Com aproximadamente 39 km de extensão, o rio Gravataí consegue uma verdadeira proeza: ele é o 5° rio mais poluído do Brasil (extraoficialmente, com o rio Paraíba do Sul subindo da 10° para a 5° posição no ranking nacional, o rio Gravataí caí para a 6° posição). Outra façanha deste pequeno notável: suas águas são usadas para o abastecimento de uma população de mais de 1 milhão de habitantes na Região Metropolitana de Porto Alegre. Antes de conhece-lo melhor, deixem que eu explique o título do post: é uma referência a cantora, portuguesa de nascimento e brasileira de alma, Carmen Miranda (1909-1955) – primeira “pop star” de nossas terras a ganhar fama e reconhecimento mundial. Era conhecida como a “Pequena Notável” – tinha apenas 1,52 m de altura, mas um talento grandioso.
O rio Gravataí é um típico rio gaúcho, com nascentes numa extensa área de banhado – o Banhado Grande, entre os municípios de Santo Antônio da Patrulha, Glorinha, Gravataí e Viamão, onde recebe contribuições de inúmeros cursos d’água destes municípios, inclusive de áreas dos Banhados Chico Lomã e dos Pachecos. Aliás, a extensão do rio citada considera o trecho entre o Banhado Grande e o Delta do Jacuí: algumas fontes consideram a extensão total do rio bem maior, na faixa de 70 km – uma fonte consultada fala de uma extensão total de 100 km. Todas estas fontes estão, é claro, somando o curso de algum afluente à extensão total do rio.
Para falar adequadamente do rio Gravataí e dos seus problemas, é fundamental que se faça uma clara divisão geográfica do corpo d’água: vamos chamar a primeira área de “selvagem”, numa referência ao trecho do Banhado Grande, que apesar de já se encontrar bastante impactado, ainda apresenta muita vida selvagem e paisagens bucólicas e muito próximas do que seria encontrado num passado distante – vamos falar dessa região na próxima postagem. Um outro lado, infelizmente o mais triste, mostra um rio metropolitano que foi sufocado e destruído pelo crescimento descontrolado das cidades. O nome do rio tem origem nas línguas tupi e guarani, fazendo referência ao gravatá, planta da família das bromélias muito comum na região – significando, literalmente, “o rio dos gravatás”.
No seu caminho entre o Banhado Grande e o Delta do Jacuí, o rio Gravataí banha, total ou parcialmente, nove municípios – Gravataí, Cachoeirinha, Santo Antônio da Patrulha, Glorinha, Alvorada, Viamão, Canoas, Porto Alegre e Taquara. Para entender como se deu a formação da maioria destas cidades, é preciso voltar para meados do século XVIII, quando Portugal e Espanha assinaram em 1750 o Tratado de Madrid. Estes dois países travavam na época uma disputa ferrenha pelo estabelecimento das fronteiras entre seus territórios na América. Pelo novo Tratado, Portugal se comprometia a entregar para a Espanha a região de Colônia de Sacramento, no atual território do Uruguai; Portugal ficaria com a posse definitiva da região dos Sete Povos das Missões no Oeste do Rio Grande do Sul. Esse tratado foi retificado anos depois com a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso em 1777, onde ficou estabelecida a forma como se faria essa permuta de territórios. Uma das cláusulas deste Tratado estabelecia a desocupação das terras pelos índios Guaranis; o Governo Português pretendia assentar colonos açorianos na Região das Missões e, para que isso fosse possível, as terras deveriam estar “livres” de índios. Os guaranis se recusaram a abandonar seus territórios e o impasse descambou para um conflito armado, conhecido historicamente como Guerra Guaranítica. Uma das consequências da confusão generalizada que se formou nas Missões foi o remanejamento dos colonos açorianos para os vales dos rios Caí, na região central do Rio Grande do Sul, e Gravataí.
