PORTUGAL: UMA “ILHA” CERCADA POR ESPANHA E MARES POR TODOS OS LADOS, OU O INÍCIO DA HISTÓRIA DO AÇÚCAR EM TERRAS LUSAS

Dom Afonso Henriques

A produção intensiva de cana e de açúcar ao longo dos três primeiros séculos de colonização do Brasil foram os principais responsáveis pela devastação de praticamente todo o trecho nordestino da Mata Atlântica – isso será detalhado em uma sequência de postagens aqui no blog. Entretanto, é interessante analisarmos a situação política e econômica de Portugal há época, para entendermos a importância real do comércio do açúcar para a nossa pátria-mãe. 

Sem nos atermos a maiores detalhes, os Condados Portucalense e de Coimbra, embriões do futuro Reino de Portugal, eram até o século XII, os territórios mais ocidentais da Península Ibérica e faziam parte do Reino de Leão. Tempos depois, só para relembrar, os Reinos de Leão, Castela e Aragão, entre outros menores, se fundiriam e dariam origem à Espanha. Esse novo Reino aumentaria gradativamente os seus domínios na Península Ibérica, especialmente após a expulsão dos muçulmanos. 

É aqui que ocorreu uma espécie de ponto de inflexão na história: em 1139, o líder dos Lusitanos, Dom Afonso Henriques (vide imagem), venceu os mouros ou muçulmanos na Batalha de Ourique. Diz uma lenda que, logo após a batalha, o próprio Jesus Cristo apareceu a Dom Afonso Henriques e ordenou a fundação do Reino de Portugal e lhe ordenou “levar o seu nome a nações e gentes estranhas”. O ultra religioso Dom Afonso, é claro, obedeceu a ordem divina e declarou a independência de Portugal. Preocupado com a lutas contra os muçulmanos e com as disputas com os demais Reinos Castelhanos, o rei de Leão não se ocupou com os devaneios de dois pequenos Condados no Oeste. 

Pequeno, pobre e com uma população extremamente escassa, Portugal precisou se valer do seu talento natural para o comércio e de um pragmatismo profundo para sobreviver. Cercado pela Espanha por “todos os lados”, Portugal teve de se voltar para o mar. A partir do final do século XII, os portugueses iniciaram as relações comerciais com o Condado de Flandres, região onde encontramos a atual Holanda e Bélgica, além da Inglaterra no início do século XIII. Há registros de naus portuguesas de grande porte para a época, algumas com capacidade para 100 toneladas de carga, navegando no Atlântico Norte e no Mar Mediterrâneo. 

Além dos bons vinhos e do azeite de oliva, os portugueses também dispunham de fartos estoques de bacalhau salgado. A busca intensa pelos cardumes desse peixe em águas cada vez mais distantes incentivou os portugueses a aprimoraram a construção naval e a dominar as técnicas de navegação como nenhum outro povo europeu há época. O conhecimento dos ventos, das correntes marinhas e o aperfeiçoamento da tecnologia naval impulsionavam as embarcações portuguesas para distâncias cada vez maiores mar à dentro. O Atlântico foi se transformando no mais português de todos os mares. 

Além desses produtos citados, uma nova cultura havia chegado às terras portuguesas da Região do Algarve pelas mãos dos muçulmanos no ano de 1159 – a cana de açúcar. Essa planta ajudaria a mudar os rumos do Reino. Com a consolidação da independência de Portugal e com o avanço dos exércitos cristãos cada vez mais para o Sul nas décadas seguintes, o açúcar se tornaria um dos mais importantes produtos da pauta de exportações do Reino. 

Uma outra ajuda inesperada, essa em recursos humanos, passou a chegar ao país partir dos séculos XIII e XIV – os remanescentes da Ordem dos Templários, que eram perseguidos pela Igreja Católica no resto da Europa, encontraram asilo no reino de Portugal, onde fundaram a Ordem de Cristo. Entre estes perseguidos encontravam-se judeus, árabes e outros intelectuais, cujos conhecimentos e manifestações de fé eram considerados perigosos ou heréticos pela Santa Inquisição. Entre os exilados havia navegadores e cartógrafos de renome, que muito contribuiriam para a expansão marítima portuguesa

