FLORESTA DA TIJUCA: UM EXEMPLO DOS IMPACTOS DA DEVASTAÇÃO AMBIENTAL PRODUZIDA PELA CAFEICULTURA

Nas últimas postagens montamos um resumido quadro histórico da chegada e interiorização da cultura do café na Província do Rio de Janeiro. Segundo os registros históricos, as primeiras mudas e/ou sementes de café chegaram nas terras fluminenses por volta de década de 1760. Ainda nas últimas décadas do século XVIII, os primeiros cafezais começaram a ocupar áreas ao redor da cidade do Rio de Janeiro. Uma dessas áreas ficava exatamente onde encontramos hoje a Floresta da Tijuca. 

Quando a cidade do Rio de Janeiro foi fundada em 1565, as montanhas e serras da região eram cobertas por uma imponente cobertura florestal, constituída exclusivamente por espécies da Mata Atlântica. Eram árvores de grande porte, com algumas espécies podendo chegar até 45 m de altura e com troncos de mais de dois metros de diâmetro. A partir de meados do século XVII, essas matas começaram a ser derrubadas e substituídas por plantações de cana-de-açúcar, principalmente na região da Baixada Fluminense.  

Além de necessitar de grandes extensões de terras para as plantações de cana, a indústria do açúcar também exigia a queima de grandes quantidades de madeira para a geração do calor necessário às diversas etapas da produção do açúcar – eram usados até 20 kg de lenha para a produção de um único quilo de açúcar. Os remanescentes florestais que ainda existiam na região passaram a ser derrubados e transformados em lenha para os engenhos. 

Em 1763, após o início da exploração do ouro nas Minas Gerais, a capital da Colônia foi transferida de Salvador para a cidade do Rio de Janeiro. A proximidade geográfica com as zonas produtoras facilitaria imensamente a administração da produção e a exportação do precioso metal para a Metrópole. A cidade portuária viveu nesse momento a sua primeira explosão populacional, assumindo em pouco tempo o título de maior cidade da Colônia com uma população de 30 mil habitantes. 

No final do século XVIII, as plantações de café começaram a ocupar as antigas áreas desflorestadas pelos canaviais e também a pressionar as matas remanescentes. O cafeeiro, conforme já comentamos em outras postagens, é uma planta arbustiva bastante exigente quanto a qualidade dos solos, excessos de calor e de frio, ventos e concorrência com outras espécies vegetais.

Rapidamente, os produtores perceberam que as encostas dos morros com suas matas eram os locais ideais para o plantio dos cafezais. A região da Tijuca, que ainda apresentava uma expressiva cobertura de floresta de Mata Atlântica há época, passou a ser desmatada e ocupada com imensos cafezais

O sucesso da cultura do café rapidamente começou a mostrar os seus custos ambientais em função da substituição da cobertura florestal por plantações. Apesar de sua localização em uma das melhores áreas portuárias naturais do Brasil – a Baía da Guanabara, a cidade do Rio de Janeiro sempre sofreu com a falta de água potável. Esses problemas se agravaram após a chegada do café a terras fluminenses.

Sem rios extensos e caudalosos, o abastecimento da população local sempre dependeu dos inúmeros riachos com nascentes nas encostas dos morros. Um desses corpos d’água, o Rio da Carioca, tinha suas nascentes justamente nas matas da Tijuca. Com a devastação das matas na região, o rio passou a apresentar uma grande redução dos seus caudais

O sistema de abastecimento da cidade do Rio de Janeiro, construído logo após a transferência da capital, trazia as águas do Rio da Carioca até o centro da cidade através de um sistema de tubulações que incluía um trecho em forma de aqueduto – os famosos Arcos da Lapa (vide imagem). Essa água jorrava através de um conjunto de fontes públicas e era carregada por moradores e escravos em jarros até as residências.

Os já antigos problemas de abastecimento de água na cidade passaram a ser mais frequentes a partir de 1808, ano da chegada da família Real Portuguesa. Naquele ano, a então modesta cidade colonial do Rio de Janeiro foi promovida a Metrópole do Império Ultramarino Português e sofreu uma grande explosão populacional.

Com a eminente invasão de Portugal pelas tropas francesas comandadas por Napoleão Bonaparte, toda a Corte Portuguesa (estamos falando de um número entre doze e vinte mil pessoas, conforme a fonte) acompanhou a Família Real para um “exílio” em terras brasileiras. Somente na frota da Marinha da Inglaterra, país aliado de Portugal e que disponibilizou vários navios para a evacuação de Lisboa, aproximadamente 11.500 pessoas se espremeram nas naus para acompanhar a Família Real e se beneficiar desta segurança para a fuga.

A cidade do Rio de Janeiro, bastante modesta para o padrão das capitais europeias da época, era de longe a cidade com a “melhor infraestrutura da Colônia” e candidata natural a receber todo esse contingente estrangeiro. Para acomodar, alimentar e manter toda essa crescente população, os já depauperados recursos florestais passaram a ser explorados ao máximo: precisava-se de madeiras para a construção civil, lenha para as cozinhas, liberação de novas áreas para a produção de alimentos e criação de animais, entre outros usos. 

Em períodos de estiagem a vazão da água costumava diminuir muito, o que provocava reclamações da população. Após a devastação das matas da Tijuca pelos cafezais, a água passou a desaparecer no período da seca. Além dos problemas de escassêz, a situação era agravada por atos de vandalismo – haviam relatos de danos às tubulações provocados por grupos de escravos fugitivos, que se escondiam nas matas ao redor da cidade e que buscavam dessa forma algum tipo de vingança contra os antigos senhores. 

Outro problema que surgiu foi a falta de mão de obra – após todo esse caótico período que se seguiu à chegada da Corte Portuguesa ao Rio de Janeiro, quando milhares de casas tiveram de ser construídas às pressas para acomodar os recém chegados, a cidade do Rio de Janeiro passou a apresentar uma forte demanda por mais escravos. 

Naqueles tempos antigos, todos os trabalhos domésticos, desde a preparação dos alimentos até a ingrata tarefa de esvaziar os penicos usados pela nobreza e pelas elites, dependiam dos escravos. Essa mão de obra também era essencial para carregar compras e todo o tipo de produtos, carregar as liteiras (o tipo de transporte individual usado há época), rachar e carregar lenha para as cozinhas, tratar dos animais domésticos e das hortas, entre outros trabalhos.

Nos sítios e fazendas do cinturão verde da cidade, se faziam necessárias mais mãos para trabalhar na produção de alimentos como o milho e a mandioca. A nascente indústria cafeeira, por sua vez, demandava cada vez mais gente a fim de atender ao insaciavel mercado externo do café. 

A província do Rio de Janeiro se transformou rapidamente no maior mercado comprador de escravos do Brasil – fossem eles “novos”, recém importados desde os portos da costa da África, fossem eles de “segunda mão”, trazidos de outros pontos da Colônia. Os preços dos “produtos” dispararam e muita gente fez fortuna. Esse aumento vertiginoso da população, livre e escrava, só fazia aumentar a pressão sobre os parcos recursos hídricos disponíveis então. 

Como não poderia deixar de ter acontecido, a cidade do Rio de Janeiro simplesmente entrou em colapso devido à escassez de água. Foi então que os Governantes locais se lembraram das antigas matas que outrora existiram na região da Tijuca, onde abundavam nascentes de água. Era preciso reflorestar a região e torcer pela volta das nascentes de água. 

Foi assim que começou a renascer a Floresta da Tijuca. Falaremos disso na próxima postagem. 

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