Na região do rio Gravataí já existiam algumas sesmarias de terras, que eram concessões de propriedades do Governo Colonial a particulares. Em uma destas sesmarias existia um pequeno assentamento conhecido como Aldeia dos Anjos, embrião da cidade de Gravataí. Além de receber os colonos açorianos, a região abrigou um grupo de mil índios guaranis, refugiados do conflito na região das Missões. Esses índios foram treinados para o trabalho na agricultura e iniciaram o cultivo dos campos de trigo, que passaram a ser introduzidos nas terras férteis da região do vale do rio Gravataí. Aos poucos, a região passou a abastecer Porto Alegre com alimentos, cerâmicas e farinha de trigo, beneficiada em várias moendas que surgiram nas cidades da região. Com o passar dos anos, a região também passou a produzir farinha de mandioca, produto que passou a ser vendido para todo o Estado do Rio Grande do Sul e outras regiões do Brasil e do exterior.
A partir de meados do século XX, os municípios da região do rio Gravataí passaram a abrigar indústrias do segmento metal-mecânico, processo de industrialização que ganhou muito fôlego a partir da década de 1960. A região se consolidou como um dos mais importantes polos de indústrias metal-mecânicas do Brasil. Com a industrialização, as cidades da região passaram a atrair grandes contingentes de migrantes, que trocavam o trabalho no campo pelas fábricas das cidades. Num roteiro já bastante conhecido por todos, as cidades ao longo do rio Gravataí cresceram rápido e sem planejamento – e o rio Gravataí pagou caro por todo este crescimento destas áreas urbanas. Grandes populações necessitam de grandes volumes de água para o seu abastecimento; quando grandes volumes de água são consumidos pelas populações, grandes volumes de esgotos são gerados – o Gravataí ofereceu tanto a água usada no abastecimento quando a sua calha para receber os volumes crescentes de esgotos gerados pelas cidades.
A industrialização e o crescimento urbano precisou de menos de 50 anos para transformar o Gravataí, um rio de águas límpidas, no 5° rio mais poluído do Brasil. Áreas de matas ciliares e de banhados foram destruídas e a calha do rio passou a sofrer um intenso processo de assoreamento e de entulhamento. Lixo e resíduos sólidos de todo o tipo passaram a fazer “parte da paisagem” – margens cobertas por grandes montes de areia e entulho passaram a dividir espaço com restos de móveis, eletrodomésticos e pneus velhos; em muitos trechos, o que sobrou para as águas do rio continuarem a correr foi um pequeno canal espremido entre montes de entulho. A retirada de água do rio para o abastecimento das populações, cuja marca supera 1 milhão de habitantes na Região Metropolitana de Porto Alegre, muitas vezes precisa ser interrompida em vários dos pontos de captação devido ao altíssimo grau de poluição por esgotos.
Uma outra fonte de grandes impactos para o rio Gravataí foi o avanço da rizicultura, a produção de arroz, em toda a região. Essa cultura avançou principalmente sobre as planícies de inundação e banhados, áreas naturais fundamentais para a manutenção da qualidade ambiental de toda a bacia hidrográfica. Essas áreas também são fundamentais para permitir a regulagem da vazão do rio – o uso intensivo das águas para a irrigação das plantações de arroz reduziu as áreas úmidas ao redor do Banhado Grande, que ocupavam originalmente 450 km², para uma área com apenas 50 km². Para forçar ainda mais a perda de água nos banhados, liberando mais áreas para a agricultura, e permitir o uso das águas por plantações de arroz nas margens do rio Gravataí, um canal artificial com aproximadamente 20 km foi construído na década de 1960 entre a região do Banhado Grande e Olaria Velha. Todas essas mudanças e agressões contribuíram para o atual grau de degradação do rio Gravataí, que hoje lembra muito pouco o rio caudaloso e cheio de vida dos tempos antigos.
As águas poluídas por esgotos domésticos e industriais, além de resíduos de fertilizantes e agrotóxicos, chegam em vazões cada vez menores ao Delta do Jacuí, onde se juntam a águas em condições similares dos rios Caí e dos Sinos para formar o Lago do Guaíba que, pelo conjunto da obra de muitos, acabou transformado num depósito de águas sujas e poluídas.
Continuaremos a falar desta saga no nosso próximo post.
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