Durante quae 300 anos, entre o século XVI e o final do século XVIII, a Região Nordeste do Brasil figurou entre os maiores centros de produção de açúcar do mundo. A uma certa altura, essa posição passou a ser abalada gradativamente pelo crescimento de um sem número de engenhos franceses, ingleses e holandeses nas ilhas do Mar do Caribe e em países da América Central Continental. Com uma estrutura produtiva mais eficiente e contando com melhores condições de transporte até os mercados na Europa, o açúcar da região começou a eclipsar aquele produzido aqui no Brasil.
Outro duro golpe sofrido pela nossa indústria açucareira foram as notícias da descoberta, a partir do final do século XVI, de grandes quantidades de ouro na região que passou a ser chamada de Minas Geraes. Uma verdadeira “febre do ouro” se abateu sobre a população da Colônia e, ao longo do meio século seguinte, mais de 2/3 da população abandonou as áreas ao longo do litoral e se embrenhou nos sertões para tentar a sorte nos garimpos de ouro. A já decadente indústria açucareira acabou por entrar em colapso por falta de mão de obra.
Ao longo de todo o seu ciclo, o açúcar fez a fortuna de um seleto grupo de senhores de engenho, importadores, revendedores e comerciantes da Europa. Para nós brasileiros, restou uma faixa de terras desgastadas e despidas da sua antiga cobertura florestal – a Mata Atlântica. Quem visita a Região Nordeste atualmente, fica fascinado com os extensos coqueirais ao longo das praias – o coco, para quem não sabe, foi trazido da Índia e ilhas da região do Indo-Pacífico, sendo plantado aleatoriamente nas terras desnudas que restaram.
Nem tudo, porém, estava perdido para a Mata Atlântica na Região Nordeste – uma importante área no Sul do Estado da Bahia conseguiu sobreviver ao avanço dos canaviais. Essa “sobrevivência” não foi gratuita – os ferozes índios botocudos que viviam na região atacaram impiedosamente todos os assentamentos e engenhos que tentaram se instalar na região, levando os “brancos” a desistirem da empreitada.
Esses índios usavam discos de madeira nos lóbulos das orelhas e no lábio inferior, o que lhes dava uma aparência assustadora e levou os portugueses a chamá-los genericamente de botocudos. Esses índios pertenciam ao tronco macro-jê, um grupo linguístico indígena sem ligação com os tupis que predominavam na Região Nordeste. Em muitos lugares eles eram conhecidos pelo nome de aimorés.
O território dos índios botucudos incluía todo o Sul da Bahia, o Norte do Espírito Santo e o vale do Rio Doce em Minas Gerais. Com nascentes na Serra da Mantiqueira, o rio Doce oferece uma ligação natural entre o Oceano Atlântico e a região de mineração no centro das Minas Geraes. Devido a presença dos implacáveis botocudos ao longo das suas margens, as águas do rio Doce nunca puderam ser utilizadas para o transporte de pessoas e cargas para as regiões mineradoras, além de não permitir o escoamento do ouro produzido.
As matas do Sul da Bahia permaneceriam praticamente intocadas até o início do século XIX, quando a cultura de uma planta trazida da Amazônia encontraria ali as condições ideias para se desenvolver – o cacau. Aqui é importante lembrar que os botocudos já não dominavam mais a região a essa altura. Os Governantes da época realizaram grandes “esforços” para combater esses índios, contratando inclusive os chamados bugreiros – caçadores de índios, que ganhavam uma recompensa por cada índio “neutralizado”.
O cacaueiro (Theobroma cacao) é uma árvore originária da bacia hidrográfica do rio Amazonas e das florestas da América Central, que produz um fruto chamado cacau – são as castanhas do cacau que dão origem ao nosso chocolate do dia a dia. Foram as grandes civilizações mesoamericanas dos Maias e dos Astecas que desenvolveram as primeiras bebidas preparadas a base do cacau – o kabkajatl.
