Após 21 anos de Governos Militares autoritários, o Brasil passou por um processo de transição democrática “negociada” a partir de 1985. Esta transição não foi das mais tranquilas – Tancredo Neves foi eleito presidente através de eleições indiretas por um Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1985; na véspera da posse, porém, foi hospitalizado às pressas e viria a falecer no dia 21 de abril. José Sarney, vice-presidente que assumiu a presidência interinamente em 15 de março após a internação de Tancredo Neves, assumiria a presidência do país em definitivo e daria fim aos anos de ditadura militar no Brasil. Entre as muitas mudanças trazidas pela democracia está o fim da censura aos meios de comunicação – os brasileiros passaram a conhecer os muitos “esqueletos” escondidos no armário ao longo dos anos dos governos militares – infelizmente, alguns esqueletos de verdade, das muitas vítimas dos anos de repressão, também começaram a aparecer. Notícias sobre o município de Cubatão e seus grandes problemas passariam a ser veiculadas livremente nas TVs, rádios, revistas e jornais impressos.
Muitos detalhes até então desconhecidos sobre o famoso incêndio da Vila Socó, a morte da vegetação na Serra do Mar e os escorregamentos de encostas, entre outras catástrofes, agora poderiam ser contados livremente. Passou-se a falar com frequência da Vila Parisi, um bairro operário que chegou a abrigar uma grande parte dos quase 100 mil habitantes de Cubatão, cercado de industrias e de poluição por todos os lados. Entre os muitos problemas de saúde apresentados pela população, alguns eram alarmantes – foi observado um aumento no número de moradores com doenças pulmonares e, o mais grave: um número recorde de crianças recém-nascidas com anencefalia (sem cérebro). Estudos feitos em um lote de amostras de sangue de 500 moradores do bairro constatou que 35% estavam intoxicados por poluentes – chegava a hora de se tomar alguma atitude a fim de frear a poluição em Cubatão.
Desde 1984, o Governo de São Paulo, principal responsável pelo controle da poluição e proteção dos recursos naturais, já havia estabelecido o Programa de Controle da Poluição de Cubatão e criado a Comissão Especial da Serra do Mar, que faria a articulação entre os setores público, industrial e privado. As ações para a reversão da poluição ambiental ficaram a cargo da CETESB – Companhia Ambiental de São Paulo, com a participação das indústrias e da população local de Cubatão. Após a redemocratização do país, vários dos programas criados ganharam folego e a ideia de recuperar Cubatão pouco a pouco foi ganhando forma. Vejam alguns destes planos:
– Programa de Controle da Poluição das Águas, que resultou no controle de 100% das fontes industriais e do esgoto doméstico lançados nos corpos d’água do município. Graças a este Programa, sistemas de controle foram implantados em todas as fontes de poluição identificadas, com reflexos diretos nos ecossistemas aquáticos e para a pesca;
– Programa de Controle da Poluição Atmosférica: permitiu o controle de 98,8% das fontes de poluição do ar, fazendo com que as indústrias instaladas no Polo Industrial instalassem filtros e equipamentos de controle, num investimento superior a U$ 1 bilhão. Esse programa forçou as indústrias a modernizarem seus equipamentos e sistemas de produção, utilizando tecnologias mais modernas e menos poluentes, controlando e monitorando as emissões em tempo real;
– Programa de Gerenciamento de Riscos com ações preventivas (estudos de análise de risco, implantação de sistemas de monitoramento e controle, treinamentos, entre outros) e planos de ações emergenciais, permitindo o gerenciamento de todos os recursos disponíveis para atender situações de emergências ambientais e de contenção de vazamentos de produtos químicos;
– Os resíduos industriais gerados no município passaram a ser controlados e gerenciados com rigor pela Cetesb, que também iniciou um programa de identificação de áreas de despejo irregular de resíduos, com identificação e responsabilização das empresas, que seriam obrigadas a arcar com a recuperação ambiental destas áreas;
– Programas de contenção das encostas da Serra do Mar, com implantação de projetos para a proteção das drenagens de águas pluviais e de revegetação de um trecho da Mata Atlântica, por meio de plantios manuais e de semeaduras aéreas, quando foi testado com sucesso um novo sistema de lançamento de sementes com o uso de um helicóptero (as sementes foram encapsuladas em pelotas ou pellets de floc gel e disparadas contra o solo com o uso de uma espécie de “funil”);
– Através da CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, em parceria com a Prefeitura de Cubatão foram construídos diversos conjuntos habitacionais na cidade, possibilitando a transferência de populações das áreas de riscos e das proximidades das áreas industriais.
Através destas e de outras medidas nas áreas de saúde, educação e de saneamento básico implementadas ao longo dos anos seguintes, a qualidade ambiental melhorou progressivamente enquanto os episódios críticos de poluição no município foram sendo reduzidos significativamente. Em 1984, por exemplo, foram decretadas 17 vezes os Estados de Alerta e ou de Emergência na Vila Parisi – a partir de 1995 esse número caiu para zero.
Com muita pressão popular, vontade política e investimentos públicos e privados, Cubatão deixou para trás o estigma de “Vale da Morte” e de “Cidade mais poluída do mundo” e se transformou num paradigma de recuperação ambiental mundial. Apesar das muitas sequelas e dos imensos passivos ambientais, especialmente de áreas contaminadas por despejos de resíduos químicos, os ares, as águas e a vida em Cubatão já não seriam mais os mesmos. Um dos símbolos deste renascimento foi a volta dos guarás vermelhos ao rio Cubatão, que trataremos em nosso próximo post.
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