A DESASTROSA EXPEDIÇÃO DE PEDRO DE URSÚA PELO RIO AMAZONAS EM 1559

Lope de Aguirre

De acordo com o Tratado de Tordesilhas, assinado entre os Reinos de Portugal e de Castela em 1494, a maior parte da Amazônia pertenceria à Espanha. Para a felicidade de todos nós brasileiros, os espanhóis organizaram duas grandes expedições desastrosas na região – a primeira sob o comando de Francisco de Orellana; a segunda sob o comando de Pedro de Ursúa. Lutas internas entre os espanhóis, doenças, ataques de índios, assassinatos e também a força implacável da Floresta Amazônica contra os invasores, levou a Espanha a desistir da posse dessa grande região, que hoje tem mais de 60% de seus domínios dentro do território do Brasil. Vamos entender um pouco dessa segunda expedição: 

A segunda grande expedição espanhola ao Amazonas foi comandada por Pedro de Ursúa (1525-1561), que partiu de Lima em fevereiro de 1559, ainda sonhando encontrar o El Dorado. Esta expedição enfrentou os mesmos problemas da anterior, mas ela fracassou justamente por reveses de outra natureza: traição e assassinato.  

Pedro de Ursúa não se parecia em nada com os brutais conquistadores da época. Era considerado gentil, educado, honrado, perfeito cavalheiro, possuidor de gentileza e caráter, adorado por todos, além de ser jovem. Mas, por outro lado, não tinha a capacidade de ver e entender o verdadeiro caráter das pessoas. Essa falha foi fatal para ele. Sua tropa era formada por homens rudes, mercenários de toda sorte, onde a ganância era a principal marca. Entre esses homens, um se destacava com todas as piores qualidades: Lope de Aguirre 

Aguirre, que era basco, recebeu o apelido de “el lobo”. Os conquistadores espanhóis não depositavam muita confiança nos bascos, grupo que sempre se comportou a parte em relação aos demais grupos formadores da Espanha e parecia não se esforçar muito para todas “las glorias de España”. A língua basca é totalmente incompreensível aos ouvidos castelhanos – um antigo provérbio espanhol dizia: “Quando Deus quis castigar o Demônio, condenou-o a estudar basco durante sete anos.” Porém, a necessidade de homens e armas para levar “al fin y al cabo” a conquista da América, fazia com que os espanhóis fizessem vista grossa aos tipos de caráter dos mais duvidosos.  

A ficha corrida de Lope de Aguirre faria inveja a qualquer meliante de carreira, frequentador das páginas dos jornais e dos programas policiais: primeiro emprego – ladrão de túmulos; foi condenado diversas vezes por fraude; mercenário, lutou em muitas das batalhas pela conquista dos novos territórios; tomou várias cidades a força; foi condenado diversas vezes por crimes de toda ordem. Em uma destas condenações, levou cem chibatadas nas costas; sobre os ferimentos foi colocado sal – Aguirre ficou aleijado para sempre e jurou a todos que se vingaria. Em outra expedição contra índios, acabou também aleijado de uma das mãos. Era um tipo de pessoa que não se deveria ter por perto, mesmo num tempo tão duro como foi o início da conquista das Américas e da Amazônia.  

Uma expedição com um líder fraco e com homens tão terríveis, não poderia obter maiores êxitos. Ao longo de vários meses, motins de toda ordem levaram a uma sucessão de assassinatos, inclusive o de Pedro de Ursúa, morto na noite de ano novo de 1561. Mas do que a fome, os ataques de índios e toda a sorte de problemas que a floresta fosse capaz de produzir, o maior risco para este punhado de aventureiros espanhóis eram os próprios espanhóis – “a expedição não foi de geografia, mas de carnificina”, registrou um cronista da época. A aventura, agora comandada por Aguirre, terminou pouco mais de dois anos depois, com a expedição chegando primeiro ao Atlântico e depois até a Isla Margarida, na Venezuela.  

