CARPAS ASIÁTICAS INVADEM RIOS DOS ESTADOS UNIDOS

Carpas asiáticas no rio Mississipi

No início da década de 1970, algumas fazendas de criação de peixes localizadas na bacia hidrográfica do rio Mississipi, no Sul dos Estados Unidos, passaram a importar carpas asiáticas, com o objetivo de controlar infestações de algas e moluscos nos tanques de criação dos peixes. Segundo as informações que foram repassadas aos aquacultores por especialistas em controle biológico, essas carpas eram peixes vorazes e com um apetite insaciável, podendo consumir diariamente até 40% do seu próprio peso em alimentos.

Na visão dominante na época, a introdução controlada dos peixes nas fazendas resolveria os problemas criados pelas espécies invasoras. Essa história lembra muito uma outra que vivemos aqui no Brasil – a introdução dos pardais europeus (Passer domesticus) no Rio de Janeiro, no início do século XX pelo Prefeito Pereira Passos, para o controle dos mosquitos transmissores da febre amarela. Clique aqui para conferir.

A carpa comum (Cyprinus carpio) é originária de lagos e rios da Ásia, especialmente da região da Eurásia Central. A espécie, que pode atingir um comprimento de até 1,2 metro e um peso de 50 kg, sempre foi utilizada para a alimentação humana. Desde a antiguidade, as carpas foram introduzidas em rios e lagos de toda a Ásia e Europa, tornando-se uma das espécies invasoras mais difundidas em todo o mundo – calcula-se que a espécie esteja presente atualmente em mais de 80 países.  

Com toda essa diversidade de novos ambientes, as carpas passaram a sofrer adaptações fisiológicas, surgindo uma infinidade de subespécies, com tamanhos e características diferentes. As carpas coloridas do Japão (Cyprinus carpio haematopterus), mais conhecidas pelo nome japonês de nishikigoi, é uma das subespécies mais conhecidas do mundo.  

O estratagema usado pelas fazendas de criação de peixe funcionou bem por cerca de 20 anos, com as carpas asiáticas dando “conta do recado”. Os problemas começaram no início da década de 1990, quando a bacia hidrográfica do rio Mississipi passou a enfrentar sucessivas cheias acima da média histórica, especialmente em regiões próximas do Delta. No seu trecho final, o rio Mississipi se abre num grande Delta, que se estende por cerca de 400 km de largura e ocupa uma área total de 75 mil km².  

Várias dessas fazendas foram atingidas e as carpas asiáticas acabaram sendo arrastadas dos tanques na direção da calha do rio MississipiExtremamente fortes e adaptáveis, as carpas passaram a colonizar as águas do rio. A exceção dos jacarés-norte-americanos (Alligator mississippiensis), as carpas asiáticas não possuem predadores naturais na bacia hidrográfica do rio Mississipi e acabaram avançando vorazmente contra as espécies nativas, alterando totalmente a biodiversidade do ecossistema. 

Sem encontrar predadores naturais, dispondo de grandes estoques de alimentos e possuindo uma alta taxa de natalidade – cada fêmea da espécie possui em seu ventre cerca de 1 milhão de ovas, as carpas encontraram um meio ambiente ideal e suas populações passaram a aumentar descontroladamente, o oposto da situação de suas congêneres do rio Tigre, citadas em postagem anterior. De acordo com entidades que representam os profissionais do setor, a pesca comercial no baixo curso do rio Mississipi já foi seriamente comprometida. 

A produção pesqueira sempre foi uma atividade econômica das mais importantes nessa extensa região, que além de peixes, produz grandes quantidades de crustáceos e moluscos, iguarias que sempre fizeram parte das culinárias cajun e creole. Entre os pratos mais famosos da região destacam-se o jambalaya, uma espécie de paella local com arroz, frango, chouriço francês, vegetais, lagostim ou camarão, e o gumbo, um ensopado de quiabo com camarões. 

