A ARIDEZ DO CONTINENTE AUSTRALIANO

Austrália

A Austrália, chamada por muitos de ilha-continente, é pouca coisa menor do que o Brasil – o país ocupa uma área de 7,7 milhões de km², exatamente 10% a menos do que o nosso território. Apesar da localização do país ocupar praticamente as mesmas latitudes das regiões Central e Sul do Brasil, o clima australiano é bem diferente do nosso – aliás, podemos afirmar que é praticamente o inverso. No Brasil, o clima Semiárido é encontrado em uma área relativamente pequena do interior da região Nordeste e no Norte do Estado de Minas Gerais – a maior parte do país tem clima Equatorial e Tropical; na região Sul, o clima é Subtropical. Na Austrália, a maior parte do território tem climas Semiárido e Desértico; uma estreita faixa ao longo das costas do Sul e uma grande área no Sudeste do país têm um clima Mediterrâneo, que nada mais é do que um clima temperado. Pequenas faixas ao Sudoeste e Leste do continente tem um clima Subtropical e uma faixa no extremo Norte apresenta características Tropicais (clima quente com uma forte temporada de chuvas de Monção).  

Outra forma de avaliar as diferenças drásticas nos climas dos dois países pode ser observado na disponibilidade de água: o Brasil possui 12% das reservas de água doce do mundo (lembrando que a maior parte dessa água se encontra na Bacia Amazônica), com chuvas regulares na maior parte do território. A Austrália, ao contrário, é o continente mais seco do mundo, com cerca de 1% das reservas mundiais de água doce. Grande parte do território australiano sofre com a falta de chuvas, que além de irregulares, caem em volumes muito pequenos. Como se não bastassem todos esses problemas, o país enfrentou uma fortíssima estiagem generalizada entre os anos 2000 e 2009. 

Desde o século II da era cristã, circulavam lendas por toda a Europa falando de uma terra misteriosa na parte Sul do planeta – terra australis incognita, ou, terra desconhecida do Sul. Legiões romanas estacionadas em regiões longínquas da Ásia, muito provavelmente, ouviram relatos sobre essa terra distante de povos locais, que por sua vez, haviam ouvido esses relatos de outros povos. As terras austrais do continente só veriam o desembarque de navegadores europeus, portugueses e holandeses, no início do século XVII – esses primeiros exploradores rapidamente descobriram as dificuldades de se encontrar água nessa terra recém descoberta. Oficialmente, a Austrália foi descoberta e reclamada em nome da Coroa Inglesa pelo capitão James Cook em 1770

Essa escassez de recursos hídricos foi determinante na fundação das principais cidades da Austrália, que se concentram no Sudeste e Leste do país, além de regiões ao longo do extenso litoral. A população australiana, que atualmente está na casa dos 25 milhões de habitantes, desde as primeiras décadas da colonização adotou um estilo de vida voltado ao uso racional das reservas de água do país – nós brasileiros temos muito a aprender com eles! 

A principal bacia hidrográfica da Austrália é formada pelos rios Murray e Darling. O rio Murray tem pouco mais de 2.500 km de extensão, com nascentes na Cordilheira Australiana no Sudeste do país, região que também é chamada de Alpes Australianos, e foz no Oceano Índico, nas proximidades da cidade de Adelaide. Apesar de bastante extenso, o Murray não é um rio caudaloso; os caudais aumentam consideravelmente no curso médio do rio, quando o Murray passa a receber contribuições significativas de águas dos rios Murrumbidgee e, especialmente, do rio Darling. A região da bacia hidrográfica dos rios Murray-Darling é considerada o celeiro agrícola da Austrália. 

Os climas árido e semiárido da maior parte do seu território e as secas frequentes fizeram com os governantes e as populações da Austrália passassem a considerar, há muito tempo, a água como um bem com valor econômico – esse conceito, só bem recentemente, passou a ser adotado por outros países ao redor do mundo. Todos os consumidores – urbanos, industriais e rurais, pagam um determinado valor pelo uso do recurso. Esse custo da água tem reflexos diretos no comportamento dos consumidores, que se esforçam ao máximo para usar o recurso da maneira mais racional possível e, assim, gastar a mínima quantidade de dinheiro. 

Outra frente que avança rapidamente no país é o uso de água dessalinizada para reforçar o abastecimento das principais cidades. Grandes usinas de produção de água doce já estão em operação em cidades como Darwin, Perth, Sidney e Brisbane, e novas estruturas estão em construção. Essas usinas captam a água salgada do mar e, através de sistemas especiais de filtragem, conhecidos como “membranas de osmose reversa”, retiram o sal e fornecem água “doce”. Ambientalistas locais criticam muito essa opção, afirmando que os ganhos seriam muito mais efetivos se o foco fosse concentrado em campanhas para economia e uso racional da água pelas populações das cidades. Outro ponto preocupante, segundo os ambientalistas, é o alto consumo de energia elétrica – na Austrália, a geração de energia elétrica é feita, principalmente, a partir da queima do carvão mineral em usinas termelétricas, um processo altamente poluente. 

Continuaremos a falar dos recursos hídricos da Austrália e de seus problemas na nossa próxima postagem. 

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OS GOLFINHOS DE BANGLADESH

Golfinho-do-rio-Ganges

A água é um elemento indispensável para a existência da vida. Os primeiros seres vivos surgiram nas águas dos oceanos e foi somente depois de um longo processo evolutivo que espécies vegetais e animais passaram a se aventurar em terra “seca”, dando início a saga da colonização da superfície. Mesmo longe dos oceanos, todos os seres vivos que foram surgindo nessa nova etapa da evolução continuaram a depender das reservas de água doce e também das chuvas que, sistematicamente, caem em grande parte das terras continentais e insulares. 

Nesta série de postagens, onde estamos mostrando os impactos do uso da água nas atividades agrícolas, onde o consumo chega a utilizar 70% das reservas disponíveis, procuramos mostrar o custo ambiental criado pela redução dos caudais dos rios. Essa redução nos volumes de água dos rios fica ainda mais complicada pelo lançamento de esgotos de todos os tipos, resíduos sólidos, carreamento de resíduos de produtos químicos de uso agrícola, além da construção de represas para regularização dos volumes de água e geração de energia elétrica. Todo esse conjunto de agressões aos corpos d’água têm, é claro, enormes impactos na biota aquática – todas as formas de vida, animal e vegetal, que habitam as águas, margens e áreas de influência dos corpos d’água. 

