos se perdem pela falta de uma embalagem adequada. Aliás, nosso país deixa de exportar milhares de toneladas de frutas todos os anos simplesmente por não ter tradição em embalar adequadamente esses produtos nos locais de produção. 

Não custa lembrar que a agricultura é a maior consumidora de água em qualquer lugar do mundo – em média, algo em torno de 70% dos recursos hídricos de uma região vaão para as atividades agrícolas. Além de água, há gastos com fertilizantes, defensivos agrícolas, mão de obra, transportes, entre outros. 

Ou seja – a perda é muito maior que o volume de alimentos que vai acabar sendo jogado no lixo. Em um planeta com 8 bilhões de bocas para alimentar e com mudanças climáticas criando problemas por todos os lados, já passou da hora de reduzir essas perdas injustificadas de tanta comida. 

ESCASSEZ DE FRUTAS, LEGUMES E VERDURAS NOS SUPERMERCADOS DA INGLATERRA 

As seções de frutas, legumes e de verduras dos supermercados da Inglaterra estão com diversas prateleiras e gondolas vazias já há algum tempo. Algumas redes de lojas, inclusive, estão impondo cotas de compras para os clientes

As razões para essa falta de produtos são várias, indo desde problemas climáticos até a desastrada política de restrição à circulação de pessoas durante a pandemia da Covid-19.  As autoridades afirmam que a crise é temporária e que dentro de poucas semanas as coisas voltarão ao normal.

Uma das causas do problema é o inverno europeu, quando um volume considerável de alimentos frescos precisa ser importado de outros países. Esse é o caso do tomate – entre 90% e 95% do volume consumido durante o inverno é importado. O Brexit, a saída do Reino Unido do Bloco Europeu em janeiro de 2020, criou uma série de dificuldades para as importações desses alimentos. 

Entre os alimentos mais escassos destacam-se tomates, pepinos, alfaces, brócolis, couve-flor e framboesas. Diferente de muitos países onde as pessoas não conseguem comprar os alimentos por falta de dinheiro, os ingleses dispões de recursos financeiros adequados, porém, não encontram alimentos a sua disposição. 

A Ministra do Meio Ambiente da Inglaterra, Thérèse Coffey, sugeriu que os britânicos comessem nabos ao invés de verduras e legumes. A “brilhante” sugestão faz lembrar a célebre frase atribuída a rainha Maria Antonieta aos franceses que clamavam pela falta de pão – “que comam brioches”. 

O clima do Reino Unido sempre foi bastante inóspito para a produção de plantas mais delicadas como verduras e algumas frutas. Há muito tempo que os agricultores das ilhas britânicas se valem de estufas para esses tipos de cultivo, uma alternativa que vem se tornando cada vez mais cara devido ao aumento da população. 

Outro grave problema das fazendas é a falta crônica de mão de obra. Assim como acontece em outros países considerados ricos, atividades manuais e/ou braçais de qualquer espécie são consideradas ultrajantes para os cidadãos nativos. Esses trabalhos, há muito tempo, vêm sendo delegados para imigrantes pobres vindos de países do Terceiro Mundo. 

No Reino Unido, até pouco tempo atrás, esses trabalhos ficavam por conta de imigrantes do Leste Europeu, especialmente poloneses, búlgaros, georgianos, entre outros povos dessa região pobre da Europa. As regras das União Europeia permitiam a livre circulação desses trabalhadores entre os países do bloco. 

Com a aprovação do Brexit e a saída do Reino Unido do bloco, essa regra deixaria de valer em 31 de janeiro de 2020, o que levou centenas de milhares desses trabalhadores a sair das fronteiras britânicas temendo represálias. 

O que os britânicos nem imaginavam é que o Brexit coincidiria com o início da epidemia da Covid-19. Como forma de contenção da doença, os países passaram a adotar a política de restrição de livre circulação de pessoas. Essa foi a gota d’água para muitos imigrantes que ainda persistiram em ficar no Reino Unido. 

Sem poder sair para trabalhar, esses trabalhadores foram forçados a voltar para seus países de origem – se é para ficar preso dentro de casa sem poder sair na rua, melhor fazer isso junto com seus familiares em suas cidades de origem. 

