A COMPANHIA MATTE LARANJEIRA

Na última postagem falamos da chegada da Companhia de Viação São Paulo-Mato Grosso, uma empresa concessionária de serviços de navegação no Rio Paraná e que teve um papel fundamental na colonização de importantes áreas no extremo Oeste de São Paulo, Noroeste do Paraná e Sul do Mato Grosso. Citando um exemplo: a importante cidade de Epitácio Pessoa, em São Paulo, nasceu a partir do Porto Tibiriçá, que era operado pela Companhia. Uma outra empresa, a Companhia Mate Laranjeira, essa especializada na exploração da erva-mate, também teve um papel importante na história dessa região. 

A Companhia Mate Laranjeira, estabelecida na região do atual Estado de Mato Grosso do Sul desde a década de 1870, conseguiu autorização do Governo local para operar a navegação de cargas ao longo do rio Iguatemi e também para construir um terminal de cargas na região de Guaíra, no Paraná. Desde a sua fundação, a empresa utilizava a navegação através do rio Paraguai para exportar a sua produção de erva-mate até o seu principal mercado consumidor, a Argentina.  

A empresa surgiu logo após a Guerra do Paraguai (1864-1870), o maior conflito armado já visto na América do Sul. As nações vencedoras – Brasil, Argentina e Uruguai, dividiram entre si o território do país derrotado e passaram a explorar seus recursos. O brasileiro Thomás Laranjeira, que teve importante papel no apoio ao Governo Imperial durante o conflito, recebeu como “recompensa” por seus serviços a concessão de 5 milhões de hectares para explorar a erva-mate. Essas terras se espalhavam entre o Norte do Paraguai e o Sul do Mato Grosso. 

Além de Laranjeira, a empresa tinha como acionistas o Banco Rio Branco, pertencente à família Correa da Costa, a Família Murtinho, importante oligarquia de Mato Grosso, e a família Mendes Gonçalves. Além da fabulosa extensão de suas concessões de terras, até hoje o maior latifúndio conhecido da história do Brasil, a Matte Laranjeira se valia da exploração da mão de obra semiescrava de camponeses paraguaios e de indígenas guarani-caiowás (vide foto).  

Esses trabalhadores recebiam a maior parte do seu salário em fichas, que eram trocadas por alimentos e outros produtos nas mercearias da empresa, algo muito parecido com o que acontecia nos seringais da Amazônia, nas minas de salitre do Chile e em outros empreendimentos que exploravam a mão de obra ao máximo. Os preços praticados nessas “trocas” eram extremamente abusivos e não refletiam em nada o valor do trabalho dessas pessoas. 

Em seu período áureo, na década de 1930, a Companhia Matte Laranjeira empregava cerca de 18 mil “trabalhadores” diretos e outros 10 mil indiretos. Nesse período, as exportações anuais de erva-mate para a Argentina, país onde o consumo do mate é um dos ícones culturais, superava a marca de 5 mil toneladas. Essas exportações eram feitas através da hidrovia formada pelos rios Paraguai, Paraná e Prata, sendo totalmente isentas do pagamento de impostos. 

A principal base de operações da empresa era um porto no rio Iguatemi que, em homenagem a um dos seus acionistas, recebeu o nome de Porto Murtinho e que está na origem da formação do município sul mato-grossense, conhecido como o “último guardião do rio Paraguai”. Um outro importante porto operado pela empresa ficava na cidade de Guaíra, no rio Paraná. 

A cidade de Guaíra fica próxima do local onde existiam os famosos Saltos das Sete Quedas, o maior obstáculo para a navegação entre as regiões do baixo e alto rio Paraná. Conforme comentamos em uma postagem anterior, as Sete Quedas foram encobertas pelo enchimento do lago da Usina Hidrelétrica de Itaipu em 1982.

A Companhia Matte Laranjeira tinha seus próprios planos para contornar esse obstáculo: a construção, com recursos próprios, de uma linha férrea de bitola estreita, interligando a cidade de Guaíra a Porto Mendes, numa região já no baixo rio Paraná, a partir do qual era possível a navegação até Buenos Aires, na Argentina. 

