
Nas postagens anteriores falamos dos problemas que a desertificação de solos vem provocando em todo o mundo, especialmente na América Latina. O uso inadequado dos solos por atividades agrícolas e pecuárias, a devastação de áreas florestais, o aumento das temperaturas globais, entre outros problemas, tem levado à destruição de grandes extensões de solos férteis. Em um mundo com recursos naturais finitos e com uma população humana que não para de crescer, isso não é um bom sinal.
Para não ficarmos repetindo mais do mesmo, vamos mudar o enfoque das postagens – ao invés de mostramos outros casos de desertificação de solos em diferentes países, vamos mostrar algumas soluções que vêm sendo criadas para se reverter o problema. Vamos começar falando da Floresta Serapium, no Egito.
Como todos devem se lembrar das aulas de história nos tempos do ensino fundamental, o Egito foi uma das maiores e mais poderosas civilizações do passado. Essa história de sucesso começou no ano 3.220 a.C., quando Menés unificou os reinos do Alto e Baixo Egito, criando a Primeira Dinastia de faraós. O declínio tem início por volta do ano 670 a.C., quando o Egito é invadido e dominado, primeiro pelos assírios, depois pelos persas, macedônicos e finalmente pelos árabes.
Falando de uma forma bem simplificada, o território do Egito é praticamente uma sucessão de desertos e regiões semiáridas – uma exceção é o Vale do Rio Nilo, que corta o país de Norte a Sul. Desde os tempos imemoriais dos primeiros assentamentos humanos no Egito, a vida tem sido regulada pelos ciclos anuais de cheias e de vazantes do rio Nilo, que fertilizam as margens e permitem a prática da agricultura. A região do Delta do Nilo, onde o rio se abre em inúmeros canais e forma grandes campos de solos férteis, é outra exceção à aridez dos desertos.
As águas do rio Nilo sempre foram e ainda são o sangue e a vida do Egito. O rio proporciona água, alimentos, transportes, turismo e geração de energia elétrica. A usina hidrelétrica da Represa de Assuã no rio Nilo, concluída em 1967, já respondeu por 50% de toda a eletricidade usada pelo país. Atualmente, esse percentual caiu para 15%.
E o que os quase 100 milhões de egípcios oferecem ao bom e velho rio Nilo por todas as benções que ele provê? Esgotos, muitos esgotos – mais precisamente: sete bilhões de metros cúbicos de águas residuais a cada ano, isso sem falar nas centenas e mais centenas de toneladas de resíduos sólidos que são despejados diretamente na calha do rio ou que são arrastados pelas enxurradas.
Esses problemas, desgraçadamente, extrapolam as fronteiras do Egito e se repetem em países como Etiópia, Sudão, Uganda, Tanzânia, Quênia, República Democrática do Congo, Burundi e Ruanda, todos inseridos dentro da bacia hidrográfica do rio Nilo. São no total cerca de 250 milhões de pessoas que dependem das águas do rio e que, como os egípcios, retribuem todos os seus bons serviços com muito esgoto e lixo.
Um exemplo de como as coisas andam muito mal no Egito – até bem poucas décadas atrás, cerca de 123 espécies de peixes eram encontradas na bacia hidrográfica do rio Nilo. De acordo com estudos de pesquisadores do Egito, 35 dessas espécies já desapareceram do Baixo Rio Nilo.
Como parte dos esforços para reduzir a intensa poluição das águas do rio Nilo, o Programa Nacional do Egito para o Uso Seguro da Água de Esgoto, uma organização criada há cerca de 25 anos atrás para buscar alternativas para o uso das águas residuárias no país, teve a ideia de plantar florestas e usar os despejos de águas das estações de tratamento de esgotos para uso na irrigação dessas florestas.
Esgotos são ricos em nitrogênio e fósforo, dois elementos essenciais para a nutrição de plantas, Mesmo após passar por todos os processos de tratamento, as águas residuárias ainda apresentam grandes concentrações desses elementos. Conduzidas por tubulações até as florestas, essas águas permitem irrigar e nutrir as plantas ao mesmo tempo.
Contando com apoio da Universidade Técnica de Munique na Alemanha, o projeto teve início na década de 1990. As águas residuárias de uma estação de tratamento de esgotos passaram a ser usadas na irrigação de florestas artificias em 36 áreas do deserto. Uma dessas áreas é conhecida como Floresta Serapium (vide foto) e já apresenta excelentes resultados.
A Floresta Serapium fica em Al Ismailia, uma localidade a cerca de 16 km a Oeste do Canal de Suez. A cidade tem cerca de 400 mil habitantes e as águas residuárias dos seus esgotos estão sendo utilizadas para regar e nutrir diversa áreas de florestas artificiais – a de Serapium é uma floresta de eucaliptos com cerca de 500 acres de área. As árvores estão com cerca de 15 metros de altura. O frescor surreal dessa floresta contrasta com a aridez escaldante do deserto ao seu redor.
O projeto tem apoio financeiro da Forest Finance, uma empresa alemã especializada em investimento florestais. Uma das razões para o interesse dos alemães por essa região é o tempo de crescimento das árvores, que atingem o ponto ideal de corte em apenas ¼ do tempo do que o equivalente na Alemanha. Um eucalipto, por exemplo, leva até 60 anos para completar o seu desenvolvimento no clima temperado da Alemanha – no desértico Egito, a mesma árvore pode estar pronta para o corte em menos de 15 anos com o uso da irrigação.
Além do eucalipto, a floresta também abriga outras espécies de grande valor comercial como o mogno. O transporte da água até a floresta é feito por um sistema de adutoras. A irrigação das plantas é feita por gotejamento localizado, a partir de uma rede de tubulações flexíveis distribuídas no solo. Cada uma das árvores recebe, em média, 5 litros de água a cada dia.
O território do Egito ocupa uma área com mais de 1 milhão de km², sendo que 95% desses solos são desérticos e/ou semiáridos, existindo espaço de sobra e grandes volumes de águas residuárias para a formação de inúmeras outras florestas como a de Serapium. Isso abre inúmeras possibilidades para a produção de madeira, papel e celulose, além de criar milhares de postos de trabalho num país em crise.
Até alguns anos atrás, o turismo era uma das principais fontes de receita do Egito. Pessoas de todo o mundo vinham se maravilhar com os inúmeros museus e com monumentos e sítios arqueológicos espalhados por todo o país. A partir de 2010, depois de uma série de ataques de radicais islâmicos a grupos de turistas e também pela instabilidade política, o país viu o fluxo de turistas diminuir em cerca de 80%. Em 2020, a epidemia da Covid-19 afetou ainda mais o setor e as receitas geradas pelo turismo despencaram perto de 67%.
Florestas comerciais regadas a esgotos podem ajudar nessa complicada situação financeira do Egito, gerando emprego e renda para milhares de trabalhadores. Além das valiosas madeiras e seus produtos e subprodutos, essas florestas ajudam a formar camadas de solos férteis sobre a areia do deserto – as folhas e os galhos que caem sobre os solos são transformados em húmus, o que futuramente poderá criar novos espaços para uma agricultura sustentável.
Quem sabe, essas florestas poderão em breve se transformar em uma nova atração turística do país. Inshallá (Que Deus permita)!