BOLÍVIA PERDEU 9,5% DA SUA COBERTURA VEGETAL ENTRE 2001 E 2020

O título da postagem de hoje é bastante impactante. A informação é da Global Forest Watch, uma plataforma online que permite monitorar as florestas do mundo praticamente em tempo real. Segundo os dados analisados, A Bolívia perdeu um total de 6,11 milhões de hectares de florestas nesse período. Deste total, foram mais de 3 milhões de hectares de floresta primária úmida, que também atende com o nome de Floresta Amazônica. O bioma perdeu 7,4% de sua área nesse período

Em 2020, último ano analisado nesse estudo, foram quase 300 mil hectares de florestas perdidas, a quarta maior área em desmatamentos no mundo. A principal razão para essa perda de cobertura vegetal é o forte crescimento da agricultura na Bolívia. O país já está entre os 10 maiores produtores de soja do mundo e é o quarto maior produtor da América do Sul, além de produzir outros grãos como milho e trigo. 

Cerca de 20% do território boliviano é coberto por vegetação de savana, onde se destaca o Cerrado (uma parte desse bioma tipicamente brasileiro entra no território da Bolívia), os Llanos de Moxos e o Pantanal. Assim como aconteceu aqui no Cerrado brasileiro, as savanas bolivianas também assistiram a um forte avanço das frentes agrícolas nas últimas décadas. E esse avanço tem ido cada vez mais para o Norte do país onde fica a Amazônia boliviana. 

O território da Bolívia tem 1.098.581 Km2 e pode ser dividido em três grandes regiões geográficas: a Amazônia, o Chaco e os Andes. A Floresta Amazônica cobre cerca de 43% do território do país. O Chaco inclui as vegetações de savana já citadas e, os 37% restantes, são as regiões elevadas da Cordilheira dos Andes e do Altiplano Boliviano, onde a agricultura não é muito favorecida. 

De acordo com informações da ANAPO – Associação de Produtores de Oleaginosas e Trigo, a produção anual de soja na Bolívia oscila entre 4,5 e 5 milhões de toneladas, sendo que 60% desse volume é exportado. A cultura gera mais de 110 mil empregos diretos e indiretos, representando cerca de 6% do PIB – Produto Interno Bruto. 

A cultura da soja começou a se expandir fortemente no país no início da década de 1990, época em que agricultores brasileiros passaram a buscar terras com preços mais acessíveis na Bolívia, repetindo um movimento que anos antes invadiu o Paraguai. A região de Santa Cruz de la Sierra se mostrou a mais promissora para essa cultura, que depois passou a se espalhar por toda a região do Chaco. 

É aqui que entra nessa “equação” um componente que conhecemos bem aqui no Brasil: o avanço descontrolado dessas frentes agrícolas. Sem uma legislação adequada e sem uma política governamental de fiscalização bem estruturada, a produção agrícola foi avançando pelas regiões de savana da Bolívia praticamente sem controle e chegando até a região Amazônica do país. 

Para complicar ainda mais a situação, o país entrou num longo ciclo de governos populistas como foi o caso do Governo Evo Morales, iniciado em 2006, e que se estendeu até 2019. Interessado nos ganhos gerados pela produção agrícola para o financiamento de suas políticas sociais, Morales fez “vista grossa” a boa parte dos abusos ambientais. 

Os resultados econômicos do período saltam às vistas – o PIB boliviano passou de US$ 9,5 bilhões para US$ 40 bilhões em pouco mais de 15 anos, a maior taxa de crescimento da América Latina. A inflação foi reduzida e os índices de pobreza caíram fortemente. Segundo o PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, cerca de 37,2% da população da Bolívia vivia abaixo da linha da pobreza até 2019. Aliás, esse discurso de combate à pobreza passou a dominar as políticas do Governo. 

Citando um exemplo: Morales costumava defender o uso do “chaqueo”, palavra local para as queimadas, como uma ferramenta essencial para o trabalho dos pequenos agricultores. Segundo o Presidente, “uma família pobre precisa ter o direito de limpar, no mínimo, uma área equivalente a meio hectare para produzir milho e a um hectare para a produção de arroz“. Segundo o discurso, esse seria o mínimo de produção agrícola necessária para a sobrevivência de uma família. 

Na prática, como todos devem suspeitar, é bastante difícil controlar as chamas de uma queimada e limitar sua área a meio ou a um hectare – o fogo costuma seguir sua própria vontade. Ao longo de 2019 e de 2020, a situação das queimadas foi bastante agravada no país devido a uma forte seca e as altas temperaturas. A Floresta Amazônica no país ardeu como nunca. 

No seu último ano de Governo, inclusive, Morales realizou uma alteração na legislação ambiental – os agricultores foram autorizados a ampliar as queimadas de 5 para 20 hectares. Não por coincidência, os grandes incêndios florestais na Floresta Amazônica aumentaram desde então. No dia 20 de agosto de 2019, relembrando um fato, a cidade de São Paulo foi tomada por uma chuva com água “cor de chá”, um fenômeno que foi provocado devido a fortes massas de fumaça de queimadas vindas da Amazônia boliviana. 

Na visão de muitos analistas, a derrota de Morales na tentativa de conseguir um quarto mandato como Presidente da Bolívia nas eleições de 2019, se deu em função de uma reação da opinião pública às fortes queimadas no país. Uma das áreas destruídas pelo fogo naquele ano foi Chiquitania, uma região de florestas próxima de Santa Cruz de la Sierra que fornecia madeira para a construção civil e para o artesanato das populações mais pobres. 

Grupos opositores ao Presidente-candidato canalizaram a revolta dessas populações e organizaram grandes manifestações de protesto. As eleições locais foram marcadas por denúncias de fraudes e irregularidades, sendo anuladas logo depois pela justiça eleitoral, contribuindo assim para o afastamento de Evo Morales da Presidência da República, que renunciou ao cargo em meados de novembro. 

Depois de um turbulento período de instabilidade política, quando a Bolívia foi dirigida interinamente pela líder da oposição, a senadora Jeanine Añez, uma nova campanha eleitoral alçou um antigo aliado de Evo Morales – Luís Arce, ao poder em outubro de 2020. Grande parte da antiga “fórmula” de crescimento econômico a qualquer custo ambiental foi retomada.  

Somente nesse ano de 2021, a área total de queimada na Bolívia já superou a marca dos 1,65 milhões de hectares, o que inclui o Chaco e a Floresta Amazônica. Isso equivale a mais de ¾ da superfície do Estado de Sergipe, o que nos dá uma ideia de como andam as coisas por lá. 

E, muito pior – não há a menor sinalização de mudança no curto e médio prazo… 

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