UM RIO AGONIZANTE CHAMADO COLORADO

Colorado, em espanhol, significa “avermelhado”, provavelmente em referência à cor das paredes rochosas que envolvem boa parte do rio. Em 1540, os exploradores espanhóis liderados por Garcia López Cárdenas descobriram o Gran Cañon (Grand Canyon) e o rio, sem que nenhum nome lhe fosse dado. No mesmo ano, Hernando de Alarcón, avistou a foz do rio enquanto explorava o Golfo da Califórnia (também chamado de Mar de Cortez), dando-lhe o nome de “El Rio de Buena Guia”

O rio Colorado nasce nas Montanhas Rochosas, no norte do Estado do Colorado. As principais cabeceiras do rio ficam nas encostas de La Poudre Pass, uma montanha com cerca de 3.100 metros de altitude. Nessa mesma região, o pequeno rio recebe as contribuições de outros rios como o La Poudre Pass Creek e o Cache La Proude

A bacia hidrográfica do rio se estende por cerca de 630 mil km² na região mais árida dos Estados Unidos. No total, a sua área engloba, além do Colorado, os Estados do Wyoming, Utah, Nevada, Arizona, Novo México e Califórnia. O trecho final dos 2.300 km do rio fica dentro do México e tem menos de 100 km (vide foto). Sua foz fica localizada no Golfo da Califórnia. 

Até a década de 1950, a foz do rio Colorado formava um delta com inúmeros canais, onde as terras férteis eram cobertas por uma densa vegetação. Essa região formava o habitat da vaquita (Phocoena sinus), um pequeno golfinho aparentado com as toninhas e endêmico dessa região do Golfo da Califórnia. As vaquitas costumavam nadar nos antigos canais do delta e nas águas salobras próximas da costa. Esse comportamento é muito parecido com o dos seus primos distantes do Sudeste Asiático, os golfinhos-do Irrawaddy.  

Com o consumo cada vez maior das águas do rio Colorado para fins de irrigação e abastecimento de cidades dentro do território dos Estados Unidos nas últimas décadas, a região do delta do rio praticamente secou, colocando as vaquitas na condição de cetáceo mais ameaçado do mundo. Além da destruição do delta do rio Colorado, um grande número de animais morreu ao ser capturado pelas redes de pesca das populações locais. De acordo com as mais recentes estimativas, a população de vaquitas remanescentes é inferior a 12 animais. 

A mesma seca que assola o delta do rio Colorado há vários anos agora vem se estendendo por toda a calha principal e também por muitos dos afluentes do rio. Estudos meteorológicos oficiais indicam que a região da bacia hidrográfica está no centro do mais forte conjunto de mudanças climáticas já observadas nos Estados Unidos. Segundo estudos do Instituto de Oceanografia da Universidade de San Diego, na Califórnia, o Rio Colorado poderá perder entre 60% e 90% das suas águas até a metade deste século por causa do aquecimento global

Além de sofrer com a redução progressiva dos aportes de água em toda a sua bacia hidrográfica, originados tanto a partir das chuvas quanto do degelo de primavera, o rio Colorado também sofre com a superexploração de suas águas. Mais de 40 milhões de pessoas em sete Estados americanos são abastecidas com as águas do rio, que também são utilizadas em grandes sistemas de irrigação agrícola. Um dos maiores consumidores das águas do rio Colorado é o Imperial Valley no Sul da Califórnia. 

Essa região chamou a atenção das primeiras caravanas de pioneiros que se dirigiam para a Califórnia a partir de meados do século XIX. Haviam muitos agricultores experientes nesses grupos, que perceberam rapidamente a fertilidade dos solos do Imperial Valley – só faltava água ao lugar. Em um passado geológico mais distante, parte das águas das grandes enchentes do rio Colorado avançavam por essa região e cobriram os solos com sedimentos férteis – essa água evaporava em poucas semanas devido ao calor intenso do Deserto de Sonora. 