A bacia hidrográfica do rio Mississipi é uma das maiores do mundo, ficando atrás apenas das bacias hidrográficas do rio Amazonas e do rio Congo, na África. O rio Mississipi tem aproximadamente 3.800 km de comprimento, ocupando a segunda posição na lista dos maiores rios da América do Norte. Entre seus principais afluentes destacam-se o rio Missouri, o maior rio do continente norte-americano, e os rios Ohio, Illinois, Arkansas e o Atchafalaya. A bacia hidrográfica do rio Mississipi drena uma área total de 3,2 milhões de km², onde se incluem 31 Estados americanos e 2 províncias canadenses.

Avançando cerca de 80 km a cada ano, as populações de carpas asiáticas foram ocupando toda a calha do rio Mississipi e invadindo afluentes de todos os tamanhos. Na sua marcha rumo ao Norte, as carpas atingiram também as calhas dos rios Missouri e Ohio, dois dos principais tributários da bacia hidrográfica, que em conjunto com o rio Mississipi formam a Hidrovia Mississipi-Missouri-Ohio, responsável pelo transporte anual de cargas num volume de mais de 425 milhões de toneladas

Um dos destaques da Hidrovia Mississipi-Missouri-Ohio é o Canal de Illinois e Michigan, concluído pelo Corpo de Engenheiros do Exército Americano em 1848. Esse Canal permitiu a interligação entre a bacia hidrográfica do rio Mississipi e os Grandes Lagos, ampliando imensamente as possibilidades de navegação hidroviária no país em meados do século XIX. Esse canal permitiu a navegação de barcaças de cargas vindas de toda a região dos Grandes Lagos e do rio São Lourenço na direção de New Orleans e do Golfo do México ao Sul, através do rio Mississipi.  

Importante interligação entre as duas bacias hidrográficas, o Canal de Illinois e Michigan passou a se apresentar como um caminho natural para o avanço das carpas asiáticas rumo ao extremo Norte dos Estados Unidos, além de abrir as portas do Canadá para a espécie invasora. Os Grandes Lagos representam a maior concentração de água doce do mundo e a chegada das carpas asiáticas, a exemplo do que aconteceu no rio Mississipi, poderia resultar em enormes impactos à biodiversidade local. Somente nos Grandes Lagos, a indústria pesqueira fatura US$ 7 bilhões por ano e gera dezenas de milhares de empregos

Autoridades da cidade Chicago e do Estado de Illinois, contando com apoio do Governo Federal dos Estados Unidos e com forte pressão do Governo do Canadá, decidiram implantar uma barreira no Canal de Illinois e Michigan, de forma a bloquear o avanço das carpas. O projeto experimental foi construído pelo Exército norte-americano, sendo formado por um conjunto de telas metálicas eletrificadas, que tem como objetivo espantar as carpas. O projeto também utiliza embarcações que descarregam pulsos elétricos de alta voltagem na água, matando as carpas aglomeradas nas proximidades da cerca (vide foto) – esses animais podem ser consumidos por populações humanas. Uma outra alternativa que foi proposta e que, felizmente, acabou rejeitada, seria a liberação de uma veneno químico que só mataria as carpas. 

A mais recente iniciativa para tentar controlar as crescentes populações de carpas asiáticas na bacia hidrográfica do rio Mississipi se deu com a inauguração de um grande complexo industrial sino-americano no Estado do Kentucky. A empresa é especializada na produção de bolinhos de peixe, peixe defumado, peixe seco e molho de peixe, produtos voltados para o mercado chinês e que serão produzidos a partir das carpas asiáticas pescadas no rio Mississipi. O projeto também prevê o uso das tripas e resíduos resultantes do processamento dos peixes na produção de adubo

A super exploração de espécies aquáticas para fins comerciais sempre foi muito eficiente na redução e/ou extinção desses animais em seus ecossistemas naturais. No caso das carpas asiáticas que infestam esses grandes rios americanos, todos estão torcendo para que a tradicional “escrita” de muitas outras histórias trágicas, se repita. 

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