O infante Dom Henrique (há muita confusão entre esse nobre do século XV com Afonso Henriques, fundador do reino de Portugal no século XII), filho do rei de Portugal, fazia parte da Ordem de Cristo e foi um grande patrono das artes e ofícios da navegação. Por volta do ano de 1417, Dom Henrique iniciou o processo de concentração de todo um grupo de especialistas em astronomia, oceanografia, cartografia e navegação na região do Algarves, dando origem àquela que ficou conhecida como a Escola de Sagres

Graças aos conhecimentos acumulados pela Escola de Sagres e aos esforços dos membros da Ordem de Cristo, grandes navegadores como Gil Eanes, Diogo Cão, Bartolomeu Dias e Vasco da Gama promoveram uma expansão marítima sem precedentes para Portugal. Pedro Álvares Cabral, comandante da esquadra que “descobriu” o Brasil era cavaleiro desta ordem – a cruz vermelha, que você já viu nas velas de naus portuguesas da época representadas em quadros e pinturas antigas, eram o símbolo desta Ordem. 

Entre as descobertas marítimas portuguesas destacam-se a ilha da Madeira (1420), o arquipélago dos Açores (1427), o contorno do Cabo Bojador no Leste da África (1434), além da descoberta da Costa dos Esqueletos (1485) e do Cabo da Boa Esperança (1487) no Sul da África, que abririam em definitivo o caminho para as Índias na expedição pioneira de Vasco da Gama (1497-1499). A formação de campos de produção de cana de açúcar acompanhou de perto cada uma dessas descobertas. 

As primeiras mudas de cana de açúcar chegaram na Ilha da Madeira em 1425. Em 1460, foram plantados os primeiros canaviais nos Açores e em 1493, nas Ilhas de São Tomé e Príncipe. A partir de meados do século XV, o açúcar português produzido nas ilhas oceânicas do Atlântico já era um sucesso nos mercados em diversos países europeus. Em 1490, já existiam mais de cem embarcações dedicadas exclusivamente ao transporte desse açúcar para a Europa. Entre os capitães dessas embarcações, houve um jovem que mudaria os destinos da humanidade em 1492 – o genovês Cristóvão Colombo

Os ávidos comerciantes portugueses tinham como objetivo maior descobrir uma rota marítima que levasse as suas naus até o Oriente, onde poderiam comprar as famosas e caras “especiarias” diretamente dos produtores. Esses produtos eram transportados por caravanas de mercadores por terra desde a antiguidade, que atravessavam grandes extensões da Ásia rumo à Europa. Desde as fontes produtoras na Índia e terras do Sudeste Asiático até os portos no Mar Mediterrâneo, os preços dessas mercadorias eram multiplicados centenas de vezes – os portugueses queriam abocanhar esses lucros. 

As especiarias mais conhecidas e comercializadas na Europa eram a “canela, gengibre verde e seco, pimenta, cravo, noz-moscada, óleo de noz-moscada, almíscar, algabia (fonte de perfume), istorac (remédio indiano), benjoim, porcelana, cássia, mástica, incenso, mirra, madeira de sândalo, madeira de aloé, cânfora, âmbar, cana-da-índia, laca, múmia (remédio), anil ou índigo, tuzia, ópio, aloé patico, folio indico (folha de índigo – corante), entre muitas outras”. O brazil, famoso corante indiano, também entra nessa lista. 

Essa busca pelas especiarias foi imortalizada nos versos de Luís de Camões em “Os Lusíadas”: 

E se buscando vás mercadoria,  

Que produze o aurífero Levante, 

Canela, cravo, ardente especiaria, 

Ou droga salutífera e prestante, 

Ou se queres luzente pedraria, 

O rubi fino, o rígido diamante, 

Daqui levarás tudo tão sobejo 

Com que faças o fim a teu desejo.” 

A expedição que, “acidentalmente”, trouxe a esquadra de Pedro Álvares Cabral às costas brasileiras em 1500, tinha como objetivo chegar até a Índia para comprar essas especiarias e outros produtos valiosos. Com a “descoberta” do Brasil e de suas “infinitas terras e águas”, os portugueses encontraram o lugar perfeito para produzir grandes volumes de açúcar, uma produção em larga escala que seria iniciada a partir de 1532. 

O produto que significaria riqueza e glória ao Portugal dos séculos XVI e XVII, seria, ao mesmo tempo, a ruína da Mata Atlântica na Região Nordeste do Brasil. 

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