O FRACASSO DOS ENGENHOS E CANAVIAIS NAS CAPITANIAS DE SÃO VICENTE E DE SANTO AMARO

O grande centro de produção açucareira aos tempos do Brasil Colônia se estendia entre a região de Ilhéus, no Sul do atual Estado da Bahia, e o Rio Grande do Norte. Entre a década de 1530 e o final do século XVIII, essa região foi a principal produtora de açúcar do mundo. Com a descoberta das minas de ouro na Região das Geraes nos últimos anos do século XVI e com a crescente concorrência dos engenhos da região do Mar do Caribe e América Central, a indústria açucareira do Brasil entrou em uma forte e contínua decadência. 

Uma das “heranças” mais nefastas desse período foi a destruição quase total do trecho nordestino da Mata Atlântica e a perda dos férteis solos de massapê que outrora abundavam na região. Outro grave problema ambiental foi a expulsão das boiadas na direção do Semiárido, o que levou a uma superexploração dos recursos naturais e agravamento dos problemas associados à seca. 

A cultura da cana de açúcar no Brasil, entretanto, não ficou limitada à Região Nordeste. Engenhos e canaviais também foram instalados mais ao Sul da grande Colônia de Portugal, mais especificamente nas Capitanias do Espírito Santo, de São Tomé, que englobava o Sul do Espírito Santo e o Norte fluminense, e, principalmente, nas Capitanias de São Vicente e Santo Amaro, que foram as principais formadoras do Estado de São Paulo.  

Os engenhos dessas Capitanias não conseguiam acompanhar os grandes volumes de produção da Região Nordeste e, apesar dos esforços, a destruição da Mata Atlântica local foi bem menor. 

Os Donatários das Capitanias de São Vicente e de Santo Amaro foram os irmãos Martim Afonso de Sousa e Pero Lopes de Sousa que, entre os anos de 1530 e 1533, realizaram uma grande expedição exploratória na região. De acordo com alguns registros históricos (não há consenso), as primeiras mudas de cana-de-açúcar foram trazidas para São Vicente a partir de São Tomé e, muito provavelmente, da Ilha da Madeira, onde os navios faziam escala nas viagens rumo à Índia. 

Tradicionalmente, os livros escolares costumam atribuir a Martim Afonso de Sousa a construção do primeiro engenho de açúcar do Brasil, porém, existem registros históricos que mostram que seu engenho foi o terceiro a entrar em operação no país. 

É provável que os irmãos Pero e Luís de Góis tenham sido os primeiros a erguer, em 1532, um engenho na Capitania de São Vicente (provavelmente o primeiro do Brasil), denominado Engenho-da-Madre-de-Deus. O segundo, Engenho-de-São-João, foi construído em 1533 por José Adorno e dois dos seus irmãos, Francisco e Paulo. O terceiro, pertencente a Martim Afonso de Sousa, Engenho-do-Trato ou Engenho-do-Senhor-Governador, só começou a ser construído em 1534.  

De acordo com o livro lançado por Pero de Magalhães Gândavo em 1576 – História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos de Brasil, existia 1 engenho em operação no Espírito Santo e outros 4 em São Vicente há época. Já na História Geral do Brasil, Francisco Adolfo de Varnhagen afirma que existiam 127 engenhos no Brasil há época, mais do que o dobro do número informado por Pero de Magalhães Gândavo. Entre esses engenhos se incluem 6 em São Vicente; 3 em São Tomé e 6 no Espírito Santo

Apesar do pioneirismo dos empreendedores das Capitanias de São Vicente e de Santo Amaro, a história da indústria açucareira nessa região não foi das mais longas e lucrativas do Brasil. Existem diversas explicações para esse aparente fracasso regional – a mais citada é a geografia da estreita planície costeira paulista, que, espremida entre as encostas da Serra do Mar e as águas do Oceano Atlântico, não possuía muito espaço para a formação de grandes campos agrícolas para o plantio das canas como na Região Nordeste. 