Notícias do final desse mesmo ano de 2020, já falavam da falta de muitos produtos nos supermercados do Reino Unido. Uma dessas notícias afirmava que estavam faltando motoristas de caminhões para fazer o transporte das mercadorias dos depósitos até as lojas – o país havia perdido 120 mil motoristas àquela altura.

O Brexit também mudou toda a logística para o transporte de produtos entre a Europa continental e o Reino Unido. Enquanto o país fazia parte da União Europeia, cargas de produtos circulavam livremente sem depender de controles alfandegários. Quando o Reino Unido deixou a UE, todos os transportes de produtos passaram a ser controlados e regulamentados por regras alfandegárias. 

Agora, um caminhão com frutas e legumes produzidos no Norte da França ou nos Países Baixos, regiões bem próximas das Ilhas Britânicas e que poderiam chegar aos supermercados em poucas horas, dependem de uma pilha de formulários e de autorizações para deixar o território da União Europeia e desembarcar na Inglaterra. Esses processos podem levar vários dias ou até mesmo semanas. 

Alimentos frescos, como todos sabem, precisam ser consumidos pouco tempo depois de serem colhidos, sob risco de perderem a qualidade ou até mesmo estragarem. As novas regras de circulação de mercadorias estão resultando em grandes perdas de produtos durante esse transporte, o que está reduzindo o volume vendido nos supermercados ingleses, o que também está resultando em preços mais altos. 

Por fim, e não menos importante, as Ilhas Britânicas estão sofrendo mudanças bastante visíveis no seu clima. As chuvas praticamente diárias que caiam sobre o Sul da Inglaterra já não são tão frequentes e as ondas de calor nos meses do verão tem levado os termômetros a superar a barreira dos 40º C

Práticas e técnicas agrícolas ancestrais que vinham sendo utilizadas há incontáveis gerações de agricultores das ilhas britânicas já não se mostram mais produtivas como no passado. As mudanças no clima e a escassez de água também estão dificultando a produção de diversas espécies de alimentos. 

Quando se juntam esses problemas ambientais com a falta de mão de obra e também com as dificuldades de importação, temos como resultado prateleiras de supermercados vazias e consumidores desesperados por não encontrar os alimentos que precisam levar para suas casas. 

A Irlanda está enfrentando problemas muito semelhantes a esse e vários países da União Europeia logo também começarão a viver essa nova realidade em suas feiras e supermercados. 

Esses são os novos e preocupantes tempos em que estamos vivendo, onde é mais fácil comprar um telefone celular do que um simples e trivial pé de alface…

E A SECA NO CHIFRE DA ÁFRICA PERSISTE

As populações da região conhecida como Chifre da África continuam em uma situação desesperadora. De acordo com informações da ACNUR – Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados, a região entrou na sexta temporada com chuvas bem abaixo da média. 

Segundo a ACNUR, a região convive atualmente com 3,3 milhões de refugiados e deslocados internos, populações que foram obrigadas a abandonar suas casas e terras ancestrais em busca de condições mínimas para a sobrevivência. 

O Chifre da África, também conhecido como Nordeste Africano e Península Somali é uma região com cerca de 1,88 milhão de km² no nordeste do continente africano, onde se incluem territórios da Somália, Etiópia, Eritréia e Djibuti. Essa é uma região de transição entre o clima árido do Deserto do Saara e das savanas, que também inclui uma faixa no norte do Quénia.  

Desde o início da década de 1980, a região vem enfrentando sucessivas secas – a crise atual é a maior dos últimos 40 anos. Segundo informações do PMA – Programa Mundial de Alimentos, e do UNICEF – Fundos das Nações Unidas para a Infância, mais de 13 milhões de pessoas estão tendo dificuldade de acesso aos alimentos na Somália, na Etiópia e no Quênia.  

Mudanças nos padrões climáticos do Oceano Índico, ligadas diretamente ao aquecimento global, são apontadas como uma das principais responsáveis pela redução dos volumes de chuvas no Leste e no Sul da África. Além de castigar a região do Chifre da África, a seca também está afetando países como Angola, Lesoto, Madagascar, Malauí, Namíbia, Moçambique, Zâmbia, Zimbábue e África do Sul.   