No subcontinente indiano, região onde vivem mais de 1,5 bilhão de pessoas em uma área de 3,2 milhões de km², os impactos nas águas são imensos, especialmente nas bacias hidrográficas dos rios Ganges, Brahmaputra Meghna. Bangladesh, que está encravado exatamente no trecho final de todas essas bacias hidrográficas, sofre com todos os males conjuntos criados pelos problemas nas águas. Vamos mostrar um pouco disso falando de duas espécies de golfinhos que vivem nas águas do pais: 

Os golfinhos-do-irrawaddy (Orcaella brevirostris), sobre o qual falamos em uma postagem anterior, é uma espécie que não tolera as águas salgadas e busca hábitats em águas salobras como as da Baía de Bengala em frente ao litoral de Bangladesh e nas águas doces dos rios e canais do delta do Ganges. Diferente das populações fortemente ameaçadas da espécie no rio Mekong no Sudeste asiático, os golfinhos-do-irrawaddy em Bangladesh ainda possuem hábitats em condições ambientais bastante razoáveis. Estudos sistemáticos de contagem populacional, realizados nos últimos anos, indicaram que a população de golfinhos da espécie na região é muito maior do que os especialistas imaginavam – são cerca de 6 mil indivíduos. 

Bangladesh fica localizado no fundo estreito da Baía de Bengala. O grande volume de água doce que os rios despejam nas águas do oceano forma uma extensa faixa de águas salobras ao longo da costa, o que torna o ambiente ideal para os golfinhos-do-irrawaddy, que contam também com uma extensa rede de rios e canais no delta do Ganges. As ameaças para esses golfinhos são a poluição das águas, que não para de crescer, e o risco de redução dos volumes de água doce que chegam ao oceano, o que pode reduzir o tamanho do hábitat da espécie. Um problema semelhante está ocorrendo no delta do rio Colorado, no Golfo da Califórnia – a superexploração das águas do rio Colorado, assunto que tratamos em diversas postagens, provocou uma redução drástica nos volumes de água doce que chegam ao delta e está destruindo o hábitat da vaquita (Phocoena sinus), um pequeno golfinho que também depende das águas salobras e está criticamente ameaçado de extinção. Incidentes com com redes de pesca é outro sério perigo para a sobrevivência das espécie.

Um outro cetáceo local, o golfinho-do-rio-Ganges (Platanista gangetica), está em uma situação bem mais complicada. A intensa poluição nas águas dos rios Ganges, Brahmaputra e Meghna está tornando a sobrevivência do susu (vide foto), nome dado ao animal pelas populações ribeirinhas, um grande desafio. O despejo de esgotos e efluentes industriais nas águas dos rios tem reduzido os estoques de peixes e crustáceos, os principais alimentos do cardápio desses golfinhos. A construção de diversas barragens em toda a área das bacias hidrográficas é um outro grave problemas – estes obstáculos criam barreiras para o livre fluxo dos animais e isola populações, um mal que leva à redução da variedade genética dos animais e prenuncia a extinção da espécie. As imensas ilhas de lixo flutuante com todos os tipos de resíduos também criam graves problemas para a navegação por ecolocalização – o golfinho-do-rio-ganges é praticamente cego e depende desse recurso para se locomover e se alimentar. 

De acordo com estudos do WWF – World Wide Fund for Nature, uma Organização não governamental internacional que atua nas áreas da conservação, investigação e recuperação ambiental, as populações de golfinhos-do-rio-Ganges estão entre 1.200 e 1.800 indivíduos, número extremamente baixo e com populações divididas em vários grupos isolados. A espécie foi elevada à categoria de “protegida” pelos Governos locais ainda em 1972, ação que até hoje não impediu o declínio continuo das populações. Além dos problemas criados pela poluição e pelas barragens, os golfinhos são mortos por pescadores por causa de sua carne e do seu óleo, que tem grande valor comercial. Um grande número de animais morre afogado após ficar preso nas redes de pesca, sendo também vítimas de encalhe nos grandes bancos de areia e de detritos espalhados pelas calhas dos rios. 

Como se nota, as águas de Bangladesh e de todo o subcontinente indiano não estão para peixes nem para golfinhos-do-irrawaddy e do rio Ganges, e menos ainda para as grandes populações humanas da região, que dependem, mais do que em qualquer outro lugar do mundo, dos limitados recursos hídricos locais. 

Um grande sinal de alerta está ligado! 

AS ÁGUAS DE BANGLADESH

Poluição das águas em Bangladesh

A República Popular do Bangladesh é um pequeno país encravado na região Nordeste da Índia. Formado após o traumático processo de independência da Índia em 1947, quando as populações muçulmanas e hindus entraram em violentos embates por causa das diferentes visões políticas para o futuro do país, além é claro dos seculares problemas de intolerância religiosa entre os grupos, Bangladesh rapidamente passou a ocupar a lista dos países com a maior densidade de habitantes por km² do mundo. Com uma área total pouco menor que o nosso Estado do Ceará, o país tem hoje uma população de quase 170 milhões de habitantes. Porém, ao contrário de nosso Estado Nordestino, que sofre sistematicamente com fortíssimos períodos de secas, Bangladesh tem água de sobra – o problema não está na quantidade, mas sim na qualidade dessas águas. 

O território de Bangladesh possui uma invejável rede hidrográfica, a começar pela região do delta do Ganges. O Ganges é o principal rio do subcontinente indiano, com mais de 2.550 km de extensão e com uma bacia hidrográfica que cobre uma área de 1 milhão de km². No seu trecho final, o rio Ganges se divide em inúmeros canais e forma uma das maiores regiões deltaicas do mundo, que só fica atrás dos deltas dos rios Amazonas e Congo em volume de água. As águas do canal principal do rio Ganges seguem pelo território de Bangladesh e se encontram com as águas do rio Jamuna, nome local dado ao rio Brahmaputra, um caudaloso rio com comprimento de 2.900 km e nascentes nas Montanhas Himalaias. A partir desse encontro das águas, o rio passa a ser chamado de Padma. Ao Sul da cidade de Dhaka, capital de Bangladesh, o rio Padma recebe as águas do caudaloso Meghna, um rio com um comprimento de apenas 264 km, formado a partir da junção das águas de inúmeros afluentes. O trecho final do rio manterá o nome de Meghna até o encontro com as águas da Baía de Bengala. 

Apesar de toda essa aparente fartura, a qualidade das águas de Bangladesh não está entre as melhores do mundo. Um dos problemas mais graves é a presença de altos níveis de arsênico na água servida à população. O arsênico é um elemento químico altamente tóxico, encontrado naturalmente em veios minerais por todo o mundo. Pequenas quantidades de arsênico são dissolvidas pelas chuvas e carregadas para o leito dos rios a cada ano, onde o mineral acaba misturado com os sedimentos do fundo, sem causar maiores problemas. No caso de Bangladesh, que forma uma grande planície inundável e que recebe anualmente grandes volumes de sedimentos, o acúmulo natural de arsênico nos solos ao longo das eras ficou muito acima da média mundial. 

