Nessa série de postagens, estamos apresentando um pequeno resumo dos grandes problemas ambientais da Rússia atual. Essa lista não ficaria completa sem a inclusão das grandes catástrofes ambientais levadas a cabo nos tempos da URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o grande bloco de países criado a partir da Revolução Russa ou Bolchevique de 1917 e que perdurou até 1991. A maior de todas essas catástrofes ambientais foi a destruição do Mar de Aral, na Ásia Central.
O Mar de Aral era, até poucas décadas atrás, o quarto maior lago do mundo. Localizado entre o Cazaquistão e o Uzbequistão, na Ásia Central, costumava ocupar uma área total de 68 mil km², o que corresponde a uma vez e meia a área do Estado do Rio de Janeiro ou o equivalente a 165 vezes a área da Baía da Guanabara. Nada mal para um lago no meio de um grande deserto. Aral, nas línguas uzbeque e cazaque, significa “ilha” – haviam mais de 1.100 naquele mar.
Esse grande espelho d’água ocupava uma grande depressão no terreno, onde formava uma bacia hidrográfica endorreica (sem saída), que recebia os caudais de dois grandes rios – o Amu Daria e o Syr Daria. Estes caudalosos rios nascem na Cordilheira do Himalaia, distante 2.000 quilômetros do lago. O grande volume de água despejado no lago compensava a evaporação de aproximadamente 10% ao ano, mantendo o nível do Aral estável por um longo período geológico e com uma profundidade máxima de 31 metros.
Desde tempos imemoriais, o Mar de Aral era um grande oásis em meio a desertos inóspitos. As margens do Aral abrigavam diferentes grupos étnicos como tadjiques, uzbeques e cazaques, que sobreviviam como agricultores, pescadores, pastores, mercadores e artesãos numa região rica em água, plantas e vida animal. A antiga Rota da Seda, uma das ligações comerciais mais importantes da história da humanidade, cruzava as praias e deltas do Mar de Aral, situado no meio do caminho entre a Europa e a China
Em meados do século XIX, a expansão militar do Império Russo levou à conquista da região do Mar de Aral. Navios militares e pesqueiros da Rússia foram transportados desmontados em caravanas de camelos e montados nas águas do Aral. Após a conquista, foi iniciada uma nova etapa da sua história – o Mar de Aral foi transformado numa fonte de pescados para toda a Rússia, chegando a fornecer, em meados do século XX, 1/6 do volume total dos peixes consumidos pelos povos dos países do bloco soviético.
A guinada na história do Mar de Aral começou com a Revolução Bolchevique de 1917, que levou à criação da URSS, onde países da Ásia Central foram incorporados ao bloco. Dentro do sistema de planejamento central do sistema, todo o grande território da União Soviética foi dividido em função das suas potencialidades econômicas. As planícies desérticas e semidesérticas das Repúblicas da Ásia Central passaram a ser vistas como potenciais produtoras de alimentos e de algodão via sistemas de agricultura irrigada – as fontes de água seriam os caudalosos rios Amu Daria e Syr Daria.
A partir da década de 1920, a área de agricultura irrigada na República do Turquestão foi extensivamente ampliada a fim de atender a uma proclamação de Vladimir Lenin (1870-1924) solicitando o aumento da produção do algodão. Na década de 1930, já sob o comando de Joseph Stálin (1878-1953), o Ministério da Água iniciou a implantação de gigantescos projetos de construção de canais de irrigação no Uzbequistão, Cazaquistão e Turcomenistão, com o objetivo de transformar suas estepes nos celeiros da União Soviética, alcançando a autossuficiência na produção de trigo, cevada, arroz, milho e algodão. O primeiro grande canal de irrigação foi concluído em 1939 no Vale de Ferghana no Uzbequistão; no final da década de 1940 foram concluídos canais em Kizil-Orda no Cazaquistão e na região de Taskent no Uzbequistão.
