OS GUARÁS-VERMELHOS E O RIO CUBATÃO

Guará-vermelho

Uma forma bastante “didática” para entender os impactos da poluição das águas de um rio sobre uma espécie animal é acompanhar a saga dos guarás-vermelhos do rio Cubatão, na região da Baixada Santista, Estado de São Paulo. Durante décadas, a intensa poluição desse rio fez os vistosos guarás “desaparecerem” do mapa. Em anos recentes, após um intenso projeto governamental para o controle das fontes de poluição em Cubatão, os guarás-vermelhos, milagrosamente, reaparecem. Deixem-me explicar: 

A história da poluição em Cubatão remonta à década de 1950, quando o município foi escolhido para sediar a Refinaria Arthur Bernardes da Petrobras. Localizado a apenas 12 km do Porto de Santos, a 47 km da cidade de São Paulo, servido por rodovias e ferrovias e ao lado da Usina Hidrelétrica Henry Borden, o município oferecia todas as condições para sediar um importante pólo petroquímico. No início da década de 1970, Cubatão já havia se transformado no maior pólo industrial do país, sediando empresas dos setores petroquímico, químico e de fertilizantes, além de possuir uma grande empresa siderúrgica, a Cosipa – Companhia Siderúrgica Paulista. 

Sem entrarmos em maiores detalhes, é bastante fácil perceber que estas indústrias lidam com matérias primas e produtos altamente poluentes e foram implantadas na região de Cubatão numa época em que não existiam maiores preocupações com a poluição do ar, da água e dos solos. Aqueles eram tempos do desenvolvimento a qualquer custo, cujo ápice foi a era do chamado “Milagre Econômico Brasileiro” no início da década de 1970. Não tardou muito para a região passar a ser conhecida como o “Vale da Morte”. Alguns dados ambientais do município à época: 

  • As empresas do Pólo Industrial de Cubatão lançavam na atmosfera aproximadamente 40 toneladas/dia de gases tóxicos e material particulado; 
  • Despejo clandestino de centenas de toneladas de rejeitos e resíduos industriais de todos os tipos, incluindo-se na lista o perigoso Pó da China, um desinfetante, fungicida, inseticida, bactericida e moluscocida sintético e altamente tóxico para os seres humanos e para o meio ambiente, banido do mercado na década de 1980. 
  • Despejos de efluentes industriais dos mais diversos tipos e origens nas águas, combinado com os esgotos domésticos da população, águas pluviais ácidas e águas subterrâneas contaminadas pelos aterros de resíduos químicos. O rio Cubatão, o principal curso d’água do município, era o principal destino de toda essa carga poluidora e, consequentemente, era um retrato da devastação ambiental regional. 

O rio Cubatão é formado pela junção das águas de vários rios na vertente da Serra do Mar, com destaque para os rios Pilões, das Pedras, Perequê e Capivari. O rio atravessa todo o município de Cubatão e se abre num extenso delta ao chegar na região do estuário de Santos, onde forma uma grande região de importantes manguezais. Somente para relembrar a importância histórica e econômica desta região, a primeira cidade fundada no Brasil foi São Vicente em 1532 e, na cidade vizinha – Santos, funciona o maior e mais importante porto do Brasil. Esses manguezais, durante séculos, garantiram o fornecimento de pescados e frutos do mar para a população de toda a região, até que a intensa poluição inviabilizasse as atividades pesqueiras e de coleta nestes manguezais.  

As águas do rio Cubatão são captadas na base da Serra do Mar e sempre foram uma importante fonte de abastecimento de água da população da região. A Sabesp – Companhia de Abastecimento de São Paulo abastece 1 milhão de habitantes, em 5 cidades da região com águas captadas na bacia hidrográfica do rio Cubatão, demonstrando a importância regional do rio e a preocupação com os danos provocados pela intensa poluição de suas águas. 

Uma das primeiras fontes de poluição observadas no rio Cubatão foram as águas que desciam da represa Billings em direção da Usina Henry Borden, que apresentavam sinais de contaminação por esgotos, transpostos a partir das águas do já poluído rio Tietê a partir de 1950. Na mesma época, após a construção da Refinaria Arthur Bernardes e de todas as indústrias associadas instaladas no Polo Industrial de Cubatão, o rio passou a receber cargas de poluentes em volumes crescentes. Dados da Cetesb – Companhia Ambiental de São Paulo, mostram que até julho de 1984 eram despejadas 64 toneladas/dia de poluentes no rio Cubatão, sem contar os volumes de poluentes carreados para o canal do rio pelas águas pluviais e percolados a partir das águas subterrâneas. 

O município de Cubatão passou por um intenso e dramático programa de despoluição a partir do ano de 1984, capitaneado pelas autoridades do Governo do Estado de São Paulo, pelas indústrias e sociedade civil. Foram criados diversos programas para o controle da poluição do ar, do solo e das águas, além de programas para o reflorestamento e contenção das encostas da Serra do Mar, construção de conjuntos habitacionais para a transferência de moradores das áreas de risco, investimentos em saúde, educação e saneamento básico. Os resultados de todos estes esforços gradativamente passaram a ser vistos na qualidade do ar e das águas, que melhoraram a olhos vistos. 

Dados da Cetesb, referentes ao ano de 2010, mostram que as águas do rio Cubatão tiveram uma redução de 93,8% no nível de poluentes, sendo 93% de redução da DBO – Demanda Bioquímica de Oxigênio, 90% de redução na carga de resíduos sólidos, 97% de redução no lançamento de metais pesados, 80% nos fenóis e 96% nos fluoretos. A totalidade das fontes geradoras de poluentes nas indústrias é controlada e monitorada em tempo real, porém ainda existem fontes de poluição difusa, especialmente percolações originadas nos muitos aterros de resíduos (frequentemente, novas áreas de aterros clandestinos são descobertas na região). O combate a este tipo de poluição depende a remoção dos volumes de solo contaminados, que precisam ser transportados para uma usina onde receberão um tratamento térmico – esse processo é lento, caro e vários Estados proíbem a entrada destes resíduos em suas fronteiras (a fumaça gerada no processo de queima pode liberar dioxinas, compostos químicos altamente tóxicos). 

Uma das consequências mais marcantes observadas ao longo do processo de despoluição do município de Cubatão pode ser observada no uso racional da água – 96% da água doce utilizada pelas indústrias passou a ser recirculada – a água passa por processos de tratamento por decantação, floculação e filtragem antes de ser reutilizada nos processos industriais. Com isso, há uma substancial redução na necessidade de captação de água na bacia hidrográfica e também no descarte de efluentes líquidos – tudo isso contribuiu para a preservação e recuperação ambiental do rio Cubatão. 

Os guarás vermelhos (Eudocimus ruber), espécie de ave que também é conhecida como íbis-escarlateguará-rubro e guará-pitanga, que sempre habitou a região e que havia desaparecido, voltou a habitar as margens do rio Cubatão. A cor vermelha de suas penas tem origem em substâncias químicas encontradas nos moluscos que compõem a sua dieta – ao longo dos anos de poluição intensa, estes moluscos desaparecem dos manguezais e os pobres guarás passaram a apresentar uma plumagem branca e sem graça. Com a melhoria da qualidade das águas, os guarás voltaram a exibir sua vistosa plumagem vermelha, num sinal de tempos cada vez melhores em Cubatão, apesar dos muitos problemas que ainda persistem. 

Ou seja, os guarás-vermelhos voltaram sem nunca ter ido a lugar nenhum. 

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