Na década de 1970, com apoio do UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância, o Governo de Bangladesh iniciou um ambicioso projeto de construção de poços tubulares, com o objetivo de melhorar o abastecimento de água da população. A principal meta desse projeto era a redução das doenças de veiculação hídrica como a cólera e a diarreia, doenças que matavam milhares de crianças no país. O projeto resultou na construção de 10 milhões de poços por todo o território bengali, sem que houvesse uma análise adequada da qualidade da água produzida. Como resultado dessa desastrada “política”, estima-se que até 77 milhões de bengalis consumam diariamente água contaminada com altos níveis de arsênico, o que é considerado pela OMS – Organização Mundial de Saúde, como o “maior caso de envenenamento em massa da história”

Se a qualidade das águas subterrâneas de Bangladesh é problemática, as águas superficiais não muito melhores. O rio Ganges, que entra pelo Leste do país depois de atravessar todo o Norte da Índia, numa extensa faixa territorial onde vivem cerca de 500 milhões de pessoas, apresenta águas altamente poluídas. Além de grandes volumes de esgotos sanitários não tratados de toda essa população, as águas do rio Ganges apresentam altos níveis de contaminantes como cromo, mercúrio e outros metais pesados, resíduos de indústrias químicas, de pesticidas e fertilizantes, além de resíduos sólidos de todos os tipos. Testes feitos por pesquisadores indianos em amostras de água do rio Ganges encontraram níveis de arsênico e de cromo 64 e 120 vezes, respectivamente, acima dos limites máximos toleráveis, entre outros gravíssimos problemas

A situação da imensa rede hidrográfica de Bangladesh não é muito diferente. Cidades que cresceram rápida e desordenadamente, sem construir as mínimas infraestruturas de saneamento básico, despejam diariamente milhões de litros de esgotos in natura nos corpos d’água. Pequenas indústrias e oficinas também dão a sua contribuição e geram efluentes contaminados com todos os tipos de produtos químicos e resíduos. A coleta de resíduos sólidos, como mostrado na foto que ilustra essa postagem, também está muito longe do ideal. A capital do país, Dhaka, uma das maiores cidades do mundo com uma população de mais de 7 milhões de habitantes, cercada por uma região metropolitana com outros 5 milhões de habitantes, é um exemplo dessa falta de cuidado com o meio ambiente e com os cursos d’água. 

Outro problema complicado do país é o da indústria de desmonte naval – sem contar com nenhuma usina siderúrgica, Bangladesh depende dos metais retirados de sucatas de grandes navios cargueiros, que são trazidos para “reciclagem” no país. Sem o uso de técnicas adequadas ou mão de obra especializada, as peças metálicas são cortadas e desmontadas da melhor forma possível. Restos de combustíveis, de óleos lubrificantes e resíduos de produtos químicos escorrem descontroladamente para os canais e dos rios durante todo o processo, contaminando e poluindo águas e áreas naturais, especialmente os manguezais. 

O resultado de tudo isso são águas de qualidade ruim por todos os lados, usadas pela agricultura, pelas pequenas indústrias e para o abastecimento de vilas e cidades, causando, direta e indiretamente, todo tipo de problemas para as populações de Bangladesh. 

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A AGRICULTURA NUMA “ILHA” CHAMADA BANGLADESH

Agricultura em Bangladesh

Bangladesh é um enclave com população majoritariamente muçulmana, localizado no Nordeste do subcontinente indiano. Chamar o país de “ilha” é muito mais que uma força de expressão – praticamente toda a fronteira terrestre de Bangladesh se faz com territórios da Índia, a exceção de um pequeno trecho fronteiriço com Mianmar e da testada oceânica com a Baía de Bengala. Com uma área territorial de apenas 143 mil km², pouco menor que o Estado do Ceará, Bangladesh tem uma população que se aproxima perigosamente dos 170 milhões de habitantes, o que coloca o país na primeira posição mundial em densidade populacional. Com tantas bocas para alimentar, praticamente todas as terras agricultáveis do país precisam ser utilizadas. 

Conforme comentado em postagem anterior, com o fim da administração colonial britânica e a independência da Índia em 1947, tensões políticas e religiosas seculares entre as populações hindus e muçulmanas levaram à divisão do território. A região central e a Sul do subcontinente, com população majoritariamente hindu, passou a formar o território da Índia; as populações muçulmanas se concentraram no Noroeste, no território do atual Paquistão, e num enclave na região Nordeste, chamado inicialmente de Paquistão Oriental. Em 1971, após uma guerra civil que durou nove meses, o Paquistão Oriental conquistou sua independência do Paquistão e o nome do país foi mudado para Bangladesh. 

A maior parte do território de Bangladesh é formada por planícies de baixa altitude, sujeitas a alagamentos anuais na época da Monção, período em que ocorrem fortes chuvas no subcontinente indiano e em todo o Sudeste Asiático. O famoso Ganges, o rio mais importante da Índia, entra no território de Bangladesh, onde recebe as águas de outros grandes rios como o Bramaputra, Surma e Meghna, formando uma das maiores áreas deltaicas do mundo – o delta do Ganges. Com uma largura de 350 km, o delta do Ganges ocupa terras de Bangladesh e do Estado Indiano de Bengala. Graças à excepcional fertilidade dos solos da região, classificada como uma das melhores do mundo para a prática da agricultura, a região passou a ser conhecida como Delta Verde

Uma característica importante da maior parte do território de Bangladesh é o processo de fertilização natural dos solos durante os meses da Monção. As águas de toda uma complexa rede de grandes e médios rios com nascentes nas terras altas das Montanhas Himalaias, carreiam diariamente grandes volumes de sedimentos e nutrientes na direção das planícies baixas. No período das chuvas, com o forte aumento do nível dos rios, as águas rompem os limites das margens e as fortes enchentes cobrem os solos como uma grossa camada de sedimentos e nutrientes. Esse “mecanismo” natural vem garantindo, há milhares de anos, excepcionais safras agrícolas na região. 

Essa aparente abundância de água e solos férteis, que é o sonho da maioria dos povos do planeta, tem inúmeros e gigantescos problemas. Devido ao clima subtropical de Monção, o território de Bangladesh alterna períodos de fortes chuvas e enchentes catastróficas, com longos ciclos de seca. Os solos agrícolas, que entre os meses de junho e setembro ficam cobertos de água, são transformados em “torrões secos” nos meses de inverno. Essas drásticas mudanças no regime hídrico forçam os agricultores, pequenos em sua grande maioria, a usar toda e qualquer forma disponível de sistemas de irrigação, que vão desde o transporte manual de pequenas quantidades de água em recipientes desde os rios até as plantas, até a construção de canais para irrigação através de inundação. 

Um outro gravíssimo problema no país é o avanço dos desmatamentos, que está comprometendo as nascentes e as margens de muitos rios. A madeira é a principal fonte energética da população, usada principalmente para o preparo de alimentos em fogões e fogareiros a lenha. Sem a proteção da cobertura vegetal, os solos ficam sujeitos a processos de erosão, que arrastam milhares de quilômetros de solos férteis e provocam o assoreamento dos corpos d’água. Esses desmatamentos, que também são intensos na Índia, têm resultado em aumentos progressivos das enchentes na época das chuvas da Monção. Em 1998, citando um exemplo, o país sofreu com as maiores enchentes dos tempos modernos – 300 mil casas foram destruídas, o que deixou um saldo de mil mortos e 30 milhões de pessoas desabrigadas, além de 11 mil km de estradas danificadas

O território de Bangladesh também está sofrendo fortemente com as mudanças climáticas globais. O nível do mar na região está subindo, o que é um fator a mais para amplificar os efeitos das enchentes. A localização do país no fundo da Baía de Bengala também expõe o território aos efeitos dos furacões, comuns no Oceano Índico. 

