OS JACARÉS, A DEGRADAÇÃO DAS ÁGUAS E A BUSCA POR LUCRO FÁCIL

Jacaré

Na série de postagens que estamos publicando, temos mostrado o impacto dos diversos tipos de agressões ambientais nas comunidades de animais aquáticos e semiaquáticos. Essas agressões incluem a poluição das águas por efluentes líquidos e resíduos sólidos, a urbanização, a agricultura e os resíduos de fertilizantes e agrotóxicos, a construção de barragens dos mais diferentes tipos, entre outras. Esses impactos alteram dramaticamente os habitats, podendo levar espécies à extinção. 

Entretanto, as agressões ambientais não são as únicas responsáveis pela destruição de habitats e comunidades de animais aquáticos e semiaquáticos: fatores exclusivamente econômicos também podem ser fatais para muitas espécies. A caça de animais silvestres para aproveitamento do couro e peles já se mostrou quase mortal para inúmeras espécies. Um grande exemplo desse impacto pode ser verificado na sina de várias espécies de jacarés. Acompanhem: 

Existem atualmente 23 espécies de crocodilianos em todo o mundo e 6 dessas espécies são encontradas aqui no Brasil: jacaretinga (Caiman crocodilus), jacaré-do-papo-amarelo (Caiman latirostris), Jacaré-do-pantanal (Caiman yacare), jacaré-açu (Melanosuchus niger), jacaré-anão (Palesuchus palpebrosus) e jacaré-corôa (Paleosuchus trigonatus). Em postagens anteriores, nós falamos de três dessas espécies e dos seus respectivos problemas: jacaré-do-papo-amarelo, jacaré-do-pantanaljacaré-açú

O jacaré-do-papo-amarelo é a espécie brasileira mais impactada pela perda de habitas e degradação das águas. Os antigos domínios desses animais se sobrepõem às áreas mais populosas do país, especialmente na região dos domínios da Mata Atlântica e bacia hidrográfica do rio Paraná. Alguns dos grandes impactos que a espécie vem sofrendo foram mostrados em uma postagem onde contamos a história do Teimoso, um jacaré-do-papo-amarelo que foi encontrado nadando nas águas poluídas do rio Tietê no início da década de 1990; em outra postagem, falamos da situação caótica dos jacarés que vivem no Sistema Lagunar de Jacarepaguá, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. 

A bacia hidrográfica do rio Tietê é a principal rede de drenagem de águas da Região Metropolitana de São Paulo. Em tempos passados, os rios, riachos e córregos dominavam as paisagens do Planalto de Piratininga e toda a região apresentava uma exuberante vida animal e vegetal. Ponto de encontro dos biomas Cerrado, Mata Atlântica e Mata das Araucárias, as águas do Planalto apresentavam grandes populações de jacarés. Com o crescimento desordenado das cidades, canalização de córregos e riachos e extrema poluição das águas, esses animais simplesmente desapareceram. O avistamento do jacaré Teimoso nas águas do Tietê, simplesmente o rio mais poluído do Brasil, funcionou como um grito de alerta sobre a degradação ambiental das águas e desencadeou uma série de movimentos populares que pediam mudanças na política ambiental do Estado de São Paulo. 

A situação dos répteis das lagoas da cidade do Rio de Janeiro é praticamente a mesma – a intensa especulação imobiliária na região da Barra da Tijuca e o crescimento desordenado da cidade ilharam grandes populações de jacarés-do-papo-amarelo em espaços cada vez menores. Os impactos ambientais foram agravados pelos problemas de infraestrutura típicos das cidades brasileiras – o esgoto lançado nas águas sem qualquer tratamento transformou a vida dos animais num verdadeiro calvário, reduzindo a oferta de alimentos e criando dúvidas sobre o futuro da espécie na região.  A trágica situação dos animais ganhou recentemente as manchetes do país após uma forte ressaca atingir a orla do Rio de Janeiro – dezenas de jacarés foram arrastados na direção das praias do Recreio dos Bandeirantes. 

