A CRISE NO ABASTECIMENTO DE ÁGUA CRIADA PELO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE REJEITOS EM MARIANA

A água é um dos recursos naturais mais essenciais à vida. Seus múltiplos usos incluem o abastecimento de populações, agricultura, indústria, geração de energia elétrica, navegação, pesca e aquicultura, turismo e recreação, entre muitos outros usos. Em situações de emergência ou de escassez, porém, os usos prioritários da água passam a ser o consumo humano e a dessedentação de animais. O rompimento da Barragem do Fundão e a contaminação do rio Doce com toneladas de rejeitos de mineração em 2015 colocou todos esses conceitos à prova. 

Com aproximadamente 850 km de extensão, o rio Doce era o mais importante manancial de água do Leste de Minas Gerais e Norte do Espírito Santo até o início do mês de novembro de 2015, quando aconteceu o rompimento da barragem de rejeitos minerais em Mariana. Em menos de uma semana, um trecho da calha do rio com cerca de 600 km foi totalmente tomado pela lama e pelos rejeitos minerais, comprometendo o abastecimento de água em dezenas de cidades e vilarejos, onde vivem cerca de um milhão de pessoas. 

De acordo com diversas fontes de consulta, a bacia hidrográfica do rio Doce possui entre 300 mil e 375 mil nascentes, espalhadas por uma área total de mais de 70 mil km² dentro dos domínios do bioma Mata Atlântica. Todas essas nascentes e pequenos afluentes do rio Doce se transformaram na tábua de salvação para as populações das cidades e vilas que captavam a água para seu abastecimento diretamente na calha do rio Doce e que foram obrigadas a suspender imediatamente esse serviço. 

Nas primeiras semanas após o desastre ambiental, o abastecimento das populações passou a ser feito por centenas de caminhões-pipa contratados pela empresa Samarco, a proprietária e operadora da Barragem de Fundão, e de forma emergencial pelas Prefeituras, Governo do Estado de Minas Gerais e também pelas Forças Armadas Brasileiras. Os custos dessas operações, que também incluíram a distribuição de água mineral para a população (vide foto), passaram a ser bancados depois exclusivamente pela Samarco. 

Passada essa fase inicial de emergência absoluta, cada um dos municípios atingidos passou a procurar alternativas técnicas para a purificação da água captada na calha do rio Doce ou na busca de fontes alternativas de água. Vejam alguns exemplos: 

O município de Barra Longa foi um dos primeiros a sofrer o impacto do vazamento da Barragem de Fundão. O rio Gualaxo do Norte, que corta o município e era a principal fonte de abastecimento da população de 5.200 habitantes, foi o caminho que a onda de rejeitos seguiu até atingir o rio Doce.

Durante os primeiros meses após o acidente, o abastecimento da população foi feito através de caminhões-pipa e pela distribuição de garrafas de água mineral, até que foi possível a conclusão de adutoras emergenciais que passaram a permitir a captação de água em diversos pequenos cursos no município.  

No início de 2020, foi inaugurado um novo sistema de abastecimento de água com dois reservatórios custeados pela Fundação Renova, uma organização sem fins lucrativos criada pela Samarco Mineração com o objetivo de gerenciar e mitigar os danos ambientais e sociais criados pelo vazamento. O caso de Barra Longa é muito parecido com o de outras pequenas cidades e vilarejos nos municípios de Mariana, Naque, Periquito e Resplendor, entre outros. 

Em Resplendor, município com população de 17 mil habitantes e com forte dependência da produção rural, a captação de água passou a ser feita a partir de dois poços de 120 metros de profundidade. Esses poços trabalham de forma interligada com uma estação de bombeamento e com uma adutora que leva a água até a ETA – Estação de Tratamento de Água, do município, que foi reformada e recebeu novos equipamentos. As obras foram realizadas em conjunto pela Fundação Renova e pela COPASA – Companhia de Saneamento de Minas Gerais. 

