
David Livingstone foi um eminente explorador e missionário britânico que ficou mundialmente conhecido por suas viagens pelo coração da África em meados do século XIX. Nascido em 1813, na Escócia, Livingstone decidiu se tornar médico missionário em 1834, época em que iniciou seus estudos em teologia e medicina em Glasgow.
Em 1840, desembarcou na Cidade do Cabo, África do Sul, a serviço da Sociedade das Missões. A partir de então empreendeu inúmeras viagens pela então desconhecida “África Negra”, referência ao total desconhecimento que os europeus tinham do interior do continente.
Além da evangelização dos nativos, Livingstone escrevia relatos sobre a geografia física e humana dos locais onde passava. Em 1949, ele se tornou conhecido em todo o Reino Unido pela descoberta do lago Ngami, no Deserto do Kalahari. A façanha lhe valeu uma medalha da Real Sociedade Geográfica Britânica.
Entre 1852 e 1856, Livingstone empreendeu uma grande expedição através do curso do rio Zambeze, o maior rio da África Austral. Uma das suas descobertas mais especulares, feita em 1855, foram as grandes cataratas que foram batizadas como Victoria Falls em homenagem a Rainha da Inglaterra (vide foto). Ele atingiu a foz do rio Zambeze, no Oceano Índico, em 1856, se tornando o primeiro europeu a atravessar a África Meridional no sentido Leste-Oeste.
O rio Zambeze (ou Zambezi) e seus inúmeros afluentes formam a quarta maior bacia hidrográfica da África, com área total de 1,39 milhão de km², só perdendo em tamanho para os rios Nilo, Congo e Níger. Essa bacia engloba uma área total equivalente a 4,5% de todo o território africano. O curso do rio Zambeze tem quase 3 mil km de extensão (algumas fontes falam de 2.550 km).
As nascentes mais distantes do rio ficam nos Montes Kalene, no Noroeste da Zâmbia. Após correr cerca de 30 km no sentido Leste, o rio entra no território de Angola, voltando depois para o território da Zâmbia. Correndo no sentido Sul e depois Oeste, o rio Zambeze delimita a fronteira da Zâmbia com a Namíbia, com Botsuana e depois com o Zimbábue. Por fim, o rio entra no território de Moçambique, onde se encontra com as águas do Oceano Índico em um imenso delta.
A bacia hidrográfica do rio Zambeze é a maior e a mais compartilhada de toda a África Austral. Nos oito países que formam a bacia hidrográfica vivem cerca de 168 milhões de habitantes, sendo que 51 milhões vivem dentro da bacia hidrográfica. Mais de 30 grupos étnicos diferentes vivem dentro dessa grande região.
Cerca de 3/5 do território da bacia hidrográfica são cobertos por florestas e arbustos, sendo que metade da área é coberta por matas de miombo, uma vegetação do tipo semiúmida. Outro tipo de vegetação típica da região são as chamadas matas de mopane. Essas matas são caracterizadas pela predominância de algumas poucas espécies de árvores como as acácias e a teca do Zambeze. Cerca de 13% do território é utilizado para agricultura.
No total, a bacia hidrográfica do rio Zambeze abriga mais de 6 mil espécies de plantas com flores, 650 espécies de aves e 200 espécies de mamíferos. Uma característica da fauna local é a presença dos grandes mamíferos africanos – elefantes, búfalos, girafas, leões e, cada vez menos, rinocerontes.
O Zambeze é um rio caudaloso – sua descarga média no Oceano Índico é de 2.600 m³/segundo, pouco menor que os 2.820 m³/segundo descarregados pelo rio Nilo no Mar Mediterrâneo. Quatro grandes barragens de usinas hidrelétricas já foram construídas na calha do rio – Kariba, Cahora Bassa, Kafue e Itezhi-Tezhi. Todos esses grandes projetos, é claro, não levaram em conta os impactos ambientais ao rio, a flora e a fauna.
Diferente do rio Orange, na África do Sul, que tem suas águas intensamente exploradas por sistemas de agricultura irrigada, esse uso na bacia hidrográfica do rio Zambeze ainda está engatinhando. De acordo com dados da FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, apenas 171 mil hectares da bacia hidrográfica são irrigados, o que corresponde a aproximadamente 5% da área potencial estimada de 3 milhões de hectares.
As culturas mais populares são o milho, feijão, milheto, amendoim, mandioca e batata-doce, entre uma enorme variedade de vegetais. Como acontece em grande parte da África Austral, a bacia hidrográfica do rio Zambeze é sujeita a grandes secas cíclicas, o que é um grande limitador para a produção agrícola tradicional.
Um outro grande problema que essa região apresentava era a infestação das matas pela temida mosca tsé-tsé, inseto transmissor da febre do sono – a Tripanossomíase Humana Africana, uma doença que pode levar à morte do paciente caso não seja tratada corretamente. Foi só em décadas bem recentes que os Governos locais conseguiram erradicar esse inseto.
A erradicação da mosca tsé-tsé, que foi extremamente benéfica para as populações humanas, se transformou numa grande ameaça para a biodiversidade de todo o vale do rio Zambeze. Grandes trechos das matas das margens passaram a ceder espaço para grandes plantações de algodão e de árvores exóticas como os pinheiros. Também foram introduzidos animais exóticos como a tilápia-do-Nilo, espécie introduzida por criadores comerciais no médio curso do rio Zambeze.
O aumento das atividades humanas também inclui desmatamentos para a formação de pequenas aldeias e seus roçados de subsistência, queimadas (a agricultura tradicional africana também utiliza queimadas para a preparação do solo, a exemplo da coivara usada por nossos indígenas e caboclos), extração de madeira, entre outras agressões.
Em tempos de grandes preocupações com a produção de alimentos, não tardará para que grandes grupos internacionais, especialmente de origem chinesa, voltem suas atenções para o enorme potencial agropecuário da bacia hidrográfica do rio Zambeze. Além dos baixos custos das terras, uma parte importante do rio é navegável, o que facilitaria, e muito, o escoamento da produção.
Outro grande atrativo do rio é a sua foz no Oceano Índico, o que coloca qualquer eventual produção de grãos e outros produtos agropecuários a meio caminho da China quando comparado a países da América do Sul como o Brasil e a Argentina, grandes vendedores de commodities agropecuárias para a China.
Esse grande potencial agropecuário poderá, em um futuro não muito distante, significar um grande risco socioambiental para a toda a bacia hidrográfica do rio Zambeze.