Por fim, e não menos grave, a grande região deltaica é o destino final de toda a poluição, do lixo e de todos os tipos de resíduos que são lançados nas águas de toda a bacia hidrográfica do rio Ganges, nos territórios da Índia e de Bangladesh. A situação, que é gravíssima, já foi tema de diversas postagens aqui no blog, que tratam desde cachorros azuis devido ao contato com poluentes e produtos químicos nos rios até o descarte de corpos humanos e de animais nas águas sagradas do Ganges

O luxuriante Delta Verde do Ganges, como visto, está muito longe de ser um paraíso na Terra.

O DESAPARECIMENTO DOS GOLFINHOS-DO-IRRAWADDY DO RIO MEKONG

Golfinho-de-Irrawaddy

O rio Mekong, com seus 4.350 km de comprimento (algumas fontes citam um comprimento de até 4.990 km) e uma vazão média de 16 mil litros de água por segundo, ocupa a 13° colocação entre os maiores rios do mundo e a 10° colocação em volume de água. Esse verdadeiro “mar de águas doces” do Sudeste asiático era o hábitat de aproximadamente 1.200 espécies de peixes, além de uma infinidade de répteis, aves, mamíferos, crustáceos e insetos. Vamos entender a questão:

A espécie de peixe mais conhecida e explorada comercialmente no rio Mekong é a carpa de lama siamesa, também conhecida como trey riel. Esse peixe é tão popular e reconhecido pelas populações locais que seu nome foi dado à moeda do Camboja – o riel. Outra espécie importante é o peixe-gato do Mekong, que pode atingir até 2,75 m de comprimento e peso acima dos 250 kg, seriamente ameaçado de extinção por causa da intensa pesca. Outra espécie impressionante da fauna do rio Mekong é uma espécie de arraia gigante (Dasyatis laosensis), que só foi descrita pela ciência bem recentemente – já foram capturados exemplares com 4,2 m de comprimento, 2 m de largura e peso superior a 300 kg. Apesar das marcas impressionantes dessas espécies, nenhuma outra criatura aquática do rio Mekong supera o carisma e a simpatia dos golfinhos-do-irrawaddy (Orcaella brevirostris)

Populações isoladas de golfinhos-do-irrawaddy são encontradas em rios e estuários desde o delta do rio Ganges, na Baía de Bengala, até o Norte da Austrália, incluindo as costas do Estreito de Malaca, áreas costeiras das Ilhas Indonésias nos mares de Java, das Flores, de Banda, de Timor e de Arafura, além de áreas costeiras no Golfo da Tailândia e do Sul do Mar Meridional da China. Esses golfinhos, que compartilham ancestrais comuns com as orcas, têm como características principais a cabeça redonda e um bico muito curto (veja em detalhe na foto), lembrando muito as belugas. Eles podem atingir um comprimento de até 2,75 m e um peso máximo de 200 kg. A sua cor fica entre o cinza e o azul escuro, tendo a parte inferior em tons pálidos. 

A espécie, que já foi abundante no rio Mekong e uma grande atração para os turistas que visitam a região, está reduzida a poucas dezenas de indivíduos. Entre as principais causas desse forte declínio populacional estão a caça predatória, a morte de animais que se afogam ao ficar presos nas redes de pesca, “atropelamentos” por embarcações, encalhes em bancos de areia e também devido a intensa poluição das águas em muitos trechos do rio Mekong, especialmente pelo carreamento de resíduos de pesticidas agrícolas usados nas plantações de arroz. 

Algumas espécies animais bem conhecidas como as baleias jubarte, mico-leão-dourado, lobo guará, boto-cor-de-rosa, peixe-boi, arara-azul, citando espécies tipicamente brasileiras, e também ícones internacionais como os ursos pandas, elefantes, girafas e pinguins, causam empatia nas pessoas e por isso são chamadas de fauna carismática. Muitos turistas, entre os quais eu me incluo, preferem manter distância dos badalados “points” turísticos da moda e viajar para locais distantes, normalmente sem uma infraestrutura adequada, para se maravilhar com o contato com essas espécies em seus hábitats naturais. Algumas espécies vegetais também têm essa característica e as sequoias-gigantes são um ótimo exemplo: o Sequoia National Park, no Estado americano da Califórnia, recebe 1,5 milhão de turistas a cada ano, que cruzam o país e o mundo para ver essas impressionantes árvores. Esse “nicho” da indústria do turismo cresce sem parar em todo o mundo, movimentando volumes financeiros cada vez maiores. 

Um exemplo da força desse turismo aqui no Brasil são as legiões de visitantes nacionais e estrangeiros que se embrenham na Floresta Amazônica, sofrendo todo o tipo de desconforto com o calor, insetos, transportes ruins e alojamentos precários, com o objetivo de encontrar os simpáticos botos-cor-de-rosa. Em alguns lugares do rio Negro, no Estado do Amazonas, é possível nadar com os botos – muitos turistas choram de emoção e afirmam que todos os esforços e os custos da viagem (que as vezes é muito alto em função da baixa qualidade dos serviços oferecidos) valeram a pena. De acordo com os princípios da Biologia da Conservação, esses espécimes animais e vegetais vivos em seu ambiente natural tem o que se chama “valor de existência”. Esse valor é intangível e está ligado diretamente a dimensões sentimentais das pessoas, que experimentam uma alegria e um prazer interno imenso ao compartilhar a vida e o ambiente com essas maravilhosas criaturas. 

O iminente desaparecimento dos golfinhos-do-irrawaddy do rio Mekong, analisando a situação friamente somente sob o aspecto econômico, vai causar um prejuízo financeiro de dezenas de milhões de dólares com o fim desse fluxo de turistas conservacionistas. Essa perda financeira envolve tudo o que seria gasto pelos turistas com hospedagem, alimentação, transportes, remuneração de guias turísticos e barqueiros, venda de souvenires, entre outros gastos. A conta piora muito quando se incluem os prejuízos já provocados pela redução da pesca, quebras na produção de arroz, entre outras atividades econômicas prejudicadas pelos problemas ambientais da bacia hidrográfica do rio Mekong

Esquecendo a questão financeira, que é bastante relevante para esses países pobres, a perda de uma espécie animal tão fascinante é um trágico sinal de alerta das precárias condições ambientais do rio Mekong. Dezenas de outras espécies, bem menos vistosas e carismáticas que os golfinhos-do-irrawaddy, estão desaparecendo sem chamar a atenção das populações, transformando o antigo rio cheio de vida em uma vala de águas poluídas e silenciosas, semelhante a muitos rios mortos encontrados em todo o mundo. 