No município de Governador Valares, o mais populoso do vale do rio Doce, perto de 300 mil habitantes ficaram cerca de uma semana com as torneiras totalmente secas e dependendo exclusivamente dos caminhões-pipa e da distribuição de água mineral. Toda a água utilizada no abastecimento da população era captada no rio Doce

Após algumas adaptações nas cinco estações de tratamento de água, o SAAEE – Serviço Autônomo de Águas e Esgotos, do município passou a usar uma substância coagulante natural produzida a partir da casca da acácia-negra, uma espécie de árvore de origem africana e cultivada no sul do Brasil. Esse polímero natural acelera o processo de decantação da água e permite a separação dos resíduos de lama e rejeitos minerais antes do tratamento. Apesar da desconfiança inicial da população, que se recusava a usar a água distribuída pela empresa, pouco a pouco o abastecimento foi normalizado. 

Uma adutora com 35 km de extensão está em fase de conclusão e passará a conduzir as águas captadas no rio Corrente Grande diretamente para as estações de tratamento da cidade. O investimento total nessas obras é de R$ 155 milhões e a cidade não vai mais precisar captar as águas do rio Doce. 

Em Galileia, município com 10 mil habitantes e que também captava toda a água usada no seu abastecimento no rio Doce, o uso do polímero da acácia-negra também foi a alternativa encontrada pelo SAAEE do município para regularizar o abastecimento. A população da cidade ficou cerca de 35 dias dependendo de caminhões-pipa e da distribuição de água mineral.  

Assim como aconteceu em Governador Valadares, a população também ficou receosa quanto a qualidade da água, mas aos poucos foi aceitando. Em 2019, a cidade inaugurou um reservatório de água com capacidade para armazenar 450 mil litros e passou a utilizar a água de fontes alternativas e de quatro poços artesianos. 

Um caso interessante foi o da cidade de Baixo Guandu, no Espírito Santo. Assim que as primeiras notícias sobre o vazamento da Barragem de Fundão foram divulgadas e ficou evidente que era apenas uma questão de dias até que o abastecimento de água fosse comprometido, a Defesa Civil local iniciou obras para a construção de um sistema emergencial de abastecimento. 

O rio Guandu, um afluente do rio Doce e que não tem qualquer relação com o rio homônimo do Rio de Janeiro, possuía uma barragem com um reservatório de água de uma antiga PCH – Pequena Central Hidrelétrica, desativada há cerca de 40 anos e que foi transformada em manancial de abstecimento da cidade. Trabalhando em mutirão com um grupo de voluntários da cidade, a Defesa Civil conseguiu construir três adutoras emergenciais em apenas 4 dias. Esse sistema passou a permitir o transporte diário de 100 mil litros de água para a estação de tratamento da cidade. Esse sistema foi substituído por adutoras definitivas ao longo dos meses seguintes. 

Uma outra frente de trabalho da Fundação Renova é o Programa de Recuperação de Nascentes, que faz parte de uma longa lista de compensações ambientais acordadas no TAC – Termo de Ajuste de Conduta, assinado pela Samarco Mineração e o Ministério Público do Meio Ambiente de Minas Gerais. Esse Programa prevê a recuperação de 5 mil nascentes de água ao longo de 10 anos. Ao redor dessas nascentes serão plantadas mudas de árvores nativas, que no final do projeto deverão totalizar aproximadamente 40 mil hectares de áreas verdes. 

A presença de vegetação nas áreas de nascentes, principalmente árvores, é fundamental para permitir a infiltração das águas das chuvas nos solos e possibilitar a recarga de lençóis subterrâneos e aquíferos, garantindo assim o volume dos caudais dessas nascentes. Essas mini florestas serão a garantia do abastecimento futuro das populações das cidades da região, que durante muito tempo ainda não poderão dispor do uso das águas do rio Doce.

Finalizando, todas essas ações fazem parte de um dos mais importantes princípios do Direito Ambiental: o poluidor/pagador – qualquer pessoa, empresa ou entidade que provocar prejuízos ao meio ambiente será obrigado a reparar todos os danos. Então, que assim seja!

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