Nos últimos anos do século XIX, o Governo norte-americano decidiu pela construção de um grande canal para transportar as águas do rio Colorado na direção do Imperial Valley. A obra usou grande parte do antigo leito seco do rio Álamo e foi concluída em 1901. Esse canal tinha cerca de 23 km de extensão e possuía uma estação de bombeamento para vencer um desnível de 38 metros do terreno. Em 1942, o antigo canal foi substituído por um outro ainda maior – o All-American

Com a chegada das águas, o antigo deserto foi transformado em milhares de hectares de terras cultiváveis, criando uma das regiões agrícolas mais produtivas dos Estados Unidos. Devido ao forte calor do deserto, os invernos são bastante amenos na região, o que torna possível até duas safras por ano, uma verdadeira raridade em um país de clima temperado. 

As terras do Imperial Valley foram tomadas com 2.300 quilômetros de canais de irrigação e outros 1.800 quilômetros de tubulações, que passaram a consumir um volume de água correspondente a 83% da cota de água do Rio Colorado a que tem direito o Estado da Califórnia. Em 1922, foi assinado o Pacto do rio Colorado ou Colorado Compact, um acordo entre sete Estados do Sudoeste dos Estados Unidos, estabelecendo os direitos de utilização compartilhada das águas do rio. A partir desse pacto, a Califórnia passou a ter direito a 58,70% das águas da parte baixa da bacia hidrográfica do rio Colorado

Com fartura de água, terras férteis e muito sol, a região acabou transformada na principal fornecedora de frutas e de vegetais de inverno dos Estados Unidos. A região também é grande produtora de alfafa, uma ração muito valorizada pelos criadores de gado norte-americanos. 

A alfafa é uma leguminosa de folhagem perene, altamente nutritiva, que apresenta excelentes qualidades para alimentação animal, com destaque para os altos níveis de proteína, cálcio e fósforo, muito superiores às de outras fontes como a cana-de-açúcar, o milho e o capim. Em países de clima temperado, com invernos rigorosos e verões muito secos como os Estados Unidos, a alfafa é um alimento fundamental para os rebanhos, substituindo as pastagens cobertas por neve ou secas. 

O cultivo da alfafa é um grande consumidor de água, representando um consumo até quatro vezes maior de água que outras culturas. O problema é amplificado pelo sistema de irrigação por alagamento, a técnica de irrigação mais usada no Imperial Valley. Os canais são dotados de comportas, que são abertas quando há necessidade de irrigar as plantas. Grandes volumes de água se espalham sobre o solo e apenas uma parte dessa água é usada pelas plantas. 

Além das grandes perdas para a evaporação, parte das águas escorriam para um trecho baixo da região, local onde se formou o Lago Salton, um corpo d’água que já chegou a ocupar uma área com quase 900 km² e chegou a ser uma grande atração turística do Sul da Califórnia. 

Com as sucessivas secas enfrentadas pela Califórnia nos últimos anos, o volume de água usada pelos agricultores do Imperial Valley foi reduzido (não sem antes passar por uma grande batalha judicial). Com uma menor disponibilidade de água, os volumes percolados na direção do Lago Salton foram reduzidos e o espelho d’água passou a ficar menor ano após ano.  

Uma grossa camada de sal e de resíduos de fertilizantes e defensivos agrícolas que ficava no fundo do Lago passou a ficar exposta aos fortes ventos do Deserto, que passou a espalhar o pó tóxico por todo o Imperial Valley. A região foi transformada na campeã norte-americana em casos de asma e de alergias respiratórias, um problema semelhante ao de outras regiões agrícolas que viram seus lagos secarem

A “cultura do desperdício de água” que surgiu no Imperial Valley também floresceu em outras terras irrigadas com as águas do rio Colorado. Aliás, perto de 90% das águas do rio eram usadas pela agricultura, um volume muito superior à média mundial que se situa na casa dos 70%

Somando-se mudanças climáticas com a superexploração e o desperdício da água, chegamos à situação crítica em que se encontra o rio Colorado e o Lago Mead atualmente. 

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