OS PROBLEMAS COM A DRENAGEM DAS ÁGUAS PLUVIAIS NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO

Enchentes em São Paulo

Na última postagem eu fiz um relato do caos criado pela primeira grande enchente desta nova temporada de chuvas na Região Metropolitana de São Paulo. Entra ano e sai ano, e os problemas parecem continuar os mesmos – aliás, a sensação é que na verdade estão num ritmo de crescimento contínuo. Esses problemas não são recentes – eles vêm acompanhando o forte crescimento das cidades da região desde meados do século XIX. Como a maior parte dos leitores do blog são de outras regiões do país e do exterior, acho que vale a pena relembrarmos um pouco da história das enchentes aqui na Paulicéia

Se qualquer um dos leitores tiver a oportunidade de subir ao terraço de um dos grandes edifícios da Avenida Paulista, terá a oportunidade de ter uma visão panorâmica da cidade de São Paulo e de trechos de algumas cidades vizinhas, que através de um intenso processo de conurbação, foram se juntando e formando uma única megalópole, com perto de 16 milhões de habitantes. Também será fácil observar que grande parte dessa área urbana é plana, formando uma extensa bacia sedimentar, com alguns maciços rochosos em destaque – a Serra da Cantareira, o Pico do Jaraguá e o espinhaço da Avenida Paulista/Vila Mariana, entre outros. 

O principal rio que corta a região Metropolitana é o famoso Tietê, que entra pela região Leste, atravessando os municípios de Arujá, Mogi das Cruzes, Itaquaquecetuba e Guarulhos, até cruzar todo o município de São Paulo. Na Zona Oeste da cidade de São Paulo, na divisa com o município de Osasco, o rio Tietê toma o seu caminho de saída rumo ao interior do Estado, atravessando outros municípios da área Metropolitana como Carapicuíba, Barueri, Santana do Parnaíba, Pirapora do Bom Jesus, entre outros. 

Dentro da Região Metropolitana, o rio Tietê tem dois grandes afluentes, o Tamanduateí, que nasce no município de Mauá e atravessa parte da região do ABCD, e o rio Pinheiros, que atravessa boa parte da região Sul da cidade de São Paulo. Além desses dois rios maiores, a bacia hidrográfica do rio Tietê na Região Metropolitana possui milhares de pequenos rios e córregos. De acordo com dados da Prefeitura da cidade de São Paulo, existem pelo menos 186 sub-bacias hidrográficas somente dentro da área desse município. São entre 200 e 300 cursos de água – algumas fontes chegam a falar de 2.000. Essa falta de certeza sobre o número exato de cursos d’água dentro do município está na raiz do problema das enchentes e ajuda a entender o caos que se forma em toda a Região Metropolitana nos dias de chuvas mais fortes. 

Até meados do século XIX, São Paulo era uma cidadezinha sem maior importância, perdida no alto da Serra do Mar. A cidade só começou a ganhar alguma relevância após a chegada das primeiras linhas férreas, que ligavam os grandes centros produtores de café no interior do Estado ao Porto de Santos. Foi justamente por estar no entroncamento dessas linhas de trens, que São Paulo começou a se destacar e se transformou, bem aos poucos, em um importante entreposto comercial entre o litoral e o interior. 

Canalizando os lucros dos grandes cafeicultores do interior do Estado, a cidade começou a crescer rapidamente, recebendo gente de todo o mundo. Os grandes contingentes de imigrantes estrangeiros que foram recrutados para trabalhar nas plantações de café, passavam obrigatoriamente pela cidade de São Paulo – alguns acabavam ficando por aqui e outros voltariam mais tarde. Com o crescimento da cidade, passou-se a uma busca frenética por terrenos para a construção de casas, hotéis, lojas, galpões e, mais tarde, fábricas. As várzeas e margens dos muitos córregos que cortavam a cidade passaram a ser vistas como áreas com enorme potencial para receber todas essas construções. Então, sem maiores estudos e preocupações ambientais, córregos e rios passaram a ser canalizados e aterrados – a cidade, literalmente, cresceu por cima dessa imensa rede hídrica.

Décadas mais tarde, foram as áreas de várzeas dos rios Tietê e Tamanduateí que entraram na alça de mira da especulação imobiliária. O curso destes dois rios era extremamente sinuoso e com grandes áreas de várzeas ou baixadas, justamente para permitir que nos períodos das fortes chuvas, que sempre caíram no Planalto de Piratininga, houvesse espaço para o transbordo do excesso de água. Essas áreas enchiam rapidamente e liberavam a água aos poucos, evitando assim maiores enchentes em outras regiões da cidade. 

Pois bem – para conseguir mais áreas para o crescimento das cidades, tanto o rio Tietê quanto o Tamanduateí passaram por grandes obras para a retificação dos seus cursos. Os antigos e longos leitos sinuosos foram transformados em canais, burocraticamente, retos. As antigas áreas de várzeas passaram a ser aterradas e as cidades, que nunca paravam de crescer, avançaram sobre essas antigas áreas. Outros tantos rios e córregos das cidades também passaram por esses processos de retificação dos seus leitos e foram ocupados pelas famosas avenidas de fundo de vale

O resultado de todo esse longo processo de canalização de rios, córregos, e ocupação das  suas áreas de várzea foi um só – não sobrou muito espaço nas áreas urbanas da Região Metropolitana de São Paulo para acumular os excedentes de águas nos dias de grandes chuvas. É por isso que basta uma chuva mais forte para aparecer um ponto de enchente; se for uma chuva generalizada e forte, como essa de poucos dias atrás, teremos então uma mega enchente. Simples assim. 

Existem soluções? 

Sim – é necessário ampliar e rebaixar a calha dos rios e córregos que restaram, criando assim espaço para se acumular água. Também é necessária a construção de piscinões e bacias de detenção, entre outros dispositivos hidráulicos, que permitam a acumulação da maior quantidade possível de água das chuvas. Outro caminho é tornar os solos das áreas urbanas permeáveis, de forma que parte da água das chuvas seja absorvida antes de chegar aos canais dos corpos d’água. Tanto a realização das obras quanto a desapropriação dos terrenos exigem grandes volumes de dinheiro, dinheiro esse que as cidades não têm. Vemos então o jogo de empurra-empurra dos políticos após cada grande enchente. 

Essa história aconteceu nas cidades da Região Metropolitana de São Paulo e em outras por todo o Brasil – a rede natural de drenagem das águas pluviais, que são os rios e córregos, foi comprometida pelo crescimento das próprias cidades e agora não há dinheiro para se criar uma rede de drenagem artificial. 

Então, as enchentes dos períodos de chuva passaram a fazer parte das paisagens. 

 

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