OS SERINGAIS, OS SERINGUEIROS E OS SERINGALISTAS DA AMAZÔNIA

Vapor amazônico

O Primeiro Ciclo da Borracha, conforme comentamos em postagens anteriores, teve início em meados do século XIX e se estendeu até 1920, quando os custos de produção, beneficiamento e exportação do látex da Amazônia perdeu completamente a competitividade no mercado mundial. Essa decadência começou em 1913, quando os seringais plantados por empresas da Inglaterra em países do Sudeste Asiático iniciaram a sua produção. O início da I Grande Guerra Mundial (1914-1918), que provocou um aumento na demanda por borracha, ajudou a dar uma sobrevida ao látex da Amazônia. 

Entre o nascer e o ocaso da indústria gomífera da Amazônia, seringalistas, grandes atacadistas e exportadores ganharam verdadeiros rios de dinheiro. Manaus, uma das sedes dessa elite equatorial, recebeu todos os melhoramentos encontrados nas cidades mais prosperas do mundo há época e era conhecida como a “Paris dos trópicos”. Por outro lado, os seringueiros e outros trabalhadores responsáveis pela extração do látex nas selvas, sobreviviam numa situação análoga à escravidão – talvez até pior, uma vez que os escravos não tinham dívidas a pagar. Vamos falar um pouco sobre esses universos tão contraditórios. 

Os seringalistas, chamados por muitos de Senhores da Borracha e também Coronéis de Barranco, eram os donos dos seringais e empregadores de todo um conjunto de trabalhadores envolvidos na extração e beneficiamento do látex. Normalmente, esses homens já estavam envolvidos em atividades comerciais e dispunham de algum capital para iniciar o seu próprio negócio na indústria gomífera. Nos primeiros tempos da exploração do látex, aventureiros montavam expedições baseadas em embarcações a vapor e se embrenhavam pelos rios da Bacia Amazônica buscando regiões com grandes concentrações de árvores seringueiras (Hevea brasiliensis). A seringueira é uma árvore típica da Floresta Amazônica e quanto maior a concentração de árvores, maior seria a produtividade do seringal. 

Um elemento importante nessas viagens exploratórias eram os jagunços, “profissionais” contratados com a missão de “limpar” os terrenos infestados com indígenas. Conforme já comentamos em outras postagens, a “limpeza de territórios” foi corriqueira desde os primeiros tempos da colonização da Amazônia. Unidades militares fortemente armadas se encarregavam de expulsar ou exterminar as tribos indígenas mais hostis – os índios mais mansos eram levados para os aldeamentos dos religiosos para a catequização. Os indígenas que conseguiam escapar desses ataques, foram se embrenhando em rios e matas cada vez mais distantes nos confins da Amazônia, onde imaginavam estar seguros – com o início da exploração dos látex, essa relativa segurança acabou. 

Uma das primeiras construções de um seringal era o barração, normalmente localizada na margem de um grande rio, estrategicamente posicionado para facilitar o embarque e o desembarque de mercadorias, ferramentas e víveres, além de permitir o fácil escoamento da produção de látex. Ao redor desse barracão eram construídas a casas do staff do seringalista, normalmente chamadas de Centros. Entre esses profissionais destacam-se os mateiros, responsável por localizar as seringueiras na mata e abrir as estradas de acesso.  

O noteiro ou aviador era o responsável pela venda de produtos aos seringueiros (alimentos, ferramentas, bebidas, etc), vendas que eram anotadas em uma caderneta e descontadas da produção do látex. Também moravam nos Centros o gerente do seringal, os jagunços e também os tropeiros ou comboeiros, encarregados pelo transporte das mercadorias e da produção. Os seringalistas, normalmente, moravam com suas famílias numa casa bastante confortável numa cidade e raramente se davam ao trabalho de visitar seus seringais nos confins das matas. 

