
Em nossa postagem anterior apresentamos os dados de um estudo onde foram contabilizadas todas as mortes e os prejuízos econômicos causados por catástrofes climáticas e hídricas entre os anos de 1970 e 2021. Foram 2 milhões de mortes e US$ 4,3 trilhões em prejuízos econômicos.
Mudanças climáticas globais, uma questão que só começou a ficar bem clara de alguns anos para cá, provavelmente estão na raiz de grande parte dessas tragédias. Se, entretanto, existem dúvidas quanto ao que aconteceu num passado recente, temos certeza que o futuro está nos reservando catástrofes desse tipo ainda maiores.
Uma prova disso são os resultados de medições sistemáticas das temperaturas das águas dos oceanos: elas atingiram os valores mais altos dos últimos 42 anos. Aliás, medições recentes mostraram uma sequência ininterrupta de 60 dias com recordes sucessivos nas temperaturas oceânicas.
No início do último mês de abril, cerca de 55 dias atrás, a temperatura média dos oceanos atingiu a marca de 21,1º C, superando o recorde anterior de 21º C estabelecido durante o forte El Niño de 2016. Essa média de temperatura exclui as águas frias das regiões polares.
Só para relembrar, o El Niño é um fenômeno climático caracterizado por um aquecimento anormal das águas superficiais de uma extensa região do