O genial Fernando Sabino (1923-2004) foi jornalista, escritor e um dos maiores cronistas da nossa história. Uma de suas mais famosas crônicas, Macacos me Mordam, narra as desventuras de um cientista de uma pequena cidade do interior de Minas Gerais que, para a realização de um experimento científico, envia um telegrama para um amigo de Manaus solicitando o envio de “1 ou 2 macacos” – um erro do telegrafista alterou a mensagem para “1002 macacos”. A chegada do primeiro lote do pedido na estação ferroviária da cidade com 600 macacos terminou em tragédia – aguardando as providências do cientista, os funcionários da estação ferroviária não tiveram outra opção senão abrir as jaulas: os macacos esfomeados se espalharam pela cidadezinha deixando tudo de pernas para o ar…
Fugindo da ficção, invasões de bandos de macacos, especialmente os pequenos saguis e micos, são uma realidade em muitas cidades brasileiras. Aqui em Santo Amaro, bairro da Zona Sul da cidade de São Paulo, você encontrará facilmente saguis de tufo preto andando nos fios elétricos e de telefonia dos postes na busca por frutas e insetos nas copas das árvores; na cidade do Rio de Janeiro, quem mora em bairros próximos das grandes matas convive há muito tempo com saguis e micos em suas varandas. Apesar das cenas divertidas e simpáticas com os macaquinhos, a presença destes animais em áreas urbanas pode ser bastante problemática – primatas são hospedeiros naturais dos vírus da família Flavividae que, se inoculados em seres humanos através da picada de mosquitos contaminados, transmitem a febre amarela.
O surto de febre amarela que vem assombrando dezenas de cidades das regiões Nordeste e Leste do Estado de Minas Gerais pode estar associado à migração de macacos para áreas próximas de cidades e vilas – essa é uma hipótese já levantada e em fase de estudos para sua comprovação. Porém, diversas cidades em outras regiões do Brasil têm relatado o encontro de macacos mortos nas suas áreas urbanas, o que tem deixado as autoridades em alerta.
Em Jaboticabal, cidade localizada a 358 quilômetros da cidade de São Paulo, foi confirmado que dois macacos encontrados mortos em novembro foram vítimas de febre amarela; as autoridades de saúde iniciaram uma campanha de vacinação da população contra a doença. Nas cidades de Ribeirão Preto e Monte Alto, também no interior do Estado de São Paulo, foram encontrados macacos mortos pela febre amarela, colocando todas as autoridades da área de saúde destes municípios em alerta. Esse problemático avanço de animais silvestres para as áreas urbanas está associado ao processo contínuo de destruição dos fragmentos florestais remanescentes, substituídos por plantações, pastagens e atividades de mineração. Sem seus antigos habitats, os animais silvestres migram em busca de alimentos e abrigos, alcançando muitas vezes as áreas urbanas. Notícias de animais silvestres como onças, capivaras, tamanduás e suçuaranas (onça parda) encontrados em quintais de casas nas cidades têm se tornado constantes – em um caso recente, uma suçuarana foi resgatada pela Polícia Florestal na garagem de uma casa em Cotia, município vizinho da cidade de São Paulo.
Além dos riscos de ataques e ferimentos em seres humanos, uma vez que esses animais instintivamente se protegem atacando prováveis predadores, a presença dos animais silvestres em áreas urbanas sempre trará riscos de transmissão de doenças silvestres para os seres humanos. Além da febre amarela que é transmitida por vírus de macacos das Américas do Sul e Central, podemos citar, entre outros, os perigosos vírus Ebola e da Aids que, comprovadamente, foram transmitidos de macacos africanos para seres humanos – existem inúmeros vírus desconhecidos da ciência hospedados em macacos e outros animais silvestres escondidos nas matas fechadas; o avanço do desmatamento e destruição de florestas poderá colocar alguns desses perigosos vírus em contato com populações humanas, com consequências imprevisíveis.
Que esses dramáticos surtos de febre amarela em áreas urbanas que estamos assistindo nas últimas semanas no Estado de Minas Gerais sirvam de alerta contra a irresponsabilidade humana que ataca e destrói as áreas naturais – a natureza tem suas armas para se proteger: a civilizada humanidade poderá levar a pior neste embate…