
Na cidade de Estocolmo, capital da Suécia, a poucos quilômetros de distância da casa da ativista ambiental Greta Thunberg, fica a sede da multinacional do segmento da moda H&M, uma empresa varejista que possui mais de 170 mil funcionários e tem um faturamento anual superior aos US$ 25 bilhões.
Fundada em 1947, a H&M atua hoje em 74 países e possui mais de 5 mil lojas. Além da marca H&M, a empresa também possui as marcas COS, Monki, Weekday, & Other Stories, Arket, Afound e Sellpy. O lema da empresa é “Moda e Qualidade ao Melhor Preço, de forma Sustentável”.
Os produtos comercializados pelas lojas da H&M são roupas, cosméticos e artigos para as casas. Como é usual nas operações desses grandes grupos, a empresa não fabrica os produtos que vende. Centenas de fornecedores em todo o mundo entram na cadeia de produção fornecendo matérias primas, mão de obra e produtos prontos com a etiqueta das marcas. Esses fornecedores, é claro, precisam oferecer os preços mais baixos possíveis em seus produtos e serviços, praticas que também são adotadas por outras grandes grifes de moda internacionais.
Eu já tive a oportunidade de visitar algumas dessas lojas de grife em países como Estados Unidos, Espanha, Itália e Franca. Olhando as etiquetas dos produtos lembro de ter encontrado nomes de países como Bangladesh, Vietnã, Índia, China, Tailândia, Indonésia, entre muitos outros. Em comum, todos esses países possuem grandes populações e oferecem baixíssimos custos de mão de obra. Empresas do setor de vestuário dos países desenvolvidos, já há muito tempo, fecharam as suas fábricas locais e transferiram suas operações para esses países do terceiro mundo.
Entre os grandes fornecedores de matéria prima para as cadeias de produção da H&M destacam-se empresas têxteis da Indonésia, muitas delas colocadas entre as maiores do mundo nos segmentos de tecelagem (produção de tecidos) e fiação (fabricação de linhas para costura). O maior polo têxtil da Indonésia fica localizado na Ilha de Java e se estende ao longo as margens do rio Citarum. A mancha urbana de Jakarta, a capital do país, fica a apenas 40 km da foz do rio Citarum.
É provável que a grande maioria dos leitores nunca tenha ouvido falar desse rio. Aqui vai uma dica: as águas do Tietê, o rio mais poluído do Brasil, parecerão com as águas cristalinas de um regato nas montanhas caso comparadas com as águas do rio Citarum. Para muitos especialistas, o rio Citarum é o mais poluído do mundo.
Eu não me recordo de ter visto imagens de Greta Thunberg munida de um cartaz na porta da sede da H&M em Estocolmo e protestando contra a destruição do rio Citarum por fornecedores de matérias primas da grande empresa sueca. Em outros países que sediam grandes marcas do segmento da moda como França, Alemanha e Espanha, nós até assistimos vez ou outra grupos protestando contra essas empresas. Porém, esses protestos são extremamente tímidos quando comparados àqueles feitos em defesa da preservação da Floresta Amazônica.
O rio Citarum tem suas nascentes nas encostas do Monte Wayang, no centro da Ilha de Java, percorrendo cerca de 320 km até atingir sua foz no Mar de Java. Registros fósseis indicam a presença do Homo erectus ou Homem de Java, uma espécie de primo distante dos humanos modernos em suas margens em um período situado entre 500 mil e 2 milhões de anos atrás. Nossa espécie, o Homo sapiens, chegou na região há cerca de 45 mil anos.
A moderna Indonésia é hoje uma República formada por 17.508 ilhas e 250 milhões de habitantes, sendo a Ilha de Java uma das maiores e mais importantes do arquipélago. A capital do país, Jacarta, fica nessa ilha e possui uma população de mais de 10 milhões de habitantes. Java tem cerca de 124 mil km2 e tem uma população de 124 milhões de habitantes. Na bacia hidrográfica do rio Citarum vivem cerca de 30 milhões de pessoas.
Esses números mostram o potencial humano e econômico de Java, explicando por que a ilha passou a receber grandes investimentos para a instalação de fábricas nas últimas décadas. A bacia hidrográfica do rio Citarum concentra mais de 500 indústrias, a imensa maioria do ramo têxtil. Esses empreendimentos buscaram a mão de obra abundante e barata da região, a grande disponibilidade de água, um insumo essencial para essas indústrias, além das facilidades de uma legislação ambiental bastante permissiva.