Há dúvidas históricas com relação ao ponto de chegada, se foi na foz do rio Amazonas ou do rio Orenoco, na Venezuela (há uma ligação natural entre as duas bacias hidrográficas – o Canal de Cassiquiare, que liga o rio Negro ao rio Orenoco); durante muito tempo os rios Amazonas e Negro foram chamados de Marañón. Uma pesquisa histórica detalhada do estudioso peruano Emiliano Jos, publicada em 1923 (e que, bem por acaso, eu tenho uma cópia), confirmou que a expedição seguiu até a foz do rio Amazonas:  

En consecuencia, terminaremos afirmando de acuerdo com todos los cronistas del viaje, y com todos los documentos a él referentes, y com el jefe de la expedicón, y em contra de todos los fantaseadores sobre su trayectoria, que los “marañones” alcanzaron el mar por la boca del Amazonas”.

Segundo as informações disponíveis, tanto a expedição de Francisco de Orellana quanto aquela de Lope de Aguirre, fizeram a descida dos rios da Bacia Amazônica utilizando um tipo de embarcação espanhola conhecida como bergantim. Normalmente, esse tipo de embarcação se assemelhava a uma galé, porém em tamanho menor, com dois mastros e linhas de remos nas laterais. Essas expedições sempre contavam com carpinteiros com experiência em construção naval e com ferramentas, permitindo que se construíssem as embarcações com matéria prima da região quando se fizesse necessário. Segundo os registros das duas expedições que sobreviveram ao tempo, as embarcações foram construídas com o madeiramento das laterais mais elevados que o normal para proteger os ocupantes das flechas e ataques de índios hostis nas margens dos rios.   

Estimativas de peso das embarcações com carga e homens vão de 20 a 30 toneladas. Imaginar uma embarcação desse porte saindo do curso do rio Amazonas, onde navegava a favor da correnteza, e tomando o curso do rio Negro, subindo na força dos remos contra a correnteza em direção ao território da Venezuela é uma história mais difícil de aceitar como verdadeira do que a lenda do El Dorado.  

Sempre que encontravam uma oportunidade, esses homens atracavam as embarcações e se lançavam de assalto às aldeias indígenas menores, que encontravam em abundância ao longo das margens dos rios, buscando assim conseguir alimentos e suprimentos para sua sobrevivência. Foi durante esses embates com os índios que se batizou a região como Amazonas, quando os indígenas de cabelo comprido faziam lembrar as lendárias guerreiras amazonas da antiga mitologia grega, muito conhecida pelos espanhóis. As crônicas das expedições também falam das sereias encontradas nos rios, que de lenda não tinham nada: eram os peixes-boi amazônicos que, curiosos, emergiam ao lado das embarcações para conferir toda aquela movimentação em seus domínios aquáticos.  

Homens ignorantes, gananciosos, famintos e apavorados – fantasia e realidade se confundindo. Estavam preocupados apenas com a sobrevivência e sem qualquer motivação para sonhos de conquista desse território.  A imagem que ilustra essa postagem é do filme “Aguirre, a cólera de Deus“, dirigido por Werner Herzog em 1972 e que nos dá uma ideia da grande loucura que foi essa expedição.

Lope de Aguirre e seus homens, que sonhavam retornar ao Peru para conquistá-lo, participaram de levantes na Isla Margarida e depois no território da Nova Granada (Venezuela). As forças rebeldes acabaram subjugadas; Aguirre foi morto em combate; seu corpo foi recuperado pelos soldados coloniais, levado para a capital, esquartejado e os pedaços pendurados em locais diferentes para servir de exemplo (essa era uma prática comum – você deve lembrar que o mesmo foi feito com Tiradentes aqui no Brasil).  Nos mapas espanhóis, produzidos após a expedição de Pedro de Ursúa e Lope de Aguirre, o rio Amazonas passou a ser chamado de Marañón – em espanhol, a palavra traição é “maraña” e “marañón” significa traidor. Mesmo depois da incorporação de grande parte da Amazônia ao território do Brasil, um dos principais afluentes do rio Amazonas manteve o nome Marañon.  

Depois dessas duas expedições desastrosas através da grande Floresta Amazônica, com o custo de milhares de vidas e de muito dinheiro, as autoridades espanholas desistiram em definitivo de qualquer esforço de colonização da região. Foi a partir dessa decisão que surgiu um personagem que conquistaria a Amazônia para Portugal: Pedro Teixeira. 

Falaremos dessa inacreditável expedição na próxima postagem. 

Para saber mais:

A NOSSA AMAZÔNIA

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