O Chifre da África ocupa uma área total pouco maior que a do Nordeste brasileiro, porém, com uma população várias vezes maior. No total, são cerca de 119 milhões de habitantes, sendo a maior concentração na Etiópia, onde vivem mais de 94 milhões de pessoas. Se incluirmos nessa conta a população que vive no Norte do Quênia, onde a seca também está sendo devastadora, a crise humanitária afeta mais de 130 milhões de pessoas. 

Em tempos de grandes preocupações com a produção e os estoques de alimentos em todo o mundo, essa crise se soma aos já inúmeros problemas. A exceção de algumas regiões da Etiópia, onde a prática da agricultura irrigada ganhou alguma importância após a construção de represas na calha do rio Nilo (construções bastante polêmicas, aliás), toda a produção agropecuária do Chifre da África é de subsistência. 

Numa “contabilidade global” de produção de alimentos, a região praticamente não produz excedentes para exportação – tudo o que era produzido ali era consumido pela própria população. Com a seca persistente e o colapso da produção agrícola e pecuária, bastante importante, a região se transformou num potencial importador de alimentos – a palavra potencial foi usada porque tratamos aqui de países pobres e sem recursos para pagar por essas importações.  

De acordo com um resumo da situação, feito pela porta-voz da ACNUR Olga Sarrado Mur, já existem mais de 1,7 milhão de deslocados internos apenas na Etiópia e na Somália. Mais de 180 mil refugiados da Somália e do Sudão do Sul, país vizinho ao Chifre da África, também foram deslocados. 

Somente nas últimas semanas, mais de 100 mil pessoas chegaram na região de Doolo, uma remota área somali da Etiópia, fugindo da seca em outras regiões e de conflitos militares na região de Laascaaanood, na Somália. 

Além da crise humanitária ligada diretamente à seca, esse deslocamento maciço de populações acaba amplificando conflitos interreligiosos entre as populações. O Chifre da África é uma área de transição religiosa entre as populações muçulmanas do Norte da África e cristãs do Sul. 

A religiosidade se manifesta em diferentes costumes sociais, de alimentação e de até na forma de se vestir. Essas diferenças, em muitos casos, desembocam diretamente na intolerância. Numa disputa ferrenha por itens básicos como água e alimentos, os sentimentos interreligiosos costumam aflorar violentamente. 

A ACNUR também denúncia inúmeros problemas ligados a maus tratos a crianças, e especialmente, a mulheres, dois dos grupos mais indefesos de qualquer sociedade. 

Como se não bastassem todos esses problemas, existem enormes disputas históricas entre os diferentes grupos tribais das diferentes regiões dos países, mesmo entre aqueles que professam a mesma fé. É intolerável para um grupo assistir suas terras sendo invadidas por uma tribo rival, que além de populações humanas, também traz os seus rebanhos animais para disputar os já parcos recursos naturais. 

A disputa desesperada por alimentos, pastagens e fontes de água, não raras vezes, acaba levando a conflitos armados entre os diferentes grupos. Isso tem criado verdadeiros bolsões de guerra em meio à desolação criada pela forte estiagem. 

Com chuvas abaixo da média em mais uma “estação chuvosa”, as perspectivas de mais um ano de seca em todo o Chifre da África tornam o cenário cada vez mais sombrio. Como o foco de europeus e norte-americanos parece estar totalmente voltado para o conflito na Ucrânia, as mazelas desses africanos acabam sendo jogadas para um plano bastante secundário. 

São vidas humanas que não importam para as populações dos países mais ricos… 

A GRANDE SECA NA PAMPA E NOS PAMPAS

Os Pampas ou Campos Sulinos formam o segundo menor bioma do Brasil, só sendo maior que o Pantanal Mato-Grossense. O bioma se concentra no Estado do Rio Grande do Sul e ocupa uma área equivalente a 2% do território brasileiro. Os Pampas se estendem além das nossas fronteiras e ocupam importantes áreas no Uruguai e na Argentina, países onde é conhecido como La Pampa

Dentro do Brasil, os Pampas ocupam uma área total de pouco mais de 176 mil km². No total, o bioma ocupa uma área total de 750 mil km², ocupando praticamente todo o território do Uruguai e as províncias argentinas de Buenos Aires, La Pampa, Santa Fé, Córdoba, Entre Rios e Corrientes

De uma forma geral, os Pampas se caracterizam por terras onduladas com cerros, pequenas elevações em forma de tabuleiro. Normalmente, esses terrenos são bem servidos de chuvas, onde crescem gramíneas e arbustos de diferentes espécies intercaladas por pequenos bosques e capões esparsos. Costumam abrigar numerosos riachos e pequenos rios, mais conhecidos como arroios, além de formar pequenas lagoas entre os cerros no período das chuvas. 