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DELTA DO MEKONG: DOS LUSÍADAS À SALINIZAÇÃO DOS ARROZAIS

Arrozais no Vietnã

Há uma surpreendente ligação entre o Mekong, o maior rio do Sudeste asiático, e os Lusíadas, o grande poema épico que narra a saga dos navegadores portugueses pelo mundo – o navio em que o poeta Luís Vaz de Camões viajava naufragou na região do delta do rio Mekong por volta de 1565, quando fazia uma viagem de Macau para Goa. Reza uma lenda, bastante contestada pelos historiadores, que foi durante esse naufrágio que Camões teve de tomar uma difícil decisão – salvar o manuscrito dos Lusíadas, obra que estava sendo escrita há vários anos, ou salvar Dinamene, a jovem amante chinesa do poeta. Camões escolheu salvar seus manuscritos e passou meses vivendo como um náufrago no delta do rio Mekong, até conseguir ser resgatado.  

O delta do rio Mekong é, desde a antiguidade, um importante entreposto comercial e cultural do Sudeste asiático. O rio Mekong é a mais importante via navegável da região e sempre ocupou uma posição de destaque nas comunicações e transportes entre os antigos reinos do Sião (atual Tailândia), Laos e Camboja com a China, Malásia, Indonésia e outras nações da região. A excepcional fertilidade das terras do delta transformou a região num dos mais importantes polos de produção de arroz, o alimento mais consumido pelas populações do extremo oriente. O delta do rio Mekong sempre se destacou também na produção de pescados, especialmente do peixe-gato e de camarões. 

As formações conhecidas como delta são encontradas normalmente na foz de rios de planície, onde as águas se dividem em vários braços ou canais antes do encontro com as águas de um lago, rio ou oceano. Devido à baixa declividade dos terrenos, as regiões dos deltas favorecem o acúmulo de sedimentos carreados pelos rios, o que leva a formação de ilhas. O delta do rio Mekong, que ocupa uma área com aproximadamente 40 mil km², equivalente a duas vezes o território do Estado de Sergipe, possui aproximadamente 4 mil ilhas e 3.200 km de canais. Localizado inteiramente dentro do território do Vietnã, o delta do Mekong abriga uma população de 17 milhões de pessoas, que dependem das suas águas para abastecimento, alimentação, trabalho e transportes

As áreas deltaicas são, desde tempos imemoriais, importantes centros habitacionais – a grande disponibilidade de águas, terras férteis e alimentos (peixes, crustáceos e outros animais) sempre funcionaram como um atrativo para as antigas populações nômades, que graças a este conjunto de características, se transformaram em sedentárias. Exemplos são os deltas dos rios Nilo, Reno, Danúbio, Ganges, IndusMississipi, Jacuí, ParanáAmazonas. Enquanto as águas dos grandes rios fluírem, as áreas dos deltas se manterão como importantes áreas de vida natural e humana – essa é, justamente, a grande ameaça que paira sobre o delta do rio Mekong

A implantação de grandes complexos geradores de energia elétrica – são três já construídos e um em construção no alto rio Mekong em território chinês, além de uma dúzia de outros empreendimentos em fase de estudos ao longo do curso do rio na Tailândia, no Camboja e no Laos, poderão comprometer, irremediavelmente, a sobrevivência da região do delta no Vietnã. 

As regiões deltaicas são o resultado de um longo e contínuo conjunto de processos naturais: transporte e acumulação de sedimentos, fluxo de águas dos rios, regime de chuvas e de temperaturas da região, além das formações vegetais que surgiram gradativamente e que ajudaram na fixação dos sedimentos e formação das ilhas. Esse novo meio ambiente passa a atrair os mais diferentes tipos de vida animal, que se adaptam e se especializam para viver nesses locais. Esse é um processo que se desenrola em milhares, ou até milhões de anos, e que se mantém em constante evolução. Qualquer alteração nos volumes de água que chegam na região do delta, podem alterar o frágil equilíbrio do ecossistema – a redução dos caudais de água doce tem como consequência direta o avanço da água do mar na direção dos canais. 

salinização das águas interiores da região de um delta impacta diretamente na vida animal e vegetal – espécies adaptadas à água doce são obrigadas a recuar na direção de áreas mais internas do continente, enquanto espécies adaptadas às águas salobras e salgadas ocuparão nichos dentro do território, Um exemplo são as formações de manguezais, tipo de vegetação adaptada a ambientes de água salobra que, encontrando condições propícias, passarão a competir, e com grande vantagem, com as espécies vegetais de água doce. Essa mudança na composição vegetal e nas águas também terá todo tipo de reflexos nas populações animais, atingindo aves, mamíferos, répteis, peixes, crustáceos e insetos, além é claro das populações humanas. 

As gigantescas plantações de arroz da região do delta do rio Mekong, que fazem do Vietnã o terceiro maior produtor mundial do grão, rapidamente entrarão em colapso – o grão não se adapta a água salobra. Toda a economia do país, que depende da exportação do arroz para gerar recursos em moeda estrangeira, poderá ir à bancarrota em poucos anos. O abastecimento de água de milhões de pessoas ficará imensamente prejudicado – sem o trabalho na agricultura (vide foto) e sem água para suprir suas necessidades básicas, milhões de vietnamitas serão obrigados a migrar para outras regiões, especialmente para as áreas urbanas. As perspectivas futuras para a região não são nada boas. 

Lamentavelmente, nada disso é especulação – a se manterem os projetos de todas essas usinas hidrelétricas, bastará pouco mais de uma década para essas projeções sombrias se tornarem uma cruel realidade. 

MEKONG: O GRANDE RIO DO SUDESTE ASIÁTICO

Cai Rang Floating Market - Mekong Delta

A Cordilheira das Himalaias na Ásia forma a maior cadeia montanhosa do mundo e com as maiores concentrações de geleiras fora da Antártica. As águas provenientes do derretimento dessas geleiras são as responsáveis pela formação de alguns dos rios mais importantes do continente: O Amu Daria e o Syr Daria na Ásia Central; o Indus, o Ganges e o Bramaputra no subcontinente indiano; o Yangtzé (rio Azul) e o Huang Ho (rio Amarelo) na China e o Mekong, o mais importante rio do Sudeste asiático, sobre o qual falaremos na postagem de hoje. 

O rio Mekong nasce nas Montanhas Himalaias do Tibete, região controlada pela China, e ao longo de seu curso de mais de 4.300 km atravessa outros cinco países – a fronteira entre Mianmar e Laos, grande parte da fronteira entre o Laos e a Tailândia, Camboja e por fim o Vietnã. Cerca de 100 milhões de pessoas, pertencentes a quase uma centena de grupos étnicos diferentes, vivem ao longo das margens do rio Mekong e dependem, direta ou indiretamente, de suas águas. Somente no Delta do rio Mekong no Vietnã, uma região com aproximadamente 40 mil km², vivem cerca de 17 milhões de pessoas, população que depende das águas do rio para abastecimento, transporte (vide foto) e irrigação dos campos de arroz – o Vietnã é o terceiro maior produtor mundial e seu arroz é considerado um dos melhores do mundo. Aliás, o país exporta a maior parte da sua produção a várias décadas e importa arroz de qualidade inferior para o abastecimento de sua população, gerando assim receitas em moeda estrangeira para equilibrar sua balança de pagamentos. 

