METADE DOS LAGOS DO MUNDO ESTÁ APRESENTANDO REDUÇÃO NOS NÍVEIS DE ÁGUA

Desde 2016, ano em que iniciamos os trabalhos aqui do blog, publicamos diversas postagens falando da redução do nível de importantes lagos em todo o mundo. Um dos casos mais dramáticos, que foi apresentado na forma de uma série de postagens, foi o do Mar de Aral, na Ásia Central 

O Mar de Aral fica localizado numa extensa planície semiárida entre o Cazaquistão e o Uzbequistão, onde já chegou a ocupar uma área com 68 mil km². Seus principais formadores são os rios Amu Daria e Syr Daria. Durante a época do regime comunista na antiga URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, as águas desses rios passaram a ser intensamente exploradas em projetos de irrigação, o que provocou uma redução de 90% na área ocupada pelo Mar de Aral. 

Outro caso famoso, também ligado à superexploração das águas, é o do Lago Chade, no Centro-Norte da África, que até algumas décadas atrás ocupava uma área de 25 mil km². Essa área se estende por terras no Chade, Camarões, Niger e Nigéria, onde vive uma população de 30 milhões de pessoas. Projetos desastrados de irrigação reduziram o espelho d’água para pouco mais de 1 mil km². 

Esse tipo de problema não acontece apenas em países distantes da Ásia e da África – o Lago Mead (vide foto), nos Estados Unidos, que o diga. Esse reservatório artificial surgiu na década de 1930 com a construção de uma grande usina hidrelétrica no rio Colorado e suas águas passaram a ser essenciais para o abastecimento de cerca de 25 milhões de pessoas em todo o Sudoeste dos Estados Unidos. O nível de água desse lago vem diminuindo sistematicamente desde o ano 2000. 

A sensação que tínhamos de que o problema era generalizado em todo o mundo acaba de ser confirmada por um estudo recém-publicado na revista científica Science. Esse estudo foi liderado pelo pesquisador Fangfang Yao do CIRES – Instituto Cooperativo de Pesquisa em Ciências Ambientais, na sigla em inglês. 

Lagos naturais e reservatórios artificiais respondem por 87% de toda a água doce líquida do planeta e cobrem uma área equivalente a 3% da superfície da Terra. De acordo com esse estudo, que se baseou em análises de fotografias de satélite captadas entre os anos de 1992 e 2020, 53% dessas fontes apresentaram redução nos níveis de água. 

Os pesquisadores criaram inicialmente um banco de dados global onde foram armazenadas informações de mapeamento dos níveis de armazenamento de água de 1.972 grandes massas de água, sendo 1.051 lagos naturais, com áreas entre 100 km² e 377 mil km², e 921 reservatórios artificiais, com áreas entre 4 km² e 67 mil km². Esse arquivo foi formado por 250 mil imagens. 

Esses dados foram comparados com imagens captadas pelo satélite ICESat-2 da NASA – Administração de Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos, entre os anos de 2018 e 2020, que faziam parte de um estudo sobre os níveis de armazenamento de 227.386 massas de água globais. Também foram utilizadas medições de elevação da superfície das águas de altímetros de satélites como o CryoSat-2, ENVISAT, ICESat, série Jason 1-3, SARAL e Sentinel 3. 

A comparação entre as diferentes bases de dados revelou que 53% dos lagos e reservatórios do mundo sofreram um declínio no armazenamento de água. Essas perdas somadas correspondem a 17 vezes o volume total de água dos velhos tempos do Lago Mead, o maior reservatório dos Estados Unidos. 

As perdas de água mais significativas foram observadas na Ásia Central, Oriente Médio, oeste da Índia, leste da China, Norte e Leste da Europa, Oceania, Estados Unidos, Norte do Canadá, Sul da África e a maior parte da América do Sul. 

O estudo também mostrou que aproximadamente 24% dos grandes lagos apresentaram um ganho significativo do volume de água armazenado. Esses ganhos estão ligados à construção de grandes reservatórios artificiais de água em regiões remotas ou subpovoadas, como o planalto tibetano interno e as grandes planícies do Norte da América do Norte. 

457 lagos naturais (cerca de 43% da amostragem) tiveram perdas no seu volume de água. Em 234 lagos naturais (cerca de 22% da amostragem), os pesquisadores observaram que houve um aumento no volume de armazenamento de água. Os 360 lagos restantes (ou 35% da amostra) não mostraram variações significativas. 

O corpo d’água que mais se destacou individualmente no estudo foi Mar Cáspio, na Ásia Central. Também entram na lista o Mar de Aral, também na Ásia Central, o lago Mar Chiquitita, na Argentina, o Mar Morto, no Oriente Médio, o Lago Salton, na Califórnia, entre muitos outros.  

O Mar Cáspio é considerado o maior corpo de água interior do mundo, ocupando uma área total com mais de 370 mil km². Esse grande lago ocupa uma extensa depressão na Ásia Central, que forma uma bacia hidrográfica endorreica (sem saída para o mar) entre a Rússia, Azerbaijão, Irã, Turcomenistão e Cazaquistão. 

O principal tributário do Mar Cáspio é o rio Volga, o maior rio da Europa com quase 3.700 km de extensão e também o dono da maior bacia hidrográfica e também o curso com o maior volume de água do continente. Essas águas são intensamente utilizadas em sistemas de irrigação na Rússia, o que vem se refletindo em reduções sistemáticas no volume de águas que desaguam no Mar Cáspio. 

Estudos feitos entre 1979 e 1995 indicaram que o nível do Mar Cáspio estava sofrendo uma redução anual média de 13,09 cm. Desde então, essa redução vem se mantendo numa média de 6,72 cm por ano. Com o aumento das temperaturas globais, os especialistas acreditam que haverá um aumento das perdas de água por evaporação ao longo das próximas décadas. 

O aumento das temperaturas globais também está afetando os lagos que são alimentados pelas águas de degelo de glaciares localizados no alto de cadeias montanhosas. Um exemplo disso é o Lago Titicaca, localizado entre o Peru e a Bolívia. 

O Lago Titicaca é maior corpo de água doce natural da América do Sul, ocupando uma área de mais de 8,3 mil km² de superfície a uma altitude de 3.812 metros acima do nível do mar. Nessa região de chuvas escassas, a alimentação do Lago Titicaca depende de um sem números de pequenos rios com nascentes formadas pelas águas de degelo de glaciares localizados nas grandes altitudes da Cordilheira dos Andes. Essas geleiras estão apresentando reduções sucessivas em suas massas ano após ano. 

De acordo com informações da Universidad Nacional del Altiplano, localizada na cidade de Puno no Peru, o nível do Lago Titicaca está atualmente na cota de 3.808 metros acima do nível do mar, cerca de 4 metros abaixo do nível médio histórico. Além da redução dos caudais dos rios tributários, a universidade também destaca o uso abusivo das águas do Lago Titicaca em sistemas de agricultura irrigada. 

Em resumo – as famigeradas mudanças climáticas globais estão reduzindo os volumes de chuvas em muitas bacias hidrográficas de todo o mundo, o que está reduzindo os volumes de água que correm na direção de lagos e reservatórios de água. O aumento das temperaturas em muitas regiões também está provocando um aumento das perdas de água desses corpos por evaporação. 

Entretanto, não há como negar que o uso abusivo dessas águas por atividades humanas, especialmente por sistemas de irrigação agrícola altamente ineficientes, também está dando uma enorme contribuição para a redução dos níveis de lagos e reservatórios em todo o mundo. 

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