Em tempos geológicos distantes, toda a região hoje ocupada pela Pampa/Pampas era um grande deserto de areias – esse deserto se entendia por grande parte das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil. Após o início do longo processo de fragmentação do antigo Supercontinente de Gondwana, teve início um período de intensa atividade vulcânica nessa região, conhecido como Derrame de Trapp.  

Durante esse evento, enormes volumes de lava vulcânica foram derramados sobre esse solo de areias, formando uma grossa camada de rochas graníticas. Uma das consequências desse processo foi a formação do Aquífero Guarani, um dos maiores reservatórios subterrâneos de água doce do mundo.  

Processos erosivos ao longo de milhões de anos cobriram essa camada de rochas graníticas com camadas de solos altamente arenosos e também com uma fina camada de solo fértil. Apesar de muito frágeis e suscetíveis a processos erosivos, os solos desse bioma são extremamente férteis para a produção agrícola e altamente produtivos para a agropecuária. 

Na Argentina, em particular, os solos da Pampa ocupam cerca de 25% do território e concentram a maior parte da produção de grãos do país. Foi graças a alta produtividade desse bioma, especialmente do trigo, que o país entrou no século XX como uma das nações mais ricas do mundo, condição que ela manteve até o final de década de 1920. 

Todo o bioma está sofrendo com uma intensa estiagem já há três anos. No Rio Grande do Sul já são 334 municípios atingidos pela seca, grande parte deles dentro dos domínios dos Pampas. De acordo com informações da FAMURS – Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul, os impactos econômicos poderão chegar aos R$ 100 bilhões. 

Segundo a FAMURS, para cada R$ 1,00 que deixa de ser gerado pela produção agropecuária, R$ 3,00 são perdidos pela economia do Estado do Rio Grande do Sul. Isso nos dá uma ideia dos impactos da estiagem para os gaúchos. 

Pela extrema importância da Pampa para a Argentina, a situação econômica por lá é bem mais desesperadora, lembrando aqui que os porteños convivem há vários anos com uma enorme crise econômica e com uma inflação galopante. 

A Bolsa de Cerais de Buenos Aires divulgou a poucos dias atrás uma nova projeção da safra agrícola 2022/2023, com números ainda mais desanimadores. A safra foi estimada em 33,5 milhões de toneladas, cerca de 4,5 milhões de toneladas a menos que a estimativa anterior. 

A região central da Argentina, considerada o grande celeiro agrícola do país, já perdeu metade da produção de soja nesta safra. A expectativa inicial era a de se atingir uma produção de 19,7 milhões de toneladas de soja, mas as projeções atuais já falam de pouco mais de 10 milhões de toneladas – a situação, entretanto, não para de piorar. 

De acordo com a FAA – Federação Agrícola Argentina, esta será a pior safra dos últimos 14 anos, uma péssima notícia para um país que precisa gerar, desesperadamente, recursos em moeda forte. Além das mazelas ligadas diretamente ao clima, os produtores culpam também a falta de políticas governamentais para o setor, a alta tributação, os problemas cambiais e a alta inflação. 

No pequeno Uruguai, país que tem menos de 3,5 milhões de habitantes, a situação não é menos desesperadora. As atividades agropecuárias e da agroindústria representam 12% do PIB – Produto Interno Bruto, e respondem por cerca de 70% do total das exportações do país. 

Conforme comentamos na postagem anterior, a NOAA – Administração Nacional Oceânica e Atmosférica do Estados Unidos, na sigla em inglês, afirmou que o bioma Pampa é a região do mundo que está sendo mais fortemente afetada pela seca atualmente. 

Para o Brasil, onde o bioma corresponde a apenas 2% do território, o problema é facilmente contornável pelo aumento da produção agropecuária nos outros biomas e também por subsídios financeiros aos produtores afetados pela seca. 

