
O rio dos Sinos tem suas nascentes em áreas de Mata Atlântica em altitudes superiores a 800 metros no município de Caraá, na região Nordeste do Rio Grande do Sul. Ele percorre um curso bastante sinuoso com cerca de 190 km, localizado em sua maior parte já dentro do domínio dos Pampas, até desaguar na região do Delta do Rio Jacuí e Lagoa do Guaíba.
É justamente por causa desse curso cheio de curvas ou sinos, em um português mais arcaico, que o rio ganhou esse nome. Curiosamente, a palavra sino também está associada ao instrumento de percussão normalmente encontrado nas torres das igrejas e que converge ao mesmo significado do nome indígena do rio – Itapuí, a “água do barulho da pedra”.
A região onde se encontram as nascentes do rio dos Sinos estão localizadas dentro da área de ocorrência da Unidade Geomorfológica Coxilha das Lombas, o terceiro maior aquífero do Rio Grande do Sul. Esse aquífero se estende desde a região de Tapes, na Lagoa do Guaíba até a Lagoa dos Barros, em Santo Antônio da Patrulha.
Além do rio dos Sinos, essa região também abriga as nascentes de outro importante rio gaúcho – o Gravataí. As nascentes de água dessa região são essenciais para o abastecimento da população da Região Metropolitana de Porto Alegre.
A região onde encontramos o rio dos Sinos vem sendo ocupada, desde o século XVII, por estâncias voltadas a criação de gado, com forte tradição na produção de carne salgada e artigos de couro. A partir do século XIX, com a intensa imigração de colonos, especialmente de origem alemã, cidades foram fundadas em toda a região. A combinação da disponibilidade de couro e das técnicas de produção introduzidas pelos imigrantes, levou ao início do processo de industrialização regional voltado para os setor coureiro-calçadista.
Com o desenvolvimento econômico, as cidades da região passaram a receber imigrantes vindos das áreas rurais e passaram a crescer fortemente. Desenvolvimento econômico e crescimento populacional, normalmente, acabam resultando na poluição de corpos d’água, o que infelizmente foi o que ocorreu com o rio dos Sinos e outros rios da região.
Apesar de não ser um tão extenso quanto os rios Tietê e Iguaçu, o rio dos Sinos conseguiu a verdadeira façanha de chegar à posição de 4º rio mais poluído do Brasil. E não é só isso – junto com seus vizinhos, os rios Gravataí e Caí, eles formam a trinca dos rios mais poluídos do Rio Grande do Sul.
Um exemplo do grau de degradação do rio dos Sinos – em 2006 houve um gigantesco desastre ambiental nas águas do rio e que resultou na mortandade de mais de 90 toneladas de peixes. Estudos posteriores feito por equipes de monitoramento da UNISINOS – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, encontrou mais de 2.100 tubulações de despejos de esgotos domésticos ao longo das margens do rio e mais de 1.500 pontos onde a mata ciliar foi destruída.
O relatório do caso divulgado na época pela FEPAM – Fundação Estadual de Proteção Ambiental, apontou como causas do desastre os despejos de efluentes químicos por seis empresas da região, além da alta carga de esgotos domésticos lançados in natura nas águas do rio.
O rio dos Sinos atravessa uma região com importantes cidades, onde vive uma população de mais de 1,3 milhão de habitantes, conhecida como Região do Vale do Rio dos Sinos. Essa região tem uma forte economia com base industrial formada por curtumes, indústrias químicas, metalúrgicas, produtoras de plásticos e de componentes para calçados. A região concentra o maior polo calçadista do Brasil e, na esteira, um grande número de curtumes e indústrias associadas.
A cidade de Novo Hamburgo, uma das mais importantes da região, é sede da FIMEC – Feira Internacional de Couros, Produtos Químicos, Componentes, Máquinas e Equipamentos para Calçados e Curtumes, considerada o maior evento do setor na América Latina e o segundo maior do mundo. Desde a década de 1970, o evento atrai comerciantes, empresários, industriais e clientes de todo o Brasil e países vizinhos, que buscam os novos lançamentos e as tendências do setor coureiro-calçadista.
Agora vejam o outro lado – apesar de toda a sua importância econômica regional, Novo Hamburgo trata apenas 4% dos esgotos coletados na cidade. De acordo com informações da COMUSA – Companhia Municipal de Saneamento de Novo Hamburgo, a maior parte dos esgotos domésticos gerados diariamente pela população são despejados in natura nos arroios Pampa e Luiz Rau, que desaguam no rio dos Sinos.
O couro foi um dos primeiros materiais utilizados como matéria prima pela humanidade. Era uma espécie de subproduto dos animais caçados para alimentação dos grupos humanos. O couro era removido, limpo e seco, para então ser utilizado na forma de tapetes, de mantas, roupas e utensílios para o uso diário. Por se tratar de matéria orgânica, esses “objetos” tinham uma vida útil bastante curta – conforme o couro apodrecia, era substituído por novas peças retiradas de animais recém caçados.