As águas do rio Mekong são também fundamentais para a agricultura de todos os países e regiões que formam a sua bacia hidrográfica. As Monções, conjunto de fortes ventos que se formam nas águas do Oceano Índico nos meses do verão, carregam poderosas massas de nuvens na direção das Montanhas Himalaias e criam uma fortíssima temporada de chuvas em todo o Sudeste asiático e subcontinente indiano. Essas chuvas provocam fortes enchentes nos rios da região, cobrindo todas as margens e áreas baixas com uma grossa camada de sedimentos e nutrientes – essa camada de solo com excepcional fertilidade é usada há milhares de anos pelas populações da região para a produção de todo o tipo de gêneros alimentícios, especialmente o trigo, grão fundamental para as populações do Paquistão e da Índia, e o arroz, alimento principal dos países do extremo oriente e do Sudeste asiático. 

Esse perfeito equilíbrio, que sempre existiu entre as populações e o rio Mekong, está sob forte ameaça: diversas barragens de usinas hidrelétricas já foram construídas e existem pelo menos doze grandes projetos em andamento. A China, que já construiu três hidrelétricas no alto rio Mekong, está construindo mais uma unidade geradora – esse conjunto de represas já causou uma redução substancial nos caudais do rio; o Laos pretende construir oito unidades, o Camboja duas, além de duas hidrelétricas previstas na fronteira entre a Tailândia e o Laos. Essa sucessão de barragens de usinas hidrelétricas, construídas em blocos independentes por diferentes países, não estão considerando que o rio Mekong é um meio ambiente único e ameaçado em diferentes frentes. 

Conforme já comentamos em diversas postagens deste blog, o barramento sucessivo de um rio causa todo um conjunto de impactos na dinâmica das populações animais e vegetais. Essas mudanças vão desde a alteração da velocidade das correntezas, transformando ambientes lóticos (de águas com forte correnteza) em lênticos (de águas paradas), algo que afeta plantas e animais, até a criação de obstáculos para espécies de peixes migratórios, que na época da reprodução buscam águas tranquilas correnteza acima. Um exemplo de graves alterações ambientais provocadas pela construção de sucessivas usinas hidrelétricas é o nosso rio São Francisco, onde estamos assistindo à extinção de diversas espécies de peixes, entre elas o icônico surubim. O rio Mekong tem aproximadamente 1.200 espécies de peixes e produz, anualmente, mais de 2 milhões de toneladas de pescados, alimento essencial para as populações. Essa produção pesqueira, fatalmente, irá declinar ao longo do tempo. 

A criação de sucessivas represas ao longo do rio também terá forte repercussão nos ciclos de cheias anuais, reduzindo fortemente as enchentes e o transporte de sedimentos formadores das camadas de solos férteis. A construção da represa de Assuã no Egito, na década de 1960, produziu um efeito semelhante e alterou os ciclos de cheias do rio Nilo – sem essa fertilização natural das margens, as populações rurais passaram a depender do uso de fertilizantes químicos, um custo extra que reduziu, e muito, os lucros dos produtores; algo semelhante irá acontecer nas terras marginais do rio Mekong, prejudicando dezenas de milhares de pequenos e pobres produtores rurais. 

Por fim, a redução da vazão do rio Mekong irá comprometer todo o equilíbrio da região do delta – sem a força e o volume dos atuais caudais de águas doces, haverá a tendência do avanço das águas salgadas do Mar da China para o interior dos canais do delta, alterando complemente as condições ambientais e inviabilizando a produção agrícola na região. Algo semelhante está acontecendo na foz do rio São Francisco, onde o nível de salinização está cada vez mais alto e diversas vilas e cidades têm cada vez mais dificuldade para o abastecimento de suas populações e irrigação de plantações. 

Continuaremos a falar dos problemas do rio Mekong na próxima postagem. 

PS: Comemoramos hoje o 2º aniversário do blog.

“COCAÍNA EM RIOS EUROPEUS ESTÁ DEIXANDO ENGUIAS DOIDONAS – E MUITO DOENTES”

Enguias

Um estudo bastante preocupante, sobre a contaminação de rios europeus com vestígios de cocaína, foi divulgado na última edição eletrônica da Revista Superinteressante. Essa droga é apenas mais uma entre tantos outros resíduos e produtos químicos como lixo, fertilizantes, herbicidas, anticoncepcionais e antibióticos que lançamos nas águas dos rios e córregos – essas são as mesmas águas que serão usadas no abastecimento de populações e na irrigação de culturas agrícolas ao longo do curso desses rios. Confiram o texto da matéria na íntegra:

A droga pode degenerar os músculos desses peixes – e acabar impedindo uma das migrações mais épicas do Oceano Atlântico

“Quase tudo que o ser humano usa, de cotonetes a ácido sulfúrico, vai parar em um rio eventualmente. Drogas não são exceção. No trecho do rio Tâmisa que corta Londres, a concentração de benzoilecgonina (um resquício metabólico que sai na urina de quem consome cocaína) é de 17 bilionésimos de grama por litro de água. Uma análise feita no rio italiano Pó em 2005 revelou que ele dá vazão a 4 kg de cocaína diariamente – o trocadilho fica por conta do leitor. 

Quem não gosta nada dessa história são os peixes. Mais especificamente, as enguias de uma espécie com nome científico engraçado: Anguilla anguilla. Um artigo científico publicado na semana passada demonstrou que a cocaína, na concentração que é encontrada nos rios europeus, causa inchaço e disfunções nos músculos e torna esses animais hiperativos – o que poderia impedi-los de completar as loucas migrações que eles fazem para se reproduzir.  

As enguias testadas em laboratório foram colocadas em água com 20 bilionésimos de cocaína por litro – uma concentração residual condizente com a verificada em rios de verdade. Outras enguias, que serviram de referência, ficaram em água pura, sem contaminantes. Após 50 dias de exposição à droga, as narcóticas arriaram: exibiram sintomas similares aos de uma condição chamada rabdomiólise, em que as fibras musculares se desintegram. Outro problema é que, graças ao aumento da concentração de cortisol, o hormônio do stress, elas pararam de acumular reservas de gordura – que são essenciais para suportar viagens aquáticas longas.  

Nem 10 dias de rehab em água limpa ajudaram: os danos são praticamente irreversíveis. “Todos os tecidos afetados tem funções essenciais para a sobrevivência das enguias”, afirmou ao The Guardian Anna Capaldo, pesquisadora da Universidade de Nápoles Federico II que liderou o estudo. “Guelras debilitadas podem reduzir a capacidade respiratória, um músculo avariado pode afetar a habilidade de nadar.” 

É claro que qualquer peixe que esteja em risco por causa de contaminação é motivo de preocupação. Mas as enguias europeias são um caso especialmente delicado porque dependem da capacidade de nadar para fechar seu ciclo reprodutivo e perpetuar a espécie. Entenda abaixo: 

Enguias transatlânticas 

Você já viu um filhote de pombo? Pois é, eu também não. Mas que eles existem, existem. Afinal, tudo que é vivo já foi bebê um dia. Por uns bons séculos, os pescadores dos rios europeus devem ter feito uma piada parecida com as enguias. Elas davam a impressão de já vir de fábrica adultas, esbanjando comprimento. Ovos de enguia? Enguias adolescentes? Ninguém nunca tinha visto (ou melhor, pescado). 

