
A Ásia Central é, por definição geográfica, a região que se estende do Mar Cáspio até o Centro-Oeste da China, no sentido Oeste-Leste, e entre o Norte do Irã e do Afeganistão até o Sul da Sibéria, no sentido Sul-Norte. Considerando apenas as Repúblicas da Ásia Central – Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão, a região possui mais de 4 milhões de km².
As paisagens da Ásia Central reúnem montanhas, estepes e, especialmente, grandes desertos como o Kara Kum, ou deserto das “areias negras”, que ocupa uma área com quase 500 mil km². Desde os tempos imemoriais, essa região de clima inóspito e solos difíceis vem sendo habitada por uma infinidade de povos nômades, principalmente de origem mongol e altaica, grupo que inclui os turcos. Aliás, dizem que é possível “ir de Istanbul, na Turquia, até Pequim, na China, falando somente o turco.”
A lendária Rota da Seda, que permitia o comércio entre o Oriente Médio e o Extremo Oriente, tinha um dos seus principais caminhos cruzando a Ásia Central. Naqueles tempos, o Mar de Aral era um grande oásis com muita vegetação e água, que servia de posto de parada e descanso para as grandes caravanas de mercadores. Um dos principais produtos que circulavam por essa rota eram as magníficas sedas fabricadas na China, produto que acabou associando o seu nome ao caminho. O algodão é outro produto com tradição milenar na região (vide foto)
O Mar de Aral era um grande lago de águas salobras que se formou numa grande depressão entre o Cazaquistão e Uzbequistão. As águas que alimentavam esse lago vinham dos rios Amu Daria e Syr Daria, rios com nascentes nas Montanhas Himalaias. Nas línguas locais, Aral significa “ilhas” – existiam mais de 1.100 ilhas no espelho d’água com cerca de 68 mil km². As margens do Mar de Aral abrigavam diferentes grupos étnicos como tadjiques, uzbeques e cazaques, que sobreviviam como agricultores, pescadores, pastores, mercadores e artesãos numa região rica em água, plantas e vida animal.
A Ásia Central teve, ao longo de sua história, dois momentos de grande relevância: no passado, a região formou parte do Império Mongol (1206-1368), o segundo maior de todos os tempos em terras contiguas. O grande líder desse Império foi Gengis Khan. Em tempos mais recentes, a região passou a ganhar relevância a partir de meados do século XIX, quando o Império Russo passou a expandir suas fronteiras e áreas de influência rumo ao Sul. Esse domínio foi consolidado com a Revolução Russa de 1917, quando as Repúblicas da Ásia Central passaram a fazer parte da URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Desde os primeiros anos da sua chegada na Ásia Central, os russos perceberam o grande potencial econômico do Mar de Aral. Navios militares e pesqueiros da Rússia foram transportados desmontados em caravanas de camelos e montados nas águas do Aral. Após a conquista, foi iniciada uma nova etapa da sua história – o Mar de Aral foi transformado numa fonte de pescados para toda a Rússia, chegando a fornecer, em meados do século XX, 1/6 do volume total dos peixes consumidos pelos soviéticos – destaque aqui para o esturjão-kaluga (Huso dauricus) e seu caviar.
O ar puro, o clima quente e úmido, além das paisagens pitorescas ao redor das praias de águas salobras, criou um verdadeiro contraponto ao inóspito clima russo, transformando a região num dos maiores destinos turísticos de verão dos eslavos. Nas últimas décadas do século XIX e princípio do século XX, a região foi o destino de verão da elite burguesa da Rússia Imperial. Após a Revolução Russa, o Aral se transformou num refúgio para o proletariado comunista.
As estradas de ferro, construídas originalmente para escoar os pescados da região, passaram a transportar um número cada vez maior de pessoas, dinamizando ainda mais a economia regional. Hotéis, acampamentos de verão e colônias de férias, marinas, restaurantes e lojas surgiram ao lado dos grandes complexos industriais de processamento de pescados. A população cresceu acompanhando o progresso regional – passou de 8 para 50 milhões de habitantes entre os anos de 1900 e 1960.
O “paraíso de verão” dos povos soviéticos, entretanto, tomaria rumos totalmente diferentes após a decisão do Governo Central da URSS de transformar toda a Ásia Central no celeiro do grande bloco comunista. Os planejadores de Moscou elaboraram os mais diferentes planos para o aproveitamento das águas dos rios Amu Daria e Syr Daria para irrigação de campos agrícolas, onde seriam produzidas grandes quantidades de grãos como trigo, cevada, milho e arroz, além do importante algodão para a indústria têxtil.
A partir da década de 1920, a área de agricultura irrigada na República do Turcomenistão foi extensivamente ampliada a fim de atender a uma proclamação de Vladimir Lenin (1870-1924), solicitando o aumento da produção do algodão. Na década de 1930, já sob o comando de Joseph Stálin (1878-1953), o Ministério da Água iniciou a implantação de gigantescos projetos de construção de canais de irrigação no Uzbequistão, Cazaquistão e Turcomenistão, com o objetivo de transformar suas estepes nos celeiros da União Soviética, alcançando a autossuficiência na produção de grãos e algodão.
O primeiro grande canal de irrigação foi concluído em 1939 no Vale de Ferghana no Uzbequistão; no final da década de 1940 foram concluídos canais em Kizil-Orda no Cazaquistão e na região de Taskent no Uzbequistão. Na década de 1950, foram construídos o Kara Kum, um canal com 800 km de extensão entre o rio Amu Daria e Ashkhadab, o sistema de irrigação de Mirzachol Sahra, o canal Chu no Quirguistão e o Reservatório de Bahr-i Tajik no Tadjiquistão.
A partir do final da década de 1950, Moscou decidiu que toda a região irrigada da Ásia Central passaria a se ocupar exclusivamente com a monocultura do algodão. Essa nova resolução inspirou uma frase que passaria a ser usada na propaganda oficial soviética – “quando o branco da neve cobre Moscou, o ouro branco do algodão cobre as Repúblicas Soviéticas da Ásia Central”.
Às custas de grandes volumes de água, os planejadores do Governo Central em Moscou conseguiram transformar os desertos da Ásia Central em grandes áreas de produção agrícola. Em alguns lugares, onde as areias inertes dos desertos não permitiam o crescimento de praticamente nenhuma planta, eram apenas os sedimentos e os sais minerais dissolvidos nas águas que permitiam o desenvolvimento das culturas.
As grandes intervenções na dinâmica das águas dos grandes rios, entretanto, tiveram impactos ambientais desastrosos no Mar de Aral. O grande lago era o ponto terminal da grande bacia hidrográfica endorreica (ou seja, sem saída para o mar) formada pelos rios Amu Daria e Syr Daria. O Mar de Aral perdia todos os anos cerca de 10% do seu volume de águas para a evaporação. Essas perdas eram repostas continuamente pelos aportes de água dos rios Amu Daria e Syr Daria.
Com o desvio da maior parte das águas da bacia hidrográfica para os sistemas de irrigação, o Mar de Aral começou a secar rapidamente. O lago só não secou completamente porque o Governo do Cazaquistão, com financiamento do Banco Mundial, construiu uma barragem com 13 km de extensão na década de 1980, e conseguiu manter um pequeno trecho lago com água. Esse trecho, mais conhecido como Mar do Norte de Aral, corresponde atualmente a apenas 10% da área original do corpo d’água.
Na próxima postagem vamos mostrar como a ótima ideia de transformar os desertos da Ásia Central em uma grande região de produção agrícola foi fatal para o Mar de Aral e para os milhões de habitantes da região.
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