No caso da Argentina, a situação é muito pior – metade do território do país é formado por desertos e outros ¼ por áreas montanhosas. La Pampa é uma espécie de ilha de fertilidade e de produtividade única. No Uruguai, o bioma representa mais de 90% do território do país. 

Além de comprometer a renda de dezenas de milhares de produtores rurais, essa grande estiagem representa uma sensível perda para a produção e a disponibilidade de alimentos num mundo que já está caminhando a passos largos para uma escassez generalizada de vários produtos agropecuários. 

A questão é preocupante. 

OS IMPACTOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS 

As últimas postagens aqui do blog precisaram ser dedicadas à cobertura dos estragos provocados pelas torrenciais chuvas no Litoral Norte de São Paulo. Já foram totalizadas 65 mortes e ainda existem 6 pessoas desaparecidas na região. Os trabalhos de busca prosseguem. 

Vamos retomar a questão da crise de produção de alimentos, uma preocupação mundial para os próximos anos. 

Em uma série de postagens falamos dos problemas com as culturas dos principais grãos consumidos pela humanidade – trigo, milho, arroz, soja e o milheto, que apesar de ser muito pouco conhecido pelos brasileiros é um alimento essencial em regiões semiáridas, especialmente na África. 

Falando de uma forma bastante resumida, a agricultura depende da combinação de solos férteis (com fertilidade natural ou feita a partir do uso de fertilizantes químicos), da disponibilidade de água (natural ou via sistemas de irrigação), além de condições adequadas de clima. 

O trigo, por exemplo, é uma cultura que se adapta melhor ao um clima temperado. Aqui no Brasil, o grão encontrou boas condições de produção na Região Sul, onde é clima é subtropical e possui alguma similaridade com o clima temperado. 

A EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, uma referência mundial em pesquisas agrícolas, tem feito um excelente trabalho de tropicalização do trigo, criando variedades que produzem, muito bem aliás, nos solos e clima do Cerrado Brasileiro e também em Campos Amazônicos. 

Na década de 1970, a EMBRAPA conseguiu desenvolver variedades de grãos adaptadas ao Cerrado, com grande destaque para a soja, um grão originário de regiões de clima temperado. O sucesso desse trabalho levou o nosso país a disputas palmo a palmo a liderança da produção mundial de soja com os Estados Unidos. 

Um outro exemplo que podemos citar é o centeio, um grão aparentado com o trigo e que se mostrou adequado para a produção em altas latitudes como o Norte da Europa e da Rússia Asiática. Nesses locais, o clima extremo sempre foi um obstáculo para a produção do trigo e o centeio veio para “salvar a lavoura” e garantir a alimentação dessas populações. 

Falando um pouco das condições climáticas para a produção desses importantes grãos: 

A fase final de produção do trigo, do amadurecimento do grão até a colheita requer um clima seco. O grão é bastante sensível a umidade nessa fase – em caso de chuva, os grãos começam a germinar, o que compromete a qualidade final do trigo. Em regiões de clima temperado a colheita é feita no outono, época bastante seca. 

Já o nosso bom e velho arroz, o grão mais importante para a alimentação de populações na Ásia, depende bastante de umidade para a sua produção. Apesar de existirem variedades de arroz adequadas para a produção em sequeiro, ou seja, em solos secos, a maior parte das espécies é produzida em solos alagados ou fortemente irrigados. 

Citando um outro exemplo: o café, uma cultura que foi fundamental para a economia brasileira durante muito tempo. O cafeeiro requer solos férteis e bem drenados, além de necessitar de uma faixa adequada de temperatura – não pode ser muito quente nem muito frio. 

As mudanças bruscas de temperatura estão entre os maiores inimigos da produção do café, com destaque para as geadas, fortes ondas frias vindas do Sul da América do Sul e dos Andes. Os Estados do Paraná, São Paulo e de Minas Gerais, que já foram e/ou ainda são grandes produtores de café, já sofreram pesadas perdas com geadas fortes. Um exemplo foi a “geada negra” de 1975, que dizimou os cafezais do Paraná. 

E por que estamos falando de tudo isso? 

