
Em meados da década de 1980, Cubatão era reconhecida como a cidade mais poluída do mundo e passou a ser chamada de o “Vale da Morte”. As razões para isso, que apresentamos resumidamente na última postagem, foram a instalação de um polo petroquímico na região e a política de desenvolvimento a qualquer custo há época. A falta de uma política e de uma rígida legislação de meio ambiente ajudou a amplificar os problemas.
Para que todos tenham uma ideia da situação caótica que imperava na região – de acordo com dados da Cetesb – Companhia Ambiental de São Paulo, de julho de 1984, o rio Cubatão recebia despejos diários de 64 toneladas de poluentes. Essa conta não incluí os volumes de poluentes carreados para o canal do rio pelas águas pluviais e percolados a partir das águas subterrâneas. Além das águas, a poluição do ar, calculada há época em 40 toneladas/dia de gases tóxicos e material particulado, e dos solos também era altíssima. A situação ambiental do munícipio era desesperadora.
Todo esse caldeirão de problemas ambientais tinha reflexos diretos nos mais de 100 mil habitantes do município. Entre os muitos problemas de saúde apresentados pela população, alguns eram alarmantes. Foi observado um aumento no número de moradores com doenças pulmonares e, o mais grave: um número recorde de crianças recém-nascidas com anencefalia (sem cérebro). Estudos feitos em um lote de amostras de sangue de 500 moradores constatou que 35% estavam intoxicados por poluentes – chegava a hora de se tomar alguma atitude a fim de frear a poluição em Cubatão.
A redenção de Cubatão e de toda a sua população começou em 15 de janeiro de 1985, quando Tancredo Neves foi eleito Presidente da República indiretamente por um Colégio Eleitoral, pondo fim a 21 anos de Governos Militares autoritários. Entre as muitas mudanças trazidas pela democracia estava o fim da censura dos meios de comunicação – depois de muito tempo, os brasileiros passariam a saber o que verdadeiramente estava acontecendo no seu país. Não demorou muito para as trágicas notícias sobre a situação de Cubatão começarem a ganhar espaços nas manchetes.
Graças às pressões e demandas populares reprimidas que se seguiram à abertura democrática, as coisas começaram a mudar em nossa sociedade. O Programa de Controle da Poluição de Cubatão, que foi criado pelo Governo de São Paulo em 1984, ganhou fôlego e as coisas começaram a sair do papel. Foi criada a Comissão Especial da Serra do Mar e uma série de programas para a recuperação de Cubatão começaram a andar. Vejam alguns desses planos:
– Programa de Controle da Poluição das Águas, que resultou no controle de 100% das fontes industriais e de grande parte dos esgotos domésticos lançados nos corpos d’água do município. Graças a esse Programa, sistemas de controle foram implantados em todas as fontes de poluição identificadas, com reflexos diretos nos ecossistemas aquáticos e na pesca;
– Programa de Controle da Poluição Atmosférica: permitiu o controle de 98,8% das fontes de poluição do ar, fazendo com que as indústrias instaladas no Polo Industrial instalassem filtros e equipamentos de controle, num investimento superior a U$ 1 bilhão. Esse programa forçou as indústrias a modernizarem seus equipamentos e sistemas de produção, utilizando tecnologias mais modernas e menos poluentes, controlando e monitorando as emissões em tempo real;
– Programa de Gerenciamento de Riscos com ações preventivas (estudos de análise de risco, implantação de sistemas de monitoramento e controle, treinamentos, entre outros) e planos de ações emergenciais, permitindo o gerenciamento de todos os recursos disponíveis para atender situações de emergências ambientais e de contenção de vazamentos de produtos químicos;
– Os resíduos industriais gerados no município passaram a ser controlados e gerenciados com rigor pela Cetesb, que também iniciou um programa de identificação de áreas de despejo irregular de resíduos, com identificação e responsabilização das empresas, que seriam obrigadas a arcar com a recuperação ambiental destas áreas;
– Programas de contenção das encostas da Serra do Mar, com implantação de projetos para a proteção das drenagens de águas pluviais e de revegetação de um trecho da Mata Atlântica, por meio de plantios manuais e de semeaduras aéreas, quando foi testado com sucesso um novo sistema de lançamento de sementes com o uso de um helicóptero;
– Através da CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, em parceria com a Prefeitura de Cubatão foram construídos diversos conjuntos habitacionais na cidade, possibilitando a transferência de populações das áreas de riscos e das proximidades das áreas industriais.
Dados da Cetesb, referentes ao ano de 2010, mostram que as águas do rio Cubatão tiveram uma redução de 93,8% no nível de poluentes, sendo 93% de redução da DBO – Demanda Bioquímica de Oxigênio, 90% de redução na carga de resíduos sólidos, 97% de redução no lançamento de metais pesados, 80% nos fenóis e 96% nos fluoretos. A totalidade das fontes geradoras de poluentes nas indústrias foi controlada e passou a ser monitorada em tempo real.
O rio Cubatão ainda apresenta uma série de problemas, mas a situação atual é infinitamente melhor do que foi há algumas décadas atrás. Esgotos in natura ainda são despejados na calha do rio, que também sofre com o despejo e carreamento de resíduos domésticos descartados irregularmente pela população. O lodo que recobre boa parte do fundo da calha do rio ainda está saturado com metais pesados dos antigos despejos industriais, porém ainda não existe uma maneira segura de remover esses resíduos sem criar maiores problemas ambientais.
As antigas populações caiçaras que viviam no delta do rio Cubatão há muito tiveram de se mudar para outras regiões. Mesmo com a visível melhoria das condições ambientais das águas, o consumo de peixes e frutos do mar originários desse local não são recomendados pelos órgãos de vigilância sanitária – assim como acontece com o lodo do fundo do rio, os solos desses manguezais ainda concentram grandes volumes de poluentes e metais pesados.
Apesar de alguns problemas persistentes, as mudanças no meio ambiente e na qualidade de vida da população de Cubatão são impressionantes, especialmente para aqueles que conheceram o antes e o depois da região. Uma amostra das mudanças: em 1984 foram decretados 17 vezes os Estados de Alerta e ou de Emergência no município – a partir de 1995 esse número caiu para zero.
Em um mundo ideal, que imagino eu ser uma meta de todos, a história de Cubatão não deve ser repetida. Todos os cuidados devem ser tomados para conseguir estabelecer um perfeito equilíbrio entre o desenvolvimento econômico, a equidade social e a preservação ambiental. Esse é o tal do “desenvolvimento sustentável”.
Para encerrar, uma das imagens mais marcantes da recuperação ambiental do rio Cubatão foi a volta dos guarás-vermelhos (Eudocimus ruber). A cor das penas dessas aves (vide foto) tem origem em substâncias químicas presentes nos moluscos encontrados nas águas dos rios e dos manguezais e que formam a base da sua dieta. Quanto mais vistosa é a cor vermelha das aves, melhor a saúde do meio ambiente.