
Quando os primeiros exploradores europeus chegaram à costa brasileira no ocaso do século XV, encontraram uma densa cobertura florestal ao longo do litoral, com árvores chegando até a linha da areia das praias. Essa era a Mata Atlântica, uma floresta que há época se estendia do litoral do Rio Grande do Norte ao litoral Norte do Rio Grande do Sul.
Com todos devem saber, perto de 90% dessa floresta foi destruída ao longo de nossa colonização. Em trechos do litoral Sul do Estado do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Paraná, ainda existem fragmentos litorâneos da Mata Atlântica, o que nos dá uma boa ideia de como era essa floresta naqueles tempos.
A primeira impressão que os exploradores tiveram era que toda a terra era coberta por densas florestas. Após o início da colonização efetiva do Brasil a partir da década de 1530, foram organizadas expedições para vasculhar mais ao interior do território. Na região Nordeste, esses exploradores perceberam rapidamente que a floresta tinha uma largura máxima de 80 km e que o interior nordestino tinha um clima semiárido.
Com o passar do tempo, os Governantes da Colônia organizaram expedições melhor estruturadas para avançar mais a fundo território a dentro – essas expedições eram conhecidas como bandeiras e seus membros conhecidos como bandeirantes. Talvez você não saiba, mas, além das conhecidas bandeiras organizadas pelos paulistas, existiram várias bandeiras nordestinas. Essas bandeiras descobriram que, muito além do semiárido nordestino, existia um tipo de vegetação e um clima diferente, que parte do ano era chuvosa e na outra seca. Falamos aqui do Cerrado.
Esse grande “desertão” interior do território brasileiro, que passou a ser chamado apenas de sertão, com terras ácidas e de pouca fertilidade, acabou ficando em um plano secundário até poucas décadas atrás. No começo da década de 1970, a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, desenvolveu sementes de grãos adaptadas aos solos e ao clima do Cerrado, mudando completamente os destinos do bioma. Graças a essas sementes e aos grandes recursos hídricos da região, o Cerrado acabou transformado no novo celeiro do Brasil, quiçá do mundo.
Além dos solos característicos, o Cerrado possui um clima muito peculiar – um período quente e chuvoso em cerca de metade do ano, seguido por um período quente e muito seco a seguir. Com um manejo adequado e com uso de irrigação, o bioma garante duas safras agrícolas por ano, uma vantagem altamente competitiva quando comparada a outros países de clima temperado, onde só é possível uma safra anual.
O alerta de emergência hídrica, decretado pelo SNM – Sistema Nacional de Meteorologia, no último dia 27 de maio e sobre o qual falamos na última postagem, pode indicar que muitos produtores rurais terão problemas de falta de água para a irrigação de suas plantações. Esse alerta indica que as chuvas ficarão abaixo da média em grandes áreas dos Estados de Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná, áreas essas que estão dentro da bacia hidrográfica do rio Paraná.
Solos férteis, sol e água, além de gases atmosféricos como o gás carbônico, são os insumos fundamentais para a pratica da agricultura. E quando falamos em água, falamos em muita água. De acordo com dados da FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, 70% da água disponível no mundo é utilizada para irrigação de plantações. No Brasil, esse índice é ligeiramente maior – são 72%.
Porém, isso não é tudo – a tendência é que haja um aumento de 50% no uso da água em sistemas de irrigação nos países mais desenvolvidos até o ano de 2025. Em países em desenvolvimento como o Brasil, projeta-se um aumento de até 18% no consumo no mesmo período.
Para complicar ainda mais a situação, os chineses tem aumentado continuamente as suas importações de alimentos e vivemos uma forte pressão para o aumento da oferta de grãos. Ou seja, estamos gastando volumes cada vez maiores de água para irrigação de nossos campos, especialmente na região do Cerrado. Em tempos de poucas chuvas, isso representa um grande problema.
De acordo com a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, a irrigação é um método artificial de aplicação de água na agricultura, cujo principal objetivo é viabilizar os cultivos nos locais onde a escassez de água limita a atividade agrícola. A aplicação da água pode ser feita das seguintes formas: total, suplementar, com déficit hídrico e de salvação.
Irrigação total é aquela onde toda a água necessária para atender a demanda hídrica das culturas é aplicada via irrigação. Irrigação suplementar ocorre quando é necessário compensar as perdas de água das chuvas que evaporaram com o calor. Irrigação com déficit ocorre quando se planeja atender somente uma fração da demanda hídrica da cultura e irrigação de salvação quando se planeja irrigar somente num período relativamente curto ou em um estágio do cultivo. Todas essas técnicas de irrigação são o resultado de milhares de anos de experiência da humanidade com o cultivo da terra em diferentes solos e climas.
Foram desenvolvidas diferentes técnicas de irrigação ao longo das diferentes épocas. As mais usadas atualmente são:
Irrigação de superfície: a água é aplicada de forma concentrada, em sulcos de irrigação abertos paralelamente às fileiras das plantas. É um método que apresenta baixa eficiência no uso da água. É recomendado apenas para situações específicas de solos de textura médio-argilosa e topografia plana. Essa é a técnica mais tradicional, que vem sendo usada desde a antiguidade, normalmente utilizada por pequenos produtores. A água corre pelos sulcos usando a força da gravidade ou usando sistemas elementares de bombeamento: manual, por tração animal ou por “moinhos” de vento;
Irrigação por aspersão: a água é aplicada por emissores chamados de aspersores, que possuem bocais, por onde a água é aspergida sob pressão, em forma de uma chuva artificial (vide foto). Os aspersores são conectados por conjuntos de tubulações a uma bomba centrífuga, responsável pela pressurização do sistema. É um método que apresenta uma eficiência de aplicação de água em torno de 70% a 80%.
Irrigação localizada: a água é aplicada de forma localizada, próxima às fileiras das plantas. O sistema de irrigação mais utilizado é o gotejamento subsuperficial, no qual as linhas gotejadoras são enterradas a uma profundidade de 25 centímetros, entre as fileiras duplas das plantas. Apresenta elevada eficiência de aplicação de água – 90% a 95%. Como desvantagem, apresenta elevado investimento inicial com a aquisição das linhas gotejadoras, tubulações, filtros e acessórios, sendo por isso ainda pouco utilizada.
Aqui no Brasil, a irrigação por aspersão é a mais utilizada. Além das perdas de água por evaporação, esses sistemas costumar apresentar grandes desperdícios de água por problemas em mangueiras, bombas ou simplesmente pela operação inadequada – muitos produtores fazem a irrigação em horários de excessivo calor, o que resulta em perdas ainda maiores.
Sistemas de irrigação localizada por micro gotejamento, que são os mais eficientes e são comuns em países com agricultura altamente desenvolvida como é o caso de Israel, são extremamente caros para a realidade de muitos dos nossos produtores rurais e farão muita falta nesse momento de rios com baixos níveis e chuvas raras em muitas regiões.
Em tempos com mudanças climáticas em andamento e com variações visíveis nos padrões de chuva em muitas regiões de nosso país, será cada vez mais importante que se façam discussões sérias sobre os usos e as perdas de água na nossa agricultura. Isso é fundamental em um país que está se transformando numa das maiores potências agrícolas do mundo.