A INTRODUÇÃO DE ESPÉCIES EXÓTICAS NA AUSTRÁLIA E SUAS GRAVES CONSEQUÊNCIAS AMBIENTAIS

Dromedários da Austrália

Nos primeiros anos do século XX, a cidade do Rio de Janeiro vivia uma perigosa epidemia de febre amarela. Para ajudar no controle dos focos do mosquito Aedes Aegypti, o principal vetor do vírus, o então Prefeito da cidade, Francisco Franco Pereira Passos, resolveu acatar a sugestão de alguns acadêmicos – introduzir pardais, uma ave nativa do continente europeu, nas matas da cidade. De acordo com os especialistas, os pardais eram vorazes predadores de mosquitos e, dentro de pouco tempo, controlariam os muitos focos de Aedes Aegypti

Em 1903, foram importados cerca de 200 pardais (Passer domesticus) de Portugal e as aves foram soltas em uma cerimônia oficial no Campo de Santana, com muita pompa e circunstância. A ousada estratégia, é claro, não deu certo – os mosquitos continuaram infernizando a vida dos cariocas até que medidas drásticas de saneamento básico passaram a ser implantadas pelo médico Oswaldo Cruz anos mais tarde. Já os robustos pardais, esses passaram a ocupar os espaços ecológicos de aves nativas como sabiás, tico-ticos e sanhaços, se espalhando depois pelos quatro cantos do país. 

Na Austrália, exemplos semelhantes de introdução de espécies exóticas resultaram em verdadeiras tragédias ambientais. Conforme comentamos na postagem anterior, a história geológica do continente criou uma condição de isolamento total de outras terras, condição essa que resultou no surgimento e evolução de formas de vida totalmente diferenciadas de outras áreas do mundo. Com a introdução de espécies animais e vegetais de outras terras no solo australiano, o delicado equilíbrio ambiental de dezenas de milhões de anos foi abruptamente quebrado, o que desencadeou consequências catastróficas. Comecemos falando dos fofos coelhos europeus:

Em 1859, um fazendeiro da cidade de Winchelsea, no Estado de Vitória, chamado Thomas Austin, resolveu importar coelhos selvagens (Oryctolagus cuniculusda Europa, para usá-los na prática da caça esportiva. Um total de 24 coelhos foram trazidos da Inglaterra e soltos na sua grande propriedade. O fazendeiro ficou muito feliz com o resultado de sua empreitada – os coelhos se multiplicaram rapidamente e suas caçadas resultavam em dezenas de animais abatidos. 

O que Thomas Austin não imaginava há época era a velocidade de reprodução dos animais. Para piorar o problema, um dos únicos predadores dos férteis coelhos na Austrália eram o dingos, os cães selvagens locais, que não existiam em grande quantidade no Estado de Vitória. Cerca de 70 anos depois, os 24 coelhos originais já haviam gerado perto de 10 bilhões de descendentes, se transformando numa verdadeira praga no país

Os coelhos são famosos pela sua alta taxa de fertilidade – cada fêmea gera entre 18 e 30 filhotes a cada ninhada, podendo repetir esse feito por até três vezes a cada ano. Os coelhos de Mr. Austin foram se espalhando rapidamente por todo o Estado de Vitória, atingindo depois Nova Gales do Sul e Queensland, entre outras regiões. Os animais esfomeados avançavam contra as plantações e, como uma nuvem de gafanhotos, deixavam os solos completamente desnudos. 

Uma das primeiras tentativas do Governo australiano para conter o avanço dos coelhos pelo país foi ordenar a construção de uma grande cerca metálica. E não estamos falando de uma cerca comum – apelidada pelo povo local de Dingo Fence Dog Fence, essa cerca tinha originalmente cerca de 8,6 mil quilômetros de extensão e foi construída entre 1880 e 1885. Além de tentar controlar o deslocamento dos coelhos, essa cerca também restringia os deslocamentos dos temidos dingos, famosos por atacar os rebanhos de ovelhas. 

A ideia de “jerico” não funcionou a contento contra os coelhos, que conseguiam escavar e passar por baixo da tela de arame. Foi então que, num ato de desespero, as autoridades decidiram introduzir na Austrália o grande predador dos coelhos na Europa – as raposas vermelhas (Vulpes vulpes). Dezenas de raposas foram soltas nas áreas de maior infestação de coelhos. Além de não conseguirem dar conta de tantos coelhos, as raposas criaram um outro problema – os animais passaram a atacar e comer os lentos coalas australianos, muito mais fáceis de caçar do que os rápidos coelhos. 

Os picos de superpopulação de coelhos na Austrália somente puderam ser controlados a partir da década de 1950, quando o Governo passou a usar diversos tipos de vírus transmitidos por meio de mosquitos. Algumas dessas investidas eliminavam até 90% dos coelhos de uma determinada região, porém os resultados não duravam muito tempo – os coelhos desenvolviam imunidade contra os vírus e novas cepas precisavam ser desenvolvidas rapidamente. Atualmente, o problema dos coelhos está controlado, mas não está resolvido. 

Outro grande desastre ambiental em curso no país está sendo provocado por milhões de dromedários (Camelus dromedárius) selvagens. Esses animais foram introduzidos no país a partir da década de 1840, com o objetivo de facilitar o transporte de tropas militares, colonizadores e suprimentos através das grandes áreas desérticas do centro da Austrália. Esses animais são famosos desde a antiguidade por suas grandes habilidades de sobrevivência em regiões desérticas, onde podem viver por várias semanas sem precisar de água e comida. Cerca de 60 mil animais foram trazidos desde a Índia, Afeganistão e países do Oriente Médio até a Austrália. 

A partir dos anos finais do século XIX, ferrovias começaram a ser inauguradas por toda a Austrália, reduzindo a importância dos dromedários no transporte de cargas e de pessoas. Essa importância diminuiu ainda mais com a chegada de automóveis, caminhões e ônibus nas primeiras décadas do século XX. Os dromedários “desempregados” passaram a ser soltos nas áreas áridas e semiáridas do país, voltando a viver como criaturas selvagens (vide foto). Sem predadores naturais e contando com alimentos e algumas fontes de água potável, esses animais passaram a se reproduzir sem controle – no início da década de 2000 eram calculados em 2 milhões de cabeças em toda a região central da Austrália

Em épocas de forte seca, como a que assolou o país entre 2004 e 2009, bandos com milhares de dromedários sedentos passaram a buscar desesperadamente por fontes de água, invadindo reservatórios de cidades e de reservas aborígenes. Na crise atual onde imensas áreas florestais estão sendo devoradas por chamas incontroláveis, esses dromedários tem buscado desesperadamente pelas reservas remanescentes de água das regiões afetadas, gerando enormes embates com as populações humanas. 

Os Governos de vários Estados do país estão se preparando para realizar “operações de controle”, que nada mais são que o abate de dromedários por atiradores em helicópteros. De acordo com as estimativas oficiais, cerca de 10 mil animais serão abatidos numa primeira fase. Grupos ambientalistas e de defesa dos animais, é claro, irão fazer inúmeros protestos contra essa atitude do Governo, porém sem apresentar alternativas melhores. 

Problemas semelhantes acontecem com outros animais como gatos, javalis, sapos-cururu, lebres e peixes-mosquito, além de espécies vegetais como alguns tipos de capins exóticos, introduzidos no país para servir de alimento para o gado bovino, mas que rapidamente fugiram ao controle e passaram a ocupar o espaço de plantas nativas. 

Como fica fácil de perceber, os problemas ambientais na Austrália são bem maiores que os grandes incêndios florestais. 

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