Desde a antiguidade, as águas do rio Citarum vem sendo fundamentais para o abastecimento de populações e, principalmente, para uso na irrigação de culturas. Como é comum em todos os países do Sudeste e Leste da Ásia, o cultivo do arroz é fundamental para a alimentação humana. Essa planta requer grandes volumes de água para o seu cultivo. As planícies fluviais e os vales desses países e ilhas vem sendo cortados por uma rede de canais de irrigação para o cultivo de arroz desde tempos imemoriais.
Desde a década de 1970, quando a Ilha de Java passou a assistir a instalação maciça de fábricas, a poluição das águas do rio Citarum começou a crescer vertiginosamente. Além da poluição com os despejos químicos das indústrias, as águas do rio passaram a receber volumes cada vez maiores de esgotos domésticos e de resíduos sólidos descartados pela população das vilas e cidades, que passaram a crescer aceleradamente.
A imagem que ilustra esta postagem mostra uma cena típica de um trecho do rio, onde dezenas de milhares de garrafas e embalagens plásticas são arrastadas pela correnteza. Muitos moradores tiram o seu sustento das águas, de onde retiram garrafas e outras peças plásticas para venda em unidades de reciclagem.
No ano de 2018, a Deutsche Welle, empresa pública de comunicação da Alemanha, fez um interessante documentário mostrando toda a crise social e de saúde provocada pela gravíssima poluição do rio Citarum. Clique no link para assistir com dublagem em castelhano.
Em um dos trechos mais impactantes do documentário, o repórter coleta amostras do cabelo de 45 crianças de uma vila localizada as margens do rio Citarum. Essas amostras foram enviadas para análise em um laboratório em Luxemburgo e o resultado dos testes não foi dos melhores: foram encontrados vestígios de mais de 52 produtos químicos como cromo, arsênico e chumbo nos fios de cabelo.
Em outro trecho do documentário, são recolhidas amostras de arroz de um campo irrigado com águas do rio Citarum. Encaminhadas para análise no laboratório de uma universidade local, os laudos indicaram a presença de todo um coquetel de produtos químicos nocivos para a saúde humana. A concentração de chumbo nas amostras, citando um único exemplo, estava 116 vezes acima dos níveis máximos recomendados pelos órgãos de saúde.
Outros elementos químicos encontrados em altíssimas concentrações nas águas do rio são os sulfatos. Esses elementos causam diarreias nas pessoas que consomem as águas contaminadas. atingindo especialmente as crianças. Números oficiais do Governo da Indonésia falam da morte de 147 mil crianças com menos de 5 anos a cada ano por causa da diarreia.
A fonte de todos esses contaminantes são as tubulações de despejo de efluentes das indústrias têxteis. Amostras foram coletadas pela reportagem e encaminhadas para análises em laboratórios, onde se confirmou a poluição. A reportagem conseguiu visitar algumas dessas empresas, onde técnicos tentaram mostrar os processos de tratamento de efluentes em uso. Porém, as imagens de grandes tubulações despejando águas quentes e coloridas não deixam dúvidas sobre a responsabilidades dessas empresas na contaminação do rio.
Diretores das empresas, autoridades do Governo e até mesmo uma diretora local da empresa sueca H&M, se mostraram surpresos aos ver imagens da poluição das águas do rio e também ao receber os laudos com os resultados das análises laboratoriais. Ninguém “sabia” que a situação do rio estava tão crítica.
Grandes grifes internacionais como a Adidas, Hugo Boss e GAP, entre mais de duas centenas de marcas, utilizam tecidos e fios produzidos na Indonésia, sem demonstrar quase nenhuma culpa por sua cumplicidade nessa tragédia ambiental. A pressão da opinião pública já deve ter resultado em algumas mudanças nessas empresas, mas a busca por bons lucros sempre fala mais alto.
Greta Thunberg e algumas centenas de manifestantes estiveram em Glasgow, na Escócia, cidade que está sediando a COP26. Protestaram contra a emissão de gases de Efeito Estufa e a destruição das florestas tropicais, entre outros temas clichês. Muitos desses manifestantes usavam roupas de grifes dessas marcas, mas, quem se importa…
Como costumamos falar aqui no meu bairro – “fala sério, meu!”
[…] AS OBSCURAS RELAÇÕES ENTRE O RIO MAIS POLUÍDO DO MUNDO E ALGUMAS DAS MAIS SOFISTICADAS GRIFES&nbs… […]
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