Mudanças climáticas estão alterando as características típicas do clima de muitas regiões, o que tem repercussões diretas na produção agrícola. Um exemplo fácil: secas sucessivas estão prejudicando a produção agrícola na faixa Oeste do Rio Grande do Sul, uma das mais produtivas de nosso país. 

De acordo com a EMATER – Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural, mais de dois terços dos municípios gaúchos decretaram situação de emergência em função da estiagem durante este ano. As zonas rurais estão sofrendo com falta de água para o abastecimento de populações humanas e animais, além dos usos na agricultura. 

Nas culturas de milho e soja, as perdas em algumas regiões do Estado poderão ficar entre 40% e 50%. A colheita do arroz ainda não começou no Rio Grande do Sul, mas já há notícias que falam que 30% das plantações foram abandonadas devido à falta de água.  

A mesma seca que está assolando o Rio Grande do Sul também está atingindo o Norte da Argentina e também o Uruguai. O bioma Pampa do Sul do Brasil se estende além de nossas fronteiras na direção desses países vizinhos onde é chamado de La Pampa

De acordo com informações da NOAA – Administração Nacional Oceânica e Atmosférica do Estados Unidos, na sigla em inglês, o bioma Pampa é a região que está sendo mais fortemente afetada pela seca em todo o mundo, particularmente na Argentina. 

O ano de 2023, é o terceiro consecutivo de seca intensa na região da Pampa. Dados do Governo argentino afirmam que 175 milhões de hectares no país estão sendo afetados pela seca. Além de comprometer fortemente a agricultura, a principal fonte de receitas externas da Argentina, a estiagem também está afetando a pecuária, outro pilar da economia do país. 

No Uruguai a situação não é menos dramática – cerca de 40% do território do país está sofrendo com uma forte estiagem desde o último mês de outubro. O Governo do país acabou de estender a situação de emergência agrícola até o mês de abril. 

E quem é a responsável por essa seca excepcional? 

Ela – La Niña, um fenômeno climático global que costumava ocorrer em intervalos de 2 a 7 anos, com uma duração de 9 a 12 meses, que, no entanto, está se repetindo pelo terceiro ano consecutivo, o mesmo período de persistência da seca na Pampa. 

Isso será apenas uma coincidência ou estamos assistindo os efeitos das mudanças climáticas globais? 

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A “TAXA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL” DE UBATUBA, OU “NÃO QUEREMOS GENTE POBRE AQUI” 

Prosseguem os trabalhos de busca às vítimas das chuvas no Litoral Norte de São Paulo. De acordo com informações da Defesa Civil, já são 54 o número de vítimas fatais já confirmadas e, pelo menos, 30 pessoas ainda estão desaparecidas. 

Até o momento, os trabalhos de escavação dos escombros vinham sendo feitos de maneira manual e controlada, sempre com a esperança de se encontrar vítimas soterradas ainda vivas. Passados seis dias desde os desmoronamentos das encostas, essa esperança é cada vez mais reduzida e os trabalhos deverão passar a ser feitos por máquinas pesadas. 

Na última postagem aqui do blog eu fiz um breve resumo da origem dos bairros populares dos municípios atingidos pelos desmoronamentos das encostas. A valorização dos terrenos a beira mar, especialmente após a construção de rodovias de acesso como a Rio-Santos, empurrou as populações caiçaras para o “pé-das-serras”. 

Conforme apresentamos, os chamados caiçaras são as antigas populações do litoral da faixa entre o centro do Estado do Rio de Janeiro e o Litoral do Paraná. Essas populações se formaram a partir da mestiçagem entre os primeiros europeus a desembarcar no Brasil e as mulheres indígenas. 

Com o passar do tempo, esse grupo passou a também incorporar africanos, especialmente escravos fugitivos das grandes fazendas de cana-de-açúcar e de café. Isolados entre o mar e as montanhas, esses grupos preservaram os costumes e os hábitos religiosos dos primeiros colonizadores do país. 

Com a enorme valorização dos terrenos a beira mar, corretores de imóveis e especuladores de terras passaram a assediar as antigas vilas de caiçaras, oferendo baixos valores pelas terras – muitas vezes eram oferecidos objetos como ferramentas, roupas, sapatos ou outros itens banais em troca das terras. Sem maiores informações, grande parte desses nativos acabaram caindo no “canto da sereia”. 

