
O Pantanal Mato-grossense é a maior planície alagada do mundo e uma verdadeira “ilha” de biodiversidade. O bioma reúne fauna e flora da Mata Atlântica, do Cerrado e da Amazônia, espécies que se adaptaram ao ciclo de cheias e de vazantes do Pantanal.
Como toda boa ilha, o Pantanal Mato-grossense é cercado por todos os lados, não com água, mas sim com o Cerrado, um bioma que vem sofrendo intensamente com o avanço das frentes agrícolas. São justamente os problemas criados no Cerrado que se repercutem dentro do Pantanal Mato-grossense.
O problema mais evidente é a destruição de nascentes de rios que correm na direção das terras alagadiças do Pantanal. Este problema está ligado diretamente à destruição da vegetação do Cerrado, um tema que já apresentamos em diversas postagens aqui do blog.
O Cerrado cobre uma área com aproximadamente 2 milhões de km², abrangendo áreas nos estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo e Distrito Federal, além dos encraves florestais (ou manchas de Cerrado) no Amapá, Roraima, Amazonas, e também pequenos trechos na Bolívia e no Paraguai.
Uma característica marcante do bioma é a grande concentração de nascentes de rios formadores de algumas das mais importantes bacias hidrográficas da América do Sul como a Amazônica, Tocantins/Araguaia, Paraguai, Paraná e São Francisco, o que resulta em um elevado potencial aquífero e favorece a sua biodiversidade.
O bioma, inclusive, abriga três dos mais importantes aquíferos do país: o Bambuí, o Urucuia e parte do gigantesco aquífero Guarani. Aquíferos são formações ou grupos de formações geológicas constituídas por rochas porosas e permeáveis que permitem o armazenamento de grandes volumes de águas das chuvas – essas águas alimentam as nascentes de rios e também podem ser captadas em poços semiartesianos e artesianos para abastecimento de populações humanas.
O processo de recarga dos aquíferos e de outros lençóis subterrâneos de água depende da preservação da cobertura vegetal. No Cerrado, onde essas reservas de água são mais profundas, a vegetação passou por diversas adaptações evolutivas e desenvolveu sistemas de raízes maiores e mais profundos. Na temporada das chuvas, são os sistemas de raízes dessas plantas que facilitam a infiltração das águas nos solos profundos.
Em grandes plantações, onde as terras são tomadas por plantas de raízes muito curtas como a soja e o milho, a água das chuvas não consegue infiltrar adequadamente nos solos, o que prejudica a recarga dos reservatórios subterrâneos de água. Uma das consequências mais diretas disso é uma diminuição do volume de água que brota nas nascentes, especialmente na época da seca.
Com volumes de água menores correndo na direção das terras baixas do Pantanal Mato-grossense, a vegetação tende a se tornar mais seca e sujeita a ação de queimadas, um problema que tem crescido nos últimos anos.
De acordo com dados do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, a última temporada de seca no Cerrado terminou com o registro de mais de 20 mil queimadas, número superior ao que foi registrado na Amazônia e na Mata Atlântica na mesma temporada – 16.874 e 4.684 focos de incêndios, respectivamente.
Por estar totalmente cercado por vegetação de Cerrado, o Pantanal Mato-grossense acaba sofrendo com o avanço dessas queimadas. Em 2020, ano em que essas queimadas foram mais intensas, o Pantanal Mato-grossense perdeu uma área de vegetação equivalente a 2.095 km² para as chamas.
Esse problema não está restrito apenas ao território brasileiro – ele também vem afetando a Bolívia, país vizinho que abriga uma parte do Pantanal, que localmente é conhecido como El Chaco. Cerca de 20% do território boliviano é coberto por vegetação de savana (uma extensão do nosso Cerrado), com destaque para a região de Llanos de Moxos. Assim como no Cerrado brasileiro, as savanas bolivianas vêm assistindo a um forte avanço das frentes agrícolas nas últimas décadas.
Esse ano, graças a uma excepcional temporada de chuvas que está se encerrando, a área alagada do Pantanal sofreu um incremento de mais de 82 mil hectares. A velocidade de escoamento no Pantanal é tão baixa que as águas de uma chuva, nas cabeceiras do rio Paraguai, poderão levar mais de quatro meses para atravessar toda a planície alagada. Isso é sinal que uma grande área de vegetação estará mais protegida das queimadas durante os próximos meses.
Essa “relativa” proteção, entretanto, tem hora marcada para acabar. Com a chegada da temporada da seca e com o escoamento gradual das águas, as terras vão ficar secas e a vegetação vai voltar a ficar sujeita a ação do fogo, colocando inúmeras espécies animais e também vegetais em risco.
Os ciclos de seca cada vez mais intensos no Pantanal Mato-grossense não estão afetando somente a flora e a fauna nativa – os rios que atravessam o bioma também estão sofrendo com as consequências. O caso mais dramático é o do rio Paraguai, o mais importante da região.
Os baixíssimos níveis do rio Paraguai nas temporadas de seca nos últimos anos vêm criando enormes problemas para a navegação e escoamento da produção regional, especialmente para a Bolívia, país sem fachada oceânica que depende imensamente da hidrovia Paraguai-Paraná para o escoamento de sua produção agrícola.
Em julho de 2021, citando um exemplo, o nível do rio atingiu a impressionante marca de 70 cm na altura da cidade de Cáceres. Em alguns trechos, a lâmina de água mal passava de 30 cm. Esse foi o mais baixo nível das águas do rio desde 1965.
Aqui é importante salientar que não basta apenas proteger a vegetação e a fauna nativa que vive dentro dos domínios do bioma Pantanal Mato-grossense – sem a chegada das águas que correm das áreas do Cerrado na direção das terras baixas alagáveis o sistema natural inteiro colapsa.
O Pantanal Mato-grossense é um caso típico onde é preciso encontrar um ponto de equilíbrio interno e externo. Ou seja – é fundamental proteger a flora e a fauna do bioma, além de preservar os recursos hídricos que vem das áreas de entorno no bioma Cerrado.
Sem esse equilíbrio, é impossível se falar em preservação do Pantanal Mato-grossense.