
A cafeicultura na província do Rio de Janeiro foi, ao longo de grande parte do século XIX, a principal geradora de riquezas do Brasil. Nesse período, que se estendeu até a década de 1870, a então Província do Rio de Janeiro chegou a produzir perto de 80% de todo o café brasileiro, uma cultura que trouxe muita riqueza e forjou toda uma classe de “nobres” locais.
Um grande exemplo dessa elite cafeeira foi Antônio Clemente Pinto, um proprietário rural luso-brasileiro e considerado um dos homens mais ricos dos tempos do Império. Clemente Pinto foi um típico homem de negócios da sua época e chegou a ser dono de, pelo menos, uma dúzia de fazendas produtoras de café nas regiões de Nova Friburgo, Cantagalo e São Fidélis.
Antônio Clemente Pinto nasceu em uma pequena aldeia do Norte de Portugal em 1795. Ele chegou ao Brasil em 1821, onde começou a trabalhar como caixeiro em uma loja na cidade do Rio de Janeiro de propriedade de João Rodrigues Pereira de Almeida, o Barão de Ubá, um rico comerciante e fazendeiro português. Uma curiosidade: um dos seus companheiros de ofício naqueles tempos do início de carreira foi Irineu Evangelista de Souza, o futuro Barão de Mauá e primeiro grande industrial do Brasil.
Contando com a ajuda e mentoria do seu patrão, Clemente Pinto ingressou no lucrativo e polêmico comércio de escravos africanos. Essa atividade, que até meados do século XIX foi um dos negócios mais lucrativos das três Américas, era fundamental para a agricultura há época, onde praticamente tudo dependia das pernas e braços dos escravos.
O uso da mão de obra escrava em Portugal começou ainda nos primeiros tempos da independência (ocorrida em 1139), quando muitos dos muçulmanos derrotados em batalhas eram escravizados pelos lusos. Durante séculos, os exércitos cristãos dos portugueses (e também dos castelhanos) lutaram contra os chamados mouros, empurrando os invasores cada vez mais para o Sul da Península Ibérica. A cada vitória dos cristãos, surgiam milhares de potenciais escravos para uso nos trabalhos mais pesados e degradantes.
Com a gradual conversão dos mouros ao cristianismo, os portugueses passaram a se valer dos negros escravizados comprados na África. Há registros de escravos africanos trabalhando em plantações de cana de açúcar em Portugal ainda no século XIV. Aos tempos do descobrimento do Brasil, existiam cerca de 30 mil escravos africanos em Portugal. Após as fracassadas tentativas de usar a mão de obra indígena no empreendimento da colonização do Brasil, os portugueses iniciaram a importação da mão de obra africana – um censo de 1584 indicou que já existiam cerca de 10 mil escravos trabalhando na Região do Nordeste Açucareiro.
No ano de 1600, o número total de escravos negros no Brasil atingiu a marca de 30.000; em 1700, chegou ao número de 150.000, concentrados na Região Nordeste. Durante o Ciclo do Ouro, a demanda por escravos aumentou ainda mais. Com o crescimento das plantações de café a partir das últimas décadas do século XVIII, o tradicional negócio, mais do que nunca, foi de “vento em popa” para os “empreendedores”.
Esses bons ventos, porém, mudaram de direção em 1845, quando o Parlamento Britânico aprovou o Bill Aberdeen, uma lei inglesa que passou a conceder à Marinha Real Britânica o direito de abordar em alto mar qualquer navio, de bandeira inglesa ou de qualquer outro país, suspeito de tráfico de escravos.
Essa medida passou a criar sérias dificuldades para o comércio internacional de escravos, o que levou muitos dos antigos comerciantes a mudar de ramo. Clemente Pinto passou a concentrar seus esforços e recursos na compra de terras para a produção do valioso café, entre outras atividades. Em poucos anos, Clemente Pinto se tornou um dos maiores produtores do Brasil.
Citando apenas duas de suas fazendas: em Nova Friburgo, Clemente Pinto comprou a Fazendo de São Lourenço, com uma área de aproximadamente 2 mil alqueires (considerando o antigo Alqueire Mineiro, essa medida corresponde a cerca de 9,6 mil hectares, sendo que cada hectare corresponde a 10 mil m²). Na mesma cidade, também possuía a Fazenda do Cônego com área de 1.200 alqueires (cerca de 5,8 mil hectares). Cerca de 200 escravos trabalhavam nessas fazendas.