Em municípios do litoral Sul de São Paulo como Peruíbe, Itanhaém e Mongaguá, onde existe uma antiga estrada de ferro que ligava o Porto de Santos ao Paraná, a divisão territorial que foi criada é bastante nítida. Todos os antigos caiçaras passaram a viver do lado da ferrovia ao largo da serra e o trecho entre a linha férrea e o mar ficou reservado para as casas de fim de semana e de veraneio das “gentes de fora”. 

Com o passar dos anos, esses bairros populares começaram a receber migrantes pobres vindos de outras regiões do país – especialmente nordestinos, que buscavam oportunidades de uma vida melhor. Felizmente, graças aos terrenos planos dessa região, essas populações correm menos riscos de desmoronamentos de encostas. 

No litoral Norte, onde o relevo é bem mais acidentado devido a Serra do Mar praticamente se encontrar com a faixa de areia do Oceano Atlântico, essa divisão entre as áreas de casas e prédios de veraneio e os bairros populares não é tão nítida. Esses bairros populares se dividem em diversos bolsões de casas nas encostas íngremes da serra. Quanto mais longe esses pobres ficarem da faixa de areia, melhor. 

Um exemplo dessa verdadeira divisão entre ricos e pobres nas disputas pelas areias das praias do Litoral Norte pode ser visto em uma espécie de pedágio que foi instituído pela Prefeitura de Ubatuba recentemente. Trata-se da Taxa de Preservação Ambiental, tributo que começou a ser cobrado no último dia 8 de fevereiro. 

Essa taxa foi criada em 2018 e regulamentada em abril de 2022, data em que foram estabelecidos os valores. A taxa é cobrada dos veículos que não estão registrados no município de Ubatuba e cidades vizinhas, e que permanecem por mais de 4 horas dentro dos limites do município. 

Motocicletas pagam R$ 3,50; carros R$ 13,00, utilitários R$ 19,50; micro ônibus e caminhões R$ 59,00 e ônibus R$ 92,00. Esse pagamento é renovado a cada 24 horas de permanência dos veículos na cidade. 

Por mais nobres que sejam as intenções da Prefeitura, que afirma que os recursos arrecadados pela taxa serão destinados à preservação do meio ambiente, o recado, na minha modesta opinião, é bem mais simples – não queremos gente pobre por aqui. 

Eu lembro claramente das famosas excursões de farofeiros para o litoral nos meus tempos de infância e adolescência. Minha cidade, São Paulo, fica a 70 km de Santos, a cidade litorânea mais próxima. Grupos fretavam ônibus de turismo e dividiam os custos entre um grupo de vizinhos. O ônibus saía bem cedo, chegando ao litoral no começo da manhã. Os turistas passavam o dia inteiro na praia e voltavam só a noite. 

Era comum que esses turistas levassem lanche ou comida pronta de casa – o famoso “frango com farofa” era um dos pratos mais comuns, daí o nome “farofeiros”. Um dos destinos mais comuns dessas excursões era a Praia Grande, que naqueles velhos tempos era uma longa faixa de praias semi desertas ao Sul da cidade de Santos. Há poucos anos atrás, a cidade simplesmente proibiu a entrada desses ônibus de excursão. 

Pessoalmente, eu entendo que a cobrança desse tipo de taxas ou a simples proibição do acesso de pessoas mais pobres às praias é uma afronta a liberdade de livre circulação das pessoas previstas na Constituição Federal. Acho que só o fechamento de praias por particulares, algo que é proibido por lei, mas que é muito comum em alguns lugares, é pior. 

Diante do quadro de destruição criado em todo o Litoral Norte pelas chuvas, acredito que essa taxa de preservação ambiental de Ubatuba (que, aliás, é a única cidade do litoral paulista que cobra) deveria ser imediatamente extinta ou então que seja transformada em uma taxa de reconstrução da cidade, onde todos os recursos arrecadados sejam utilizados para a construção de moradias populares decentes para os mais pobres. Outras cidades deveriam adotar o mesmo procedimento, que nesse caso seria justo. 

Meio ambiente, por definição, abrange tanto os recursos naturais como florestas, águas e fauna, como também as pessoas e seu meio ambiente artificial – casas, ruas e outras construções. Não há como separar um do outro! 

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