Foi só em 1920 que um biólogo dinamarquês chamado Johannes Schmidt matou a charada. Os bebês de enguia europeia existiam – só não viviam na Europa. Na verdade, a dita cuja está mais para Pokémon do que para peixe: muda de forma e habitat várias vezes ao longo da vida. Acompanhe a história:  

Os ovos de enguia eclodem em uma região do Atlântico próxima ao litoral americano chamada “mar de Sargaços”. Nessa velha infância, elas são discretas: larvas de poucos centímetros, transparentes e achatadas, que atendem pelo nome de leptocéfalos. Os leptocéfalos são tão diferentes de sua versão adulta que, por muito tempo, ninguém percebeu que eles e as enguias na verdade eram duas fases da mesma coisa. Eles eram simplesmente classificados como outro animal, de nome científico Leptocephalus brevirostris.  

Só depois que o quebra-cabeça reprodutivo foi montado que ficou claro o que acontecia. As pequenas larvas, nadadoras talentosas, cruzam o oceano sempre próximas à superfície, se alimentando de pequenas partículas orgânicas até alcançar a Europa. A viagem, impulsionada por correntes marítimas, leva 300 dias. 

No litoral, ainda mergulhadas em água salgada, elas crescem até atingir o próximo estágio evolutivo, chamado “enguia-de-vidro”, ou meixão. Nessa altura, penetram na foz dos rios, e nadando contra a corrente, passam a viver em água doce. O meixão é cobiçado por restaurantes, e sua pesca excessiva em países como Portugal compete pau a pau com a cocaína na longa lista de ameaças às enguias.  

As enguias ainda passarão por um estágio – chamado “enguia-amarela” – até estarem prontas para se reproduzir. Neste ponto, se tornam enguias prateadas, adultas e com quase um metro de comprimento, e começam a acumular reservas de gordura para aguentar a longa viagem de volta para o Atlântico, onde deixarão os ovos. É aí que os músculos se tornam tão importantes: elas precisam voltar para o mar de Sargaços em um pique só, sem parar sequer para comer. Chegando lá, morrem logo após a reprodução, fechando o ciclo. 

Os pesquisadores afirmam que ainda são necessários mais estudos para descobrir o quanto a cocaína realmente afeta as enguias em rios reais, fora do ambiente experimental – e por que a droga é tão nociva para o organismo desses animais em particular. As perspectivas, porém, não são animadoras. Afinal, além de substâncias ilícitas, a água também tende a estar contaminada com pequenas concentrações de metais pesados, pesticidas e antibióticos. Um coquetel de porcarias sutis que não dá espaço para otimismo. “

Por: Bruno Vaiano – 28 de junho de 2018

AS ÁGUAS DO RIO INDUS E O PAQUISTÃO

Paquistão

Na última postagem falamos rapidamente da dependência que os paquistaneses têm das águas do rio Indus (ou Indo) e do medo explícito da Índia, seu país arqui-inimigo, fazer desvios nas fontes de água na região da Caxemira. Ancestrais cantos e poemas mitológicos dos Vedas, antigos livros sagrados dos hindus, falam de um grande rio que desapareceu na região e que levou centenas de cidades ao abandono progressivo. A ciência já comprovou que esse rio, chamado de Ghaggar-Hakra, realmente existiu e que desapareceu devido a fenômenos naturais – os paquistaneses temem que o mesmo aconteça com o rio Indus. 

É bem fácil entender esse receio por parte do Paquistão – o Indus é o maior e mais importante rio do país e suas águas respondem pela irrigação e nutrição de 90% das culturas agrícolas da nação. Sem as águas do rio Indus, grande parte do Paquistão se transformaria em um deserto árido – o restante do país já é hoje uma sucessão de terrenos áridos e semiáridos. 

O Paquistão ocupa uma área total de 796 mil km², entre o Noroeste da Índia, o Afeganistão e a China. Apesar de ser um dos poucos membros do seleto grupo de nações que possuem armamentos nucleares, o Paquistão é um país de economia essencialmente agropecuária. O país tem uma área com 22 milhões de hectares de terras agrícolas (o que corresponde a 38% da área total do país) e 43% da população economicamente ativa trabalha em atividades rurais, em agricultura e pecuária. Desse total de terras agricultáveis, 19 milhões de hectares utilizam sistemas de irrigação para produzir e 16 milhões de hectares dependem diretamente das águas do rio Indus – observem que é uma situação bastante semelhante à do Egito em relação às águas do rio Nilo. A agricultura gera 25% do PIB – Produto Interno Bruto, do Paquistão.  

A produção agrícola no Paquistão é dividida em dois períodos bem distintos: 

No kharif, o período do verão, as fortes chuvas da Monção nas terras altas da Caxemira provocam fortes inundações em todo o vale do rio Indus. As águas dessas cheias, muitas vezes catastróficas para as vilas e cidades, carregam enormes quantidades de sedimentos e nutrientes, que cobrem as terras das áreas de várzeas com uma camada de solo altamente nutritivo. Esse é o período de plantio do arroz, cana-de-açúcar, algodão e milho. 

Durante os meses secos de inverno, o rabi, os solos são preparados para o plantio do trigo, o alimento mais importante da dieta dos paquistaneses e responsável por 85% das calorias ingeridas pela população. O inverno também é a época de produção das gramíneas para alimentação dos rebanhos animais, de oleaginosas, cevada e mostarda. 

A produção agrícola do Paquistão atinge a marca de 25 milhões de toneladas/ano. A cultura mais importante para o mercado interno é o trigo (vide foto), que responde por 2,8% do PIB. O arroz, com uma produção anual da ordem de 2,5 milhões de toneladas, é um dos mais importantes produtos da pauta de exportações do país, respondendo por aproximadamente 11% das receitas externas. Outro produto agrícola fundamental para o Paquistão é o algodão, cultura que ocupa uma área de 2,5 milhões de hectares. A exportação de algodão e de tecidos responde por 55% das exportações do país. A cana-de-açúcar ocupa cerca de 5% das terras cultiváveis e responde por uma produção de 50 milhões de toneladas ano. 

Longe das férteis terras do vale do rio Indus, uma das poucas opções de áreas agrícolas do Paquistão ficam nos vales úmidos dos sopés das Montanhas Himalaias. Esses vales concentram pomares e áreas de produção de trigo para ração animal, batatas, legumes e verduras. As áreas semiáridas vizinhas do vale do rio Indus, com solos pobres e com pouca disponibilidade de água, muito semelhantes às regiões de Caatinga do Brasil, são usadas quase que exclusivamente para a criação extensiva de animais, principalmente bovinos, caprinos e ovinos. As atividades  ligadas à pecuária empregam aproximadamente 35 milhões de paquistaneses e respondem por cerca de 11% das exportações do país, especialmente carne e leite. O Paquistão, aliás, é o 4° maior produtor de leite do mundo. 