Os vagões de carga dessa ferrovia eram puxados inicialmente por juntas de bois e mulas – a empresa chegou a ter 800 vagões de carga, além de 20 mil bois e mulas. Durante os primeiros anos de sua operação, a ferrovia cobria uma distância de 48 km entre Guaíra e Porto Mendes. A partir de 1917, com a ferrovia percorrendo uma distância total de 60 km, a operação passou a utilizar diversas locomotivas movidas a vapor. Nas proximidades de Porto Mendes, a ferrovia recebeu um sistema de tração do tipo funicular, onde cabos auxiliavam as composições a vencerem a forte inclinação do terreno, com um desnível de 120 metros. 

Uma outra opção para o escoamento da produção da empresa através desta região era subir o rio Paraná com as barcaças até encontrar os trilhos da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil no Estado de Mato Grosso do Sul, e despachar as cargas para o Porto de Santos. A partir da navegação marítima, a erva-mate chegaria até Buenos Aires. O caminho era bem mais longo, mas era uma alternativa para situações de emergência. 

Os carregamentos de erva-mate eram transportados por barcaças chatas ou chalanas a partir de inúmeras propriedades ao longo do rio Iguatemi e seus afluentes e, depois, eram levadas por rebocadores até o Porto Mojoli, nas proximidades da Cidade de Guaíra. Carroças puxadas por bois carregavam as cargas até o terminal ferroviário para o transporte até o Porto Mendes. Embarcações a vapor faziam o transporte final até Buenos Aires.  

A empresa, mesmo sem ter consciência disso, foi pioneira no uso de um sistema de transportes multimodal integrado. Até o ano de 1930, somente cargas eram transportadas na ferrovia. Após a chamada Revolução de 1930, por imposição do Governo Federal, a ferrovia passou também a transportar passageiros.   

Esse enorme conjunto de colaboradores estimulou a empresa a começar a utilizar sua complexa infraestrutura de transportes para comercializar alimentos, mercadorias e produtos industrializados trazidos da região de Buenos Aires, dinamizando ainda mais suas atividades. As estradas abertas nas matas, os pequenos portos criados para o escoamento da produção e as inúmeras vilas de trabalhadores que foram sendo criadas por toda essa extensa região, contribuíram muito para a colonização do Sul do Mato Grosso e de áreas do Leste e Noroeste do Paraná. 

O grande poder econômico e político da Matte Laranjeira causava um grande incômodo nos Governos locais e Federal, que viam a empresa como “um estado dentro do Estado”. Em 1943, durante o período ditatorial de Getúlio Vargas, o Governo Federal cancelou as concessões de terras da empresa no Brasil e criou em seu lugar os Territórios Federais do Iguaçu e de Ponta Porá. Esses territórios seriam incorporados no futuro aos Estados do Paraná e de Mato Grosso do Sul, respectivamente. 

No mesmo ano, o Governo Federal desferiu um outro golpe contra a Matte Laranjeira: todos os serviços de navegação no alto Rio Paraná foram estatizados e encampados pela empresa estatal SNBP – Serviços de Navegação da Bacia do Prata. Todas as atividades da Companhia Matte Laranjeira também acabaram absorvidas pela empresa estatal.

A Ferrovia Guaíra-Porto Mendes conseguiu manter suas operações até 1955, época em que a ineficiência da empresa estatal e a forte concorrência com os transportes rodoviários em caminhões e ônibus passou a inviabilizar o transporte ferroviário na região. Em 1959 a ferrovia foi oficialmente extinta. Todas as locomotivas, vagões, máquinas, equipamentos e trilhos da ferrovia foram vendidos como sucata em um leilão público. Uma única locomotiva, a N° 4, foi preservada e está exposta atualmente numa praça da cidade de Guaíra.

Alguns negócios da Matte Laranjeira ainda conseguiriam sobreviver até o final da década de 1950. Entre os grandes legados deixados pela empresa, entre os positivos e negativos, ficou uma mancha impossível de ser apagada: a Matte Laranjeira é acusada de estar na raiz do genocídio dos indígenas guarani-caiowás. 

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