No caso dos jacarés-do-pantanal, a situação atual é completamente adversa – esse é o bioma menos degradado e em melhor situação ambiental do Brasil. A população atual de jacarés é calculada na casa de 10 milhões de animais, que contam com fartura de alimentos e águas de ótima qualidade. Porém, entre as décadas de 1970 e 1980, esses animais foram caçados intensamente por coureiros brasileiros, bolivianos e paraguaios – o mercado internacional de couros de crocodilianos estava aquecido, com uma alta demanda do produto pela indústria da moda. Jacarés e crocodilos foram caçados impiedosamente em várias partes do mundo – somente no Pantanal Mato-grossense, calcula-se que 5 milhões de animais foram abatidos ilegalmente (a caça de animais silvestres é proibida no Brasil desde 1967)

O Pantanal Mato-grossense fica localizado numa região isolada do país, ocupando áreas do Sudoeste do Estado de Mato Grosso e Leste do Mato Grosso do Sul. O bioma também ocupa áreas da Bolívia e do Paraguai, uma característica que sempre facilitou a entrada de caçadores vindos desses países vizinhos, assim como o contrabando dos couros. Curtumes instalados nesses países compravam os couros de qualquer vendedor que aparecesse com o produto nas mãos e sem fazer qualquer pergunta. Essa facilidade “logística” para o escoamento dos couros, a grande abundância de animais numa região relativamente pequena, falta de policiamento ambiental e fiscalização das fronteiras, quase foram fatais para a espécie. Felizmente, o couro de jacarés e crocodilos saiu da moda, o que reduziu imensamente a demanda e praticamente acabou com a caça ilegal. 

Um outro caso onde as razões econômicas estavam por trás da intensa caça de animais para a venda dos couros é o dos jacarés-açú da Amazônia. Maior representante da família dos jacarés do mundo, o açú, palavra de origem indígena que quer dizer “grande”, pode passar de 6 metros de comprimento e mais de 300 kg de peso. Uma peça de couro vinda de um animal desse tamanho era uma espécie de “sonho de consumo” para as indústrias da moda, permitindo a confecção de grandes peças de vestuário como casacos longos e vestidos sem a necessidade de costurar peças pequenas de couro. Essa era uma das razões para o couro escuro dos jacarés-açú ser tão valorizado no mercado internacional. 

De acordo com um detalhado estudo publicado por cientistas brasileiros na renomada revista Science Advances em 2016, entre 1904 e 1969, foram abatidos mais de 4,4 milhões de jacarés-açú em toda a Amazônia brasileira para aproveitamento do couro. Esses números dizem respeito ao volume total de couros exportados legalmente nesse período e lembrando que até 1967 a caça de animais silvestres era legalizada. Se considerarmos as exportações ilegais e o total de animais batidos após a proibição da caça, o número de jacarés-açú abatidos foi muito maior. 

Observem que a exemplo da Região do Pantanal Mato-grossense, a região Amazônica estava praticamente intacta até a década de 1960, época em que a caça de animais silvestres foi proibida. Mesmo nos dias atuais, quando a tão falada destruição da Floresta Amazônica preocupa muita gente no mundo, mais de 80% da área florestal original ainda está de pé. Mesmo com essas condições ambientais praticamente perfeitas, os jacarés-açú desapareceram dos principais rios da Bacia Amazônica e hoje estão restritos a áreas protegidas de parques nacionais e Terras Indígenas. Isso mostra que não é apenas a degradação dos habitats e a poluição das águas que dizimam as espécies aquáticas e semiaquáticas de animais pelo mundo afora – a busca pelo dinheiro fácil também. 

Esses rápidos exemplos mostrando a história dessas três espécies de jacarés aqui do Brasil ajudam a reforçar o importante e moderno conceito da Sustentabilidade – é preciso que encontremos um ponto de equilíbrio entre o Meio Ambiente, a Economia e as nossas Sociedades Humanas. Sem entendermos tudo isso, não teremos futuro garantido nesse nosso Planeta Azul. 

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