Os conquistadores espanhóis que chegaram ao continente americano a partir do final do século XV e que experimentaram a bebida, tinham muita dificuldade para pronunciar esta palavra nativa, que acabou sendo hispanizada para cacauatl, e por fim acabou resumida a cacau. Levado inicialmente para a Espanha, o cacau passou a ser consumido como uma bebida quente com leite e açúcar. A partir daí, ganhou o mundo com o nome de chocolate.
Diferente de outras culturas, o cacau depende da sombra de uma floresta para sobreviver, o que torna o seu cultivo sustentável do ponto de vista ambiental. O sucesso da região Sul da Bahia na produção do cacau foi fruto da preservação da Mata Atlântica, que fornece sombra, umidade e proteção contra os ventos.
Além de garantir a geração de riqueza e trabalho para as populações locais, essa produção em sistema agroflorestal foi fundamental para a conservação de grandes corredores de mata nativa, onde hoje encontramos algumas espécies raras como o jequitibá-rosa (Cariniana legalis), o pau-brasil (Brasiliana echinata) e a gameleira (Ficus gomelleira), espécies que desapareceram de regiões onde a Mata Atlântica foi praticamente dizimada.
O cacaueiro pode chegar a uma altura de 20 metros. Em plantações comerciais, onde as árvores recebem podas periódicas, essa altura normalmente fica entre 3 e 5 metros, o que facilita muito a colheita dos frutos. Existiam cerca de 60 mil produtores de cacau no Brasil até o início da década de 1990, sendo a região Sul do Estado da Bahia a que concentrava o maior número de plantadores. A produção baiana chegou a responder por 61% da produção brasileira de cacau, seguida pelo Pará, que produz 23% – Roraima, Espírito Santo e Amazonas produzem juntos 15% da produção total do país.
A primeira exportação oficial registrada de cacau baiano data de 1825, quando 26,8 toneladas foram enviadas para a Inglaterra – em 1900, as exportações do produto já atingiriam a marca de 13 mil toneladas. O Estado da Bahia foi, durante décadas a fio, o maior produtor brasileiro de cacau, respondendo por até 90% da produção nacional e por cerca de 20% das receitas do Estado. O Brasil chegou a responder por cerca de 40% da produção mundial de cacau.
A região de Ilhéus, no Sul da Bahia foi, durante muito tempo, de uma prosperidade ímpar graças ao cacau – os grandes coronéis dos tempos áureos da cultura deixaram as suas marcas por toda a região. Nos romances de Jorge Amado, como Gabriela, Cravo e Canela, encontramos relatos vivos desse apogeu regional.
Crises econômicas internacionais, a II Guerra Mundial e, especialmente, a grande produtividade de países da África, pouco a pouco minaram a prosperidade da indústria cacaueira do Sul da Bahia e marcaram o fim do reinado de muitas “dinastias” de grandes produtores baianos. Uma praga agrícola originária da Bacia Amazônica, conhecida popularmente como vassoura-de-bruxa, foi detectada na região de Ilhéus-Itabuna em 1989 e comprometeu gravemente a produção local do cacau.
A doença é causada por um fungo, o Moniliophtora perniciosa, que destrói tecidos das plantas e reduz imensamente a produtividade dos cacaueiros. Entre 1991 e 2000, a produção de cacau no Brasil caiu de 320,5 mil toneladas para 191,1 mil toneladas por causa da vassoura-de-bruxa. A participação do cacau brasileiro no mercado mundial caiu de 14% para 4% e nossas indústrias de alimentos passaram a depender da importação do produto.
Os cacaueiros tentam resistir no Sul da Bahia, apesar dos problemas ainda enfrentados com a vassoura-de-bruxa, com a pressão exercida pela criação de gado e avanço dos campos agrícolas que, como em séculos passados, avançam contra o que sobrou da Mata Atlântica. Além de garantir a continuidade da atividade e de toda a renda e empregos que ela pode gerar, o cacau é fundamental para salvar o que restou das matas na região.
Então, um viva para o chocolate!
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