Com o passar do tempo, foram sendo descobertas técnicas para o tratamento do couro, o chamado curtimento, o que resultou num aumento progressivo da vida útil do material. O curtimento é um processo que mumifica o couro, estabilizando o teor de umidade e garantindo a durabilidade. Calcula-se que aproximadamente 80% do couro usado no mundo seja empregado na fabricação de calçados, o que justifica a presença de tantos curtumes na Região do Vale do Rio dos Sinos. O percentual restante é destinado a outros setores como o automotivo e a indústria da moda.
Os couros mais utilizados no Brasil são os retirados do gado bovino, seguido pelos couros de cabras, ovelhas, búfalos e avestruzes. Atualmente, novos tipos de couros vêm sendo produzidos em pequena escala no país, como os couros de jacarés com origem em criadouros autorizados pelo IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. Também estão aproveitados couros de algumas espécies de peixes comerciais (couro de tilápia, por exemplo), entre outros.
As peças de couro bruto passam por um processo de raspagem, onde restos de carne, gordura, pelos e outras impurezas indesejadas são retiradas. Numa etapa seguinte, o couro recebe um tratamento químico para eliminação de todas as bactérias. Nos curtumes modernos, o processo final de curtimento dos couros utiliza sais de cromo. De acordo com informações do CRQ – Conselho Regional de Química, aproximadamente 98% dos couros produzidos no Brasil são tratados com sais de cromo.
Após o processo de curtimento, que vai garantir maciez e durabilidade ao produto, alguns tipos de couro ainda passam por etapas tingimento, onde serão aplicados diversos corantes e produtos químicos, cujos efluentes se somarão aos resíduos gerados no curtimento. Durante décadas, os efluentes e resíduos, contaminados com produtos químicos e cromo, gerados nos curtumes das cidades do Vale do Rio dos Sinos, eram despejados nos arroios e rios da região sem qualquer tipo de tratamento.
O cromo é um metal de transição com importantes aplicações na metalurgia, especialmente na produção do aço inoxidável. Os compostos de cromo (estado de oxidação +6) são muito oxidantes e podem ser altamente nocivos. Em altas concentrações, estes compostos podem causar diversos problemas à saúde humana, indo desde problemas respiratórios, infecções, infertilidade e deficiências congênitas. Algumas espécies de plantas e animais regulam suas funções metabólicas através de pequenas doses de cromo.
Lançado junto com os efluentes nas águas dos rios, o cromo pode causar problemas nas guelras dos peixes e também provocar alguns tipos de câncer em animais que bebam ou mantenham contato com estas águas. Profissionais que trabalham nos curtumes, expostos diariamente a toda uma série de produtos químicos, podem apresentar problemas como rinite, lesões no estômago e na pele e, em casos extremos, riscos de desenvolver câncer no pulmão.
Estudos publicados em 2012 indicavam que, de toda a carga bruta de cromo gerada no Estado do Rio Grande do Sul, cerca de 90% se encontrava na bacia hidrográfica do rio dos Sinos. Nos últimos anos, os órgãos ambientais do Estado do Rio Grande do Sul passaram a realizar um forte trabalho de controle das fontes geradoras de cromo e de outros efluentes industriais originados nas indústrias químicas e nos curtumes. Apesar dos lançamentos de efluentes industriais nas águas do rio dos Sinos estar sob controle, os lançamentos de esgotos domésticos continuam.
Em média, apenas 5% destes dos esgotos gerados pelas cidades da região do rio dos Sinos recebem um tratamento adequado em ETEs – Estações de Tratamento de Esgotos. Ironicamente, o rio dos Sinos é um dos grandes mananciais de abastecimento das cidades da região, que captam e tratam suas águas poluídas para distribuir para a população, processo que consome inúmeros recursos e grandes quantidades de produtos químicos.
Como se não bastasse toda essa gama de problemas ligados à indústria do couro, a bacia hidrográfica do rio dos Sinos também sofre com os problemas triviais de outros rios brasileiros: despejos e carreamento de resíduos sólidos, lixiviação de efluentes de aterros sanitários e de “lixões”, descarte de resíduos da construção civil, desmatamento de áreas de nascentes, carreamento de resíduos de agrotóxicos e fertilizantes de áreas de produção agrícola, entre outros.
Além de todos os impactos a nível local, a degradação ambiental das águas do rio dos Sinos também terá seus reflexos na Região Metropolitana de Porto Alegre, um aglomerado de 34 municípios e onde vive uma população próxima dos 4,5 milhões de habitantes. Os vales dos rios do Sinos, Caí e Gravataí concentram grande parte dos pontos de captação da água usada no abastecimento dessa grande população. Apesar da aparente grande disponibilidade, a qualidade das águas desses mananciais é sofrível.
A “receita da destruição” do rio dos Sinos é a mesma encontrada em outras regiões brasileiras: forte crescimento populacional devido a migração do campo para as cidades, combinada com um crescimento econômico “a qualquer custo”.
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