Na base dessa estrutura encontravam-se os seringueiros, os responsáveis pelo trabalho mais difícil e insalubre dos seringais – a coleta do látex nas árvores espalhadas pela mata e a produção das pélas, grandes peças de látex defumado. Os seringueiros eram instalados em casebres de palha ao lado de uma “estrada” de seringueiras. Essas estradas eram picadas abertas no meio da mata, onde podiam ser encontradas entre 100 e 120 seringueiras. Em regiões com alta concentração de seringueiras, esse número podia chegar até 160 árvores. 

A rotina dos seringueiros costumava começar antes do nascer do sol, quando eles começavam a percorrer a sua estrada sob o facho da luz de uma lamparina presa na cabeça, a poronga. Ao encontrar as seringueiras, era feito o corte das bandeiras, incisões feitas na casca da árvore para a extração do látex. Dependendo do tamanho do tronco, cada árvore podia ter duas ou três bandeiras. O corte das árvores era feito em dias alternados, um cuidado tomado para não exaurir a capacidade de produção da árvore. Os cortes precisavam ser feitos com bastante cuidado – se fossem muito rasos, o fluxo de látex seria muito pequeno; cortes muito profundos poderiam matar a árvore. 

Após completar toda a estrada, o seringueiro refazia todo o percurso recolhendo em um balde o látex que escorreu das árvores ao longo do dia e foi acumulado em pequenas tigelas presas nos troncos. Os seringueiros sempre realizavam essas caminhadas pelas estradas armados com uma espingarda – essa era uma precaução em caso de encontro com algum índio hostil; com muita sorte, ele também poderia encontrar algum animal silvestre pelo caminho e assim poderia garantir uma proteína para o seu magro jantar. 

Quando finalmente conseguiam voltar para seus casebres, tinha início o seu “terceiro turno” de trabalho – a defumação do látex para a formação das pélas de borracha, um trabalho que só terminava depois de escurecer. Os seringueiros tinham cotas de produção a cumprir e, não raramente, eram obrigados a trabalhar por até 17 horas seguidas a cada dia. Eles sempre começam os trabalhos de madrugada para evitar as chuvas, que normalmente caiam no final da tarde e costumavam prejudicar o rendimento do trabalho. 

De acordo com os contratos de trabalho assinados com os seringalistas e também com as “normas trabalhistas” da época, os seringueiros deveriam receber 60% do preço da venda do látex. Os patrões sempre davam um jeito de pagar valores cada vez mais irrisórios, além de inflacionar os preços dos mantimentos e outros ítens vendidos nos barracões do seringal. Os seringueiros estavam sempre em dívida com os patrões e eram obrigados a trabalhar cada vez mais para atender as cotas de produção de pélas de látex. A esposa e os filhos acabavam envolvidos nesse processo e eram obrigados a trabalhar em conjunto na produção da matéria-prima

No alto dessa cadeia produtiva encontravam-se os grandes atacadistas, que circulavam em grandes embarcações a vapor pelos rios da Bacia Amazônica (vide foto) e que comprovam a produção de látex dos seringalistas. O pagamento era feito parte em dinheiro e parte em mercadorias como alimentos, roupas, ferramentas, bebidas, fumo, munição para as espingardas e também artigos de luxo para as famílias dos Coronéis dos Barrancos. 

As grandes Casas Exportadoras do látex ficavam em Manaus e em Belém, sendo as responsáveis pela exportação do valioso látex para Europa, Estados Unidos e Japão, os grandes produtores de artigos de borracha. Como seria de esperar, eram os exportadores que auferiam os maiores lucros da indústria gomífera e tinham em suas mãos o controle dos preços e dos volumes exportados. Quando essas empresas perceberam que o látex da Amazônia deixou de ser competitivo no mercado internacional, elas fecharam suas portas e largaram seringalistas e seringueiros com montanhas de pélas de látex sem valor. 

Seringalistas que haviam guardado algum recurso para um “dia de chuva”, ainda conseguiram reorganizar suas vidas e partir para outros negócios mundo afora. Já os seringueiros, esses foram largados no meio das matas e sujeitos à sua própria sorte. 

A lei da selva, onde o mais forte sobrevive, nunca foi tão cruel. 

Para saber mais:

A NOSSA AMAZÔNIA

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