Entre as décadas de 1950 e 1980, o município de Cubatão viveu um intenso e descontrolado surto de crescimento industrial “a qualquer custo”, abrigando indústrias petroquímicas, estabelecidas ao redor da Refinaria Arthur Bernardes da Petrobrás, além de diversas indústrias químicas e de fertilizantes, e também uma grande siderúrgica, a COSIPA – Companhia Siderúrgica Paulista. Em uma época em que o país era dirigido por um Governo Militar centralizador e autoritário, que submetia os meios de comunicação a um processo de censura intensa, onde também não existia uma legislação ambiental que controlasse as emissões de poluentes atmosféricos, aterros de todos os tipos de resíduos químicos e industriais no solo ou o despejo de efluentes com contaminantes químicos de todo o tipo, as empresa instaladas em Cubatão produziam e prosperavam como em nenhum outro lugar do mundo, sem que nada ou ninguém as incomodassem.
Acidentes industriais de todos os tipos aconteciam com grande frequência, fossem vazamentos de produtos químicos nos rios, incêndios e explosões em linhas de produção, tombamentos de caminhões em rodovias com derrame de produtos químicos e, é claro, morte de dezenas de trabalhadores em “acidentes de trabalho”. Para não se prejudicar a imagem do país do exterior, que já não era das melhores, tudo era minimizado ou até mesmo escondido. Porém, duas tragédias de grande porte aconteceriam em Cubatão, sem que as autoridades conseguissem esconder mais o que acontecia no município por mais tempo – essas tragédias mudariam para sempre o destino da região inteira:
Apesar de toda a poluição e as “histórias” dos muitos acidentes contados a “boca pequena”, Cubatão atraía grandes contingentes de migrantes, especialmente aqueles vindos de regiões pobres como o Nordeste, que sonhavam com uma vida melhor. As indústrias do Polo Industrial necessitavam de um grande número de trabalhadores, porém a cidade de Cubatão não oferecia quase que nenhuma infraestrutura para acolher esses migrantes. Por conta própria, essas famílias começaram a ocupar áreas vazias e até mesmo manguezais, improvisando moradias com qualquer tipo de material que encontrassem.
Uma poesia escrita em 2001 por um morador de Cubatão, Silvano Rodrigues, com o título “Onde há fumaça, há… empregos”, que encontrei durante a minha pesquisa, dá uma ideia da vida na cidade naqueles tempos. Leiam um trecho:
“Termina 50, começa uma nova década.
Vem gente de todo o lugar. Vão ficando.
Olha, tem fumaça! Que legal! Tem promessa, tem progresso.
O trabalho é duro, de sol a sol,
Usa esse material reflaoatário.
Operário não é gente, é resultado.
O dinheiro é bom, tem valor.
Aqui me aposento!
Hoje eu não tô bem…”
Uma dessas ocupações, com o nome oficial de Vila São José, conhecida pelos moradores como Vila Socó, foi uma dessas ocupações que surgiu do nada e que rapidamente passou a abrigar uma população de 6 mil pessoas (algumas fontes falam de 6 mil famílias). Sem que essas famílias tivessem ciência plena, elas construíram suas palafitas em uma “Área de Segurança Nacional”, sob a qual estavam enterradas tubulações da Petrobrás, responsáveis pelo transporte de gasolina, óleo diesel, óleo combustível e outros produtos derivados de petróleo e altamente inflamáveis. Sem qualquer providência mais enérgica por parte das autoridades responsáveis para a sua remoção da área, as famílias foram ficando e levando suas vidas.
Essa falta de providências teve um alto custo em vidas humanas: no dia 25 de fevereiro de 1984, um vazamento de 750 mil litros de gasolina de uma das tubulações, aparentemente provocado por um erro de operação da Petrobrás, deu início ao que muitos classificam como o maior incêndio já ocorrido no Brasil. Rapidamente, a combinação de gasolina com o madeiramento das construções precárias se transformou em chamas com dezenas de metros de altura, surpreendendo os moradores que dormiam tranquilamente. Oficialmente, o Governo Militar divulgou informações dando conta de 93 mortos na tragédia. Dados não oficiais do processo de apuração, reaberto no ano de 2014, falam da morte de até 508 pessoas – escolas da região informaram o desaparecimento de cerca de 300 alunos, que nunca mais apareceram para as aulas depois do incêndio. Dezenas de pessoas deram queixa nas delegacias da região informando o desaparecimento de parentes, sendo que em alguns casos famílias inteiras sumiram sem deixar vestígios. Mesmo com toda a censura dos meios de comunicação, notícias sobre a tragédia da Vila Socó correram o mundo.
Em 1985, uma nova tragédia de grandes proporções se abateu novamente sobre Cubatão e, mais uma vez, todo o aparato de censura do Governo não conseguiu segurar as notícias, que repercutiram em todo o Brasil e o Mundo: o escorregamento de um grande trecho da Serra do Mar e a ameaça de outros deslizamentos que poderiam colocar parte do Polo Industrial e muitas comunidades sob intenso risco de soterramento. Décadas de lançamento contínuo de todos os tipos de poluentes e materiais particulados resultaram na morte de um trecho com 60 km² da vegetação da Mata Atlântica da encosta da Serra do Mar. Com a morte da vegetação e com um verão com intensas chuvas, foi desencadeado um processo de escorregamento de grandes volumes de solo, pedras e detritos serra abaixo, atingindo áreas das empresas do Polo Industrial e colocando milhares de famílias de diversos assentamentos sob ameaça imediata de soterramento em áreas de risco no pé da Serra. Sem ter como esconder esta nova tragédia, autoridades de todos os níveis dos Governos tiveram de se mobilizar na evacuação urgente de milhares de pessoas e a iniciar projetos para a construção de moradias populares longe das áreas de risco.
A sucessão de tragédias em Cubatão, num momento em que o Regime Militar chegou ao fim e começou a era dos regimes democráticos em nosso país, marcariam o início das mudanças no “Vale da Morte”. Falaremos disto no próximo post.
Veja também:
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[…] caso dramático e ainda vivo na memória de muita gente foi o incêndio na Vila Socó, em Cubatão, no início de 1984 – mais de 700 mil litros de gasolina vazaram de um duto da […]
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