O Mekong é o maior e o mais importante rio da região do Sudeste Asiático. Com cerca de 4.300 km de extensão (algumas fontes falam de 4.990 km), ele nasce no trecho tibetano da Cordilheira do Himalaia, uma região controlada pela China desde meados da década de 1950, e atravessa outros cinco países da região: Mianmar, Laos, Tailândia, Camboja e Vietnã, onde se abre numa grande região deltaica.
Cerca de 100 milhões de pessoas, pertencentes a quase uma centena de grupos étnicos diferentes, vivem ao longo das margens do rio Mekong e dependem, direta ou indiretamente, de suas águas. Somente no Delta do rio Mekong no Vietnã, uma região com aproximadamente 40 mil km², vivem cerca de 17 milhões de pessoas, população que depende das águas do rio para abastecimento, transporte e irrigação dos campos de arroz.
O Vietnã, país sobre o qual falamos rapidamente na nossa última postagem, é o terceiro maior produtor mundial de arroz, produto que é considerado um dos melhores do mundo. Aliás, há várias décadas o país exporta a maior parte da sua produção e importa arroz de qualidade inferior para o abastecimento de sua população, gerando assim receitas em moeda estrangeira para equilibrar sua balança de pagamentos.
O delta do rio Mekong tem uma ligação muito especial com os falantes da língua portuguesa – o navio em que o grande poeta Luís Vaz de Camões viajava naufragou na região por volta de 1565, quando fazia uma viagem entre Macau, na China, e Goa, na Índia. Reza uma lenda, bastante contestada pelos historiadores, que foi durante esse naufrágio que Camões teve de tomar uma difícil decisão – salvar o manuscrito dos Lusíadas, obra em que estava trabalhando há vários anos, ou salvar Dinamene, sua jovem amante chinesa. Camões escolheu salvar seus manuscritos e passou meses vivendo como um náufrago no delta do rio Mekong, até conseguir ser resgatado.
As águas do rio Mekong são altamente disputadas entre todos os países que formam a sua bacia hidrográfica, uma situação que cria grandes problemas a nível regional. Diversas barragens de usinas hidrelétricas já foram construídas e existem pelo menos doze grandes projetos em andamento. A China, país cada vez mais sedento por energia elétrica, já construiu três hidrelétricas no alto rio Mekong e está construindo mais uma unidade geradora – esse conjunto de represas já causou uma redução substancial nos caudais do rio. O Laos pretende construir oito unidades, o Camboja duas, além de duas hidrelétricas previstas na fronteira entre a Tailândia e o Laos.
Esse grande número de barragens de usinas hidrelétricas já construídas e/ou em construção formam blocos independentes, sem que haja um diálogo mais aprofundado entre os diferentes países e sem a realização de grandes estudos de impacto ambiental em toda a bacia hidrográfica do rio Mekong. O rio está sendo, literalmente, retalhado em diferentes trechos, o que impede a livre circulação de espécies aquáticas e a comunicação e os transportados entre os diferentes grupos étnicos. Os governantes locais esqueceram que o rio Mekong é um meio ambiente único.
Os graves problemas começam com as alterações já provocadas na dinâmica dos caudais do rio, que tradicionalmente alterna ciclos de grandes cheias e de grandes secas. A região do Sudeste Asiático é assolada anualmente pela temporada das Chuvas da Monção, fortes ventos gerados no Oceano Índico que carregam pesadas nuvens na direção do Sul e Sudeste da Ásia, provocando uma fortíssima temporada de chuvas e grandes enchentes. Essas chuvas carreiam grandes quantidades de sedimentos e matéria orgânica para a calha do rio, que distribui esses materiais sobre os solos das margens alagadas.
Quando as águas baixam, as populações locais tem a sua disposição grandes extensões de solo fértil para plantar e produzir os alimentos que consumirão ao longo de todo o ano. Com a formação de sucessivas represas ao longo do rio Mekong, todo esse ciclo natural está sendo modificado: as grandes enchentes não existem mais e os antigos solos agrícolas não conseguem renovar a sua fertilidade. A produtividade de alimentos vem caindo ano após ano.
Uma das regiões mais afetadas pela redução dos caudais do rio Mekong é a região do delta, no Vietnã, onde já ocorre um acelerado processo de invasão de água do mar (língua salina) e a salinização dos solos. Um problema semelhante ocorre aqui no Brasil, o que comentamos em diversas postagens: a redução dos caudais do rio São Francisco e a invasão da água do mar em sua foz. Assim como ocorre no rio Mekong, a calha do rio São Francisco foi tomada por uma sucessão de barragens de usinas hidrelétricas ao longo dos últimos 50 anos. A vazão do rio atualmente é apenas uma fração do que já foi no passado.
A fauna aquática do rio Mekong também está sendo muito ameaçada. Uma das espécies mais carismáticas e ameaçadas do rio são os golfinhos-do-irrawaddy. Esses golfinhos podem atingir um comprimento de até 2,75 m e um peso máximo de 200 kg. A sua cor fica entre o cinza e o azul escuro, tendo a parte inferior em tons pálidos. A espécie, que já foi abundante no rio Mekong e uma grande atração para os turistas que visitam a região, está reduzida a poucas dezenas de indivíduos.
Populações isoladas de golfinhos-do-irrawaddy são encontradas em rios e estuários desde o delta do rio Ganges, na Baía de Bengala, até o Norte da Austrália, incluindo as costas do Estreito de Malaca, áreas costeiras das Ilhas Indonésias nos mares de Java, das Flores, de Banda, de Timor e de Arafura, além de áreas costeiras no Golfo da Tailândia e do Sul do Mar Meridional da China. Esses golfinhos, que compartilham ancestrais comuns com as orcas, têm como características principais a cabeça redonda e um bico muito curto, lembrando muito as belugas.
Entre as principais causas do forte declínio populacional dessa espécie estão a caça predatória, a morte de animais que se afogam ao ficar presos nas redes de pesca, “atropelamentos” por embarcações, encalhes em bancos de areia devido à forte redução dos caudais do rio e também devido a intensa poluição das águas em muitos trechos do rio Mekong, especialmente pelo carreamento de resíduos de pesticidas agrícolas usados nas plantações de arroz.
Entre as populações de peixes, a situação não é nada melhor. O rio Mekong tem aproximadamente 1.200 espécies de peixes e costumava produzir anualmente mais de 2 milhões de toneladas de pescados, alimento essencial para as populações. Essa produção pesqueira está declinando rapidamente e ameaçando a segurança alimentar de milhões de pessoas.
A espécie de peixe mais conhecida e explorada comercialmente no rio Mekong é a carpa de lama siamesa, também conhecida como trey riel. Esse peixe é tão popular e reconhecido pelas populações locais que seu nome foi dado à moeda do Camboja – o riel. Outra espécie importante é o peixe-gato do Mekong, que pode atingir até 2,75 m de comprimento e peso acima dos 250 kg. A espécie está seriamente ameaçada de extinção por causa da pesca intensiva. Outra espécie impressionante da fauna do rio Mekong é a arraia gigante (Dasyatis laosensis), que só foi descrita pela ciência bem recentemente – já foram capturados exemplares com 4,2 m de comprimento, 2 m de largura e peso superior a 300 kg.
Continuaremos na próxima postagem.
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