Sem as águas do rio Indus para abastecer e alimentar sua população, o Paquistão entraria em colapso total. Entre outras razões milenares, a disputa pelas regiões de nascentes do rio Indus na Caxemira levou o país a entrar em guerra com a Índia em três ocasiões diferentes (1947, 1965 e 1971), sem conseguir lograr êxito. A China controla um trecho da Caxemira e também já se envolveu em conflitos militares na região. Movimentos separatistas pró Paquistão da Caxemira entraram em conflitos com tropas indianas em 1999 e entre 2001-2002. Todos esses conflitos armados já custaram milhares de vidas e ainda não se encontrou uma solução viável para a partilha da Caxemira. 

Lamentavelmente, muitas águas do rio Indus ainda vão rolar desde as Montanhas Himalaias na Caxemira até que se consiga chegar a um acordo sobre a partilha desta disputada região.

Muito pior – os conflitos entre países pela posse de fontes de água se tornarão cada vez mais frequentes em todo o mundo.

CAXEMIRA, A DISPUTADA REGIÃO DAS NASCENTES DO RIO INDUS

Caxemira

A Caxemira é uma região localizada ao Norte do subcontinente indiano, que vem sendo disputada pela Índia e Paquistão desde o fim da colonização britânica em 1947. Durante os 200 anos de duração da administração inglesa na região, os territórios hoje ocupados pela Índia, Paquistão e Bangladesh formavam, artificialmente, um único país, onde as respectivas populações se toleravam – a população da Índia era majoritariamente hindu; os territórios do atual Paquistão e de Bangladesh tinham uma maioria muçulmana. Sempre ocorreram conflitos religiosos entre as populações dessas diferentes religiões, porém, sob o domínio britânico, havia um claro esforço para se atingir uma convivência “pacífica”. 

Após a independência da Índia em 1947 e o acirramento entre os diferentes grupos religiosos, o território do subcontinente indiano acabou dividido e os muçulmanos assumiram o controle da região do atual Paquistão e de Bangladesh; os hindus se concentraram nas regiões Central e Sul. De acordo com um tratado assinado entre os dois grupos nessa época, a população da região da Caxemira deveria votar em um plebiscito, escolhendo a qual dos lados deveria se juntar neste processo. Com perto de 80% da sua população sendo muçulmana, era natural que o resultado da votação fosse favorável à anexação da Caxemira ao Paquistão – a Índia, porém, alegou razões históricas e acabou anexando a maior parte região da Caxemira ao seu território e não permitiu a realização do plebiscito. Diversas guerras já foram travadas entre os dois países pela posse da região e não há uma solução à vista. 

A Caxemira é conhecida pelas paradisíacas paisagens com montanhas nevadas e vales verdejantes (vide foto), onde vive uma espécie de cabra montanhesa, famosa pela lã sedosa que produz, matéria prima de um tipo de tecido famoso em todo mundo, que foi batizado com o nome da região: a caxemira. Outra grande riqueza da Caxemira, essa bem menos conhecida por todos, são as nascentes de águas que formam o maior e mais importante rio do Paquistão – o Indus (ou Indo). Com a maior parte do seu território formado por regiões montanhosas e áridas, o Paquistão depende das águas do rio Indus para o abastecimento e alimentação de grande parte da sua população de quase 200 milhões de habitantes. E um dos grandes medos dos paquistaneses é que a Índia realize obras hidráulicas e passe a desviar essas águas para o seu território. Esse receio tem forte fundamentação – há várias décadas, os chineses vêm fazendo isso e desviando rios com nascentes nas Montanhas Himalaias para o seu território. Mas as principais razões desse medo de um eventual desaparecimento do rio Indus têm suas raízes na mitologia local. 

De acordo com cânticos e poemas encontrados nos Vedas, conjunto de livros sagrados dos antigos hindus, existia um grande rio, cujo vale atravessava uma região desértica entre os territórios atuais da Índia e do Paquistão. As águas desse mítico rio alimentavam e nutriam as populações de centenas de cidades. Em determinado momento, a ira dos deuses fez esse rio secar, levando ao súbito desaparecimento de todas essas cidades e populações. Desde 1861, arqueólogos vêm trabalhando nesse vale e comprovando que nem tudo é lenda – entre os anos 2.600 e 1.900 a.C., floresceu nessa região a Civilização do Vale do Indus. Ruínas de mais de 1.050 cidades e vilas já foram encontradas e 96 sítios já foram escavados – a mais impressionante dessas cidades é conhecida pelo nome de Mohenjodaro (ou Mohenjo-Daro)

Ocupando uma área de 1 km², Mohenjodaro chegou a abrigar uma população de 40 mil habitantes. Suas impressionantes construções, feitas com tijolos de argila e pedras, revelam uma cidade com ruas altamente planejadas, dotadas de grandes edifícios públicos, templos e sofisticados recursos de saneamento básico: sistemas de redes de abastecimento de água, esgotos e manejo de águas pluviais. Todas as casas possuíam um banheiro privado com revestimento em azulejos e nas esquinas se encontravam poços para o descarte de lixo, que era arrastado para longe por canais subterrâneos com água corrente. Gigantescos tanques para o armazenamento da água das chuvas foram construídos por toda a cidade. Além de contar com uma eficiente produção agrícola baseada em sistemas de irrigação, que garantia a alimentação de toda a sua população, Mohenjodaro também abrigou um importante centro de produção de peças e materiais metálicos, jóias, cerâmicas, madeiras e tecidos, que eram exportados por toda a costa do Oceano Índico, chegando inclusive nos mercados das cidades da Mesopotâmia. Essa fabulosa civilização, de uma hora para outra, simplesmente desapareceu. 

Estudos arqueológicos, geológicos e meteorológicos recentes comprovaram que já existiu um grande rio na região, o Ghaggar-Hakra, que corria através de um vale “paralelo” ao do atual rio Indus, desde os terrenos altos do sopé das Montanhas Himalaias até um delta no Oceano Índico. Supõe-se que um grande terremoto, ocorrido a 4 mil anos atrás, alterou a inclinação dos terrenos e desviou a maior parte das suas águas na direção do rio Ganges. Mudanças climáticas regionais, desmatamentos e sobrepastoreio de campos também são consideradas entre as causas do desaparecimento do rio. É essa mistura de mitologia com fatos históricos comprovadamente reais que tira o sono de muitos paquistaneses. 

Em 1960, a Índia e o Paquistão assinaram um acordo, o Tratado das Águas do rio Indus, o que acalmou muitos ânimos. As desconfianças, porém, continuaram: recentemente, a Índia construiu a Usina Hidrelétrica de Baglihar na região, acendendo uma luz de alerta no Paquistão e acirrando o tom das provocações entre os dois países. É sempre bom lembrar que as duas nações possuem arsenais com armas nucleares e que essa disputa pelas águas do rio Indus poderá acabar muito mal para ambos os lados

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