Bem menos citado nos livros eram os frequentes ataques de piratas aos engenhos da região e que causavam enormes prejuízos para os produtores. Em 1591, a expedição corsária do inglês Thomas Cavendish atacou e saqueou a capitania de São Vicente e, não bastando, incendiou as cidades de Santos e São Vicente, destruindo os engenhos de açúcar e provocando prejuízos incalculáveis aos proprietários das sesmarias de terra.  

Em 1615 houve um outro grande ataque, quando a esquadra do almirante holandês Joris van Spilberg desembarcou em Santos, saqueando e incendiando novamente engenhos. Desta vez, as moendas de cana foram destruídas e os engenhos não puderam ser recuperados.

Conforme comentamos em uma postagem anterior, há época existiam poucas fundições na Europa com capacidade para a produção das complexas engrenagens das moendas e seriam necessários vários anos para a reposição dos mecanismos destruídos, com custos exorbitantes. A cultura da cana de açúcar na região nunca se recuperou completamente desses golpes e gradativamente foi perdendo importância econômica. 

É aqui que ocorreu uma guinada que marcaria para sempre a história dos chamados paulistas – a partir de meados da década de 1550, a região do Planalto de Piratininga passou a abrigar uma série de vilas e de fazendas, com grande produção de alimentos. Além das tradicionais culturas de milho e mandioca, a região também produzia trigo e vinhos, produtos que há época precisavam ser importados da Europa. Outro produto “famoso” de Piratininga eram as marmeladas, que eram acondicionadas em caixinhas de madeira e vendidas com muito sucesso nas vilas do litoral e do interior.  

Após as descobertas das minas de ouro na região das Geraes, que inclusive foi um feito de bandeirantes paulistas em 1693, o Planalto de Piratininga se transformaria num grande produtor e “exportador” de alimentos. A vocação comercial da região seria complementada pela venda de indígenas escravizados pelos bandeirantes, principalmente aqueles capturados nas Missões Jesuíticas espanholas do Paraguai e do Rio Grande do Sul, e que se mostrariam importantes para os trabalhos domésticos nas fazendas mineiras, sendo muito mais baratos que os escravos africanos. 

Oficinas locais do Planalto de Piratininga e de vilas do interior também produziam tecidos grosseiros, roupas, sapatos e botas, ferramentas como pás, enxadas e picaretas (cito o meu bairro na cidade de São Paulo– Santo Amaro, que surgiu em função de uma mina de minério de ferro encontrada na região), chapéus de feltro e cachaça – a famosa “caninha paulista” teve suas origens nesse período. 

Um outro produto fundamental vendido pelos paulistas eram as tropas de burros e mulas vindas da região Sul da Colônia. Esses animais, que eram essenciais para os trabalhos nas regiões de mineração, eram trazidos primeiro até a região de Sorocaba e depois eram carregados com alimentos e outros produtos, e levados por tropeiros para as Geraes – animais, alimentos e outros produtos eram vendidos a “peso de ouro”, literalmente.

Esse mercantilismo paulista gradativamente substituiu a indústria açucareira local, que por fim acabou sendo completamente abandonada. Ironicamente, o tempo reescreveria a história da cultura da cana de açúcar no Estado de São Paulo que, atualmente, é o maior produtor de açúcar e de etanol do Brasil. 

O naufrágio da indústria açucareira em São Paulo teve uma importante consequência ambiental – sem a pressão dos canaviais, grandes áreas destruídas da Mata Atlântica na região da planície costeira puderam se recuperar, o que somado aos trechos intactos ao longo do relevo acidentado da Serra do Mar formam atualmente um dos trechos contínuos mais preservados do bioma no Brasil. Como diz o velho ditado – há males que vem para o bem. 

A Mata Atlântica no interior do Estado sobreviveria até meados do século XIX, quando passou a sucumbir lentamente diante do avanço dos cafezais. Trataremos disso em futuras postagens.

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