Uma das grandes realizações de Antônio Clemente Pinto e que nos dá uma verdadeira ideia do tamanho do seu patrimônio e visão de negócios, foi a construção, com recursos próprios, da Estrada de Ferro de Cantagalo, obra iniciada em 1857 e que se destinava ao escoamento de sua produção de café. O primeiro trecho dessa ferrovia, que foi concluído em 1860, ligava a Raiz da Serra (Cachoeiras de Macacu), em Friburgo, ao Porto das Caixas, na região de Itaboraí. Após sucessivas ampliações, levadas a cabo por seu filho – Bernardo Clemente Pinto, a linha férrea passou a ligar, em 1876, Niterói a Cantagalo, passando por Nova Friburgo, com uma extensão total de 178 km.
Em reconhecimento às suas grandes realizações e, conforme comentamos em postagem anterior, feito o devido pagamento pelo título nobiliárquico, Antônio Clemente Pinto recebeu o baronato através de um Decreto Imperial em 28 de março de 1854. Junto com o título de Primeiro Barão de Nova Friburgo, Clemente Pinto também passou a ser Cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa e de Cristo, Fidalgo Cavaleiro da Casa Imperial e Grande do Império. Nada mal para um camponês nascido na pobre aldeia portuguesa de Ovelha do Marão.
Como todo bom nobre de sua estirpe, Clemente Pinto encomendou a construção de um palacete em Cantagalo ao arquiteto alemão Carl Friedrich Gustav, um dos grandes nomes há época e que também foi responsável pelo projeto de uma outra das suas propriedades – o Palácio do Catete, concluído em 1867. Inaugurado em 1860, o Palacete do Gavião (vide foto abaixo) é um grande exemplo da arquitetura neoclássica no Brasil. Fica localizado a cerca de 2 km do centro da cidade de Cantagalo, numa colina cercada por arvoredos e pomares. A construção, que atualmente pertence a particulares, ainda está bem preservada e mantém toda a sua nobreza.

Entre os muitos requintes, a sala de jantar possuía uma parede onde foi feita uma belíssima pintura a óleo – um renomado pintor francês veio de Paris especialmente para realizar a obra. Um outro destaque do Palacete é a sua capela, onde existe uma fabulosa imagem de Nossa Senhora da Conceição. Acima do altar existe um documento emoldurado com a autorização para a realização de missas no local – o texto foi escrito a próprio punho pelo Imperador Dom Pedro II e pelo Bispo de São Sebastião do Rio de Janeiro.
A figura que ilustra essa postagem reproduz uma pintura a óleo com o Barão e a Baronesa de Nova Friburgo (Laura Clementina da Silva). Observem alguns detalhes interessantes da cena – ao fundo, numa colina vista através de uma janela, vemos o Palacete do Gavião. Na mesa ao lado, temos uma maquete do Palácio do Catete e nas mãos do Barão vemos um mapa com o trajeto da sua estrada de ferro. Uma demostração incontestável de riqueza, poder e prestígio.
O Barão viria a falecer aos 74 anos no Palácio do Catete em 1869, deixando uma imensa fortuna para os seus dois filhos, um enorme legado para a sua região, além de muitas polêmicas e intrigas. Um exemplo: o embaixador da Suíça – Von Tschudi, um contemporâneo que visitou a região de Cantagalo, anotou em seu relatório oficial que circulavam na região inúmeras histórias sobre uma série de negócios ilícitos realizados pelo Barão e que extrapolavam, em muito, os negócios com o café. Nada comprovado.
O tempo de vida de Antônio Clemente Pinto coincide com o auge do ciclo do café na Província do Rio de Janeiro, desde seu início modesto nos morros nas cercanias da capital do Império até a decadência da produção e “fuga” dos cafezais para o Vale do Paraíba em São Paulo. A assinatura da Lei Áurea em 1888, que pós fim à escravidão no Brasil, e a Proclamação da República em 1889, que acabou com a monarquia, enterraram de vez os antigos meios de produção do café, além de pôr um fim no comércio de títulos nobiliárquicos no país.
A decadente “nobreza rural” fluminense ainda continuaria usando seus títulos por muitas décadas. Porém, sem a riqueza gerada em outros tempos pelo café, esses títulos cada vez mais passariam a ser apenas uma lembrança “amarelada” de velhos tempos dourados.
[…] ANTÔNIO CLEMENTE PIN… em A CULTURA DO CAFÉ E A DEGRADAÇ… […]
CurtirCurtir