Após a morte de Stálin em 1953, os novos dirigentes da União Soviética – Nikita Khushchev (1894-1971) e Leonid Breznev (1906-1982), mantiveram a política de produção agrícola nas Repúblicas da Ásia Central, expandindo ainda mais a construção dos grandes canais de irrigação e convertendo ainda mais áreas de estepes para a produção de algodão. Foram construídos o Qara-Qum, um canal com 800 km de extensão entre o rio Amu Daria e Ashkhadab, o sistema de irrigação de Mirzachol Sahra, o canal Chu no Quirguistão e o Reservatório de Bahr-i Tajik no Tadjiquistão.
A partir do final da década de 1950, Moscou decidiu que toda a região irrigada da Ásia Central passaria a se ocupar exclusivamente com a monocultura do algodão – “quando o branco da neve cobre Moscou, o ouro branco do algodão cobre as Repúblicas Soviéticas da Ásia Central”: essa frase passou a ser uma espécie de mantra no Kremlin.
Os planos dos burocratas de Moscou lograram espantosos êxitos, com recordes de produção quebrados sucessivamente ano após ano, porém, com terríveis custos sociais e ambientais. A sangria de recursos hídricos dos rios Amu Daria e Syr Daria para uso em sistemas de irrigação fez cair em 90% o volume de água que chegava ao Mar de Aral. A monocultura do algodão destruiu as tradições culturais dos povos nômades da Ásia Central, sobretudo os cazaques, um povo sem qualquer tradição em agricultura e que não aceitou o programa de propriedade coletiva dos soviéticos – calcula-se que mais de um milhão de pessoas morreram ou abandonaram a região, migrando para outros países.
Em 1960, o nível do Mar de Aral estava cerca de 2 metros mais baixo e a área ocupada pelo seu espelho d’água foi reduzida em 6.000 km². Cinco anos depois, o nível baixou mais 3 metros e o espelho d’água diminuiu outros 5.000 km². Passados dez anos, o nível das águas baixou mais 14 metros e o Mar de Aral ficou reduzido a um terço da sua área original, com um grande aumento da salinidade das suas águas e intensa mortandade de peixes. O porto de Aralsk, onde o lago tinha uma profundidade média de 13 metros, agora estava distante 70 km da margem das águas remanescentes – o colapso do Mar de Aral estava consolidado e a vida de 50 milhões de pessoas teria um futuro incerto.
Um pequeno trecho do lago ao Norte, batizado de Pequeno Aral, conseguiu manter parte de suas águas graças a uma pequena contribuição mantida pelo rio Syr Daria. Com financiamento do Banco Mundial, o Governo do Cazaquistão construiu uma barragem com extensão de 13 km, permitindo a estabilização da profundidade deste trecho remanescente do lago em 4 metros. Esse trecho, mais conhecido como Mar do Norte de Aral, corresponde atualmente a apenas 10% da área original do corpo d’água – todo o restante da área ocupada originalmente pelo lago acabou transformada em desertos de areias salgadas.
Bastaram pouco mais de 50 anos de obras inconsequentes planejadas por burocratas do Kremlin para destruir um dos mais fascinantes lagos do mundo. Esses burocratas seguiam apenas as suas planilhas com as metas de produção, sem ouvir nenhum especialista em recursos hídricos. Consta que, na década de 1940, um alto funcionário do Ministério da Água, respondendo aos questionamentos de um grupo de cientistas preocupados com as consequências dos programas de irrigação na Ásia Central, respondeu:
“- O Mar de Aral precisa morrer como um soldado na Guerra! ”
Demorou, mas enfim a morte chegou…
[…] UM DOS GRANDES CRIME… em OS VENTOS SALGADOS DO “AR… […]
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[…] Além de sair comprando fabulosas quantidades de commodities agropecuárias a “torto e a direito”, como dizemos no meu bairro, por todo o mundo, os chineses também vem buscando outras fontes alternativas para o sustento da sua população. Dentro do país estão sendo feitos trabalhos para aumentar as terras agrícolas em cerca de 25%. A chave para o sucesso desse projeto são gigantescas obras para a construção de canais de irrigação em áreas desérticas do país, a exemplo do que Israel faz no Deserto de Negev e que fez a antiga União Soviética no Mar de Aral. […]
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