
Uma forte seca está assolando uma extensa região do Brasil Central, o que resultou em baixos níveis nos reservatórios de importantes usinas hidrelétricas, principalmente no trecho alto da bacia hidrográfica do rio Paraná. Tratamos disso em postagens anteriores, enfocando principalmente nos riscos para a geração de energia elétrica.
Problemas semelhantes estão ocorrendo na Região Oeste dos Estados Unidos, especialmente nos Estados da Califórnia, Nevada e Arizona. Uma imagem que simboliza a falta de chuvas na região são os baixos níveis do Lago Mead, o maior reservatório do país – a foto que ilustra essa postagem mostra a situação do Lago: as faixas mais claras nos paredões mostram o quanto as águas já baixaram. Já são 22 anos seguidos com chuvas abaixo da média e o Lago está atualmente com apenas 35% de sua capacidade.
O Lago Mead surgiu com a construção da Represa Hoover na década de 1930. Além de permitir a instalação de uma central de geração de energia elétrica, que atualmente abastece cerca de 1,3 milhão de pessoas, principalmente na cidade de Las Vegas, a construção dessa represa “domou” o selvagem rio Colorado.
Atravessando uma grande região com terras áridas e semiáridas, o rio Colorado alternava períodos de fortes secas com temporadas de violentas e devastadoras enchentes. Com o represamento do Rio Colorado, surgiu o Lago Mead, uma fonte de água que foi fundamental para a implantação de um extenso programa de sistemas de irrigação na região do Sudoeste norte-americano.
A Represa também possibilitou uma estabilização da vazão do Rio Colorado a jusante, beneficiando inúmeras cidades e projetos de irrigação como o Imperial Valley, que passaram a contar com volumes constantes de água ao longo de todo o ano, ficando livres das secas e enchentes. Não menos importante, o Lago foi transformado no principal manancial de abastecimento da cidade de Las Vegas, a “capital do jogo” dos Estados Unidos.
Las Vegas surgiu a partir de uma antiga parada usada pelas caravanas de pioneiros que seguiam na direção da Califórnia ainda no século XIX e cresceu muito após a construção da Represa Hoover. Sua Região Metropolitana abriga atualmente 2 milhões de habitantes e recebe 40 milhões de turistas a cada ano. A cidade é totalmente dependente da Represa, que responde por 90% da água consumida (e esbanjada) pelos habitantes. Dois túneis de abastecimento e de transporte de água foram construídos ao longo dos anos, captando água em profundidades diferentes: 33 e 48 metros, em uma lâmina d’água que já atingiu uma profundidade máxima superior aos 100 metros.
O Rio Colorado é um dos mais longos rios da América do Norte, com nascentes nas Montanhas Rochosas no Estado norte-americano do Colorado e, ao longo dos seus 2.320 quilômetros, banha os Estados de Utah, Arizona, Nevada e Califórnia, entrando a seguir no México, onde encontra a sua foz no Golfo da Califórnia. O rio é responsável pelo abastecimento de 40 milhões de pessoas em sete Estados americanos e quase 90% do total das suas águas são desviadas para fins de irrigação em 2 milhões de hectares, o que torna sua bacia hidrográfica uma das mais aproveitadas do mundo.
Várias cidades importantes dos Estados Unidos como Los Angeles, San Bernardino, San Diego, Phoenix e Tucson utilizam sistemas de abastecimento e transposição que captam e transportam as águas do Rio Colorado a longas distâncias. A grande seca que está assolando o Lago Mead também se reflete em problemas para outras dezenas de pequenas e médias cidades e agricultores em toda a Região Sudoeste do país.
Como todos devem lembrar das imagens de velhos filmes de Faroeste (ou For West), quando grandes caravanas de pioneiros atravessavam as grandes pradarias sob risco de ataque dos índios, ou até mesmo dos livros de história, o Governo norte-americano fez grandes esforços a partir de meados do século XIX para o povoamento das regiões Central e Oeste dos Estados Unidos. Entre 1846 e 1848, os norte-americanos se envolveram numa disputa sangrenta com o México pela posse de territórios no Oeste, como foi o caso da Califórnia. Vencida a disputa pelos yankees, foi necessário estimular o povoamento dessas regiões.
Esses esforços foram ampliados após o final da Guerra Civil Americana (1861-1865), quando os Estados do Sul foram derrotados pelas forças da União. Além de buscar alternativas de vida para famílias que perderam suas posses no conflito, havia a necessidade de garantir trabalho e moradia para centenas de milhares de escravos recém-libertados. Essas políticas foram chamadas de “Marcha para o Oeste”. Cerca de 2 milhões de pioneiros tomaram o caminho para o Oeste norte-americano entre 1862 e 1890 e outros 7 milhões conseguiram comprar terras no Meio Oeste do país a preços baixíssimos.
Com o aumento da população e o crescimento das necessidades energéticas do Sudoeste a partir das primeiras décadas do século XX, o Governo dos Estados Unidos criou em 1922 um comitê especial com a missão de gerenciar o uso das águas do Rio Colorado – em 1944, o Governo do México foi convidado a participar deste comitê. O aproveitamento em grande escala das águas do Rio Colorado foi iniciado na década de 1930, quando foi construída a famosa Represa Hoover e sua usina hidrelétrica nas proximidades da cidade de Las Vegas, formando-se o Lago Mead.
Além de regularizar os caudais do rio Colorado e gerar energia elétrica, essa Represa passou a permitir a navegação por um extenso trecho do rio, além de tornar possível a construção de numerosos canais de irrigação. O auge dessas obras se deu há época da Grande Depressão Econômica da década de 1930. Foram os tempos do New Deal, um conjunto de políticas públicas para empregar e ocupar os desempregados, que representavam um quarto da população economicamente ativa do país.
Desde então, foram construídos inúmeros sistemas e canais de irrigação em toda a bacia hidrográfica do Rio Colorado – a exploração dos recursos hídricos se tornou tão intensa que o volume de água que chegava até a foz do rio no Golfo da Califórnia chegou muito próximo de zero. Aqui é preciso destacar que se criou uma “cultura” de uso abusivo das águas do rio Colorado, práticas que trataremos em outra postagem.
Nos últimos anos, a natureza começou a cobrar o seu preço e mandou a fatura na forma de uma fortíssima seca em toda a bacia hidrográfica do Rio Colorado, que se estende do Estado americano do Wyoming até o México. De acordo com dados meteorológicos oficiais, a região está no centro do mais forte conjunto de mudanças climáticas já observadas nos Estados Unidos. Projeções do Instituto de Oceanografia da Universidade de San Diego, na Califórnia, estimam que o Rio Colorado poderá perder entre 60% e 90% das suas águas até a metade deste século por causa do aquecimento global.
A última vez que o Lago Mead esteve próximo do seu nível máximo foi no ano 2000, quando o volume de água armazenada chegou aos 95%. De lá para cá, os níveis máximos do reservatório têm batido recordes cada vez mais negativos. A usina hidrelétrica da Represa Hoover há muitos anos vem trabalhando com uma redução de 25% no volume máximo de energia produzida.
Para que todos tenham uma ideia mais precisa do que está acontecendo nos Estados Unidos, seria algo mais ou menos parecido com uma seca devastadora na bacia hidrográfica do nosso rio São Francisco.
Continuaremos na próxima postagem.
[…] A GRANDE SECA NO LAGO MEAD, O MAIOR RESERVATÓRIO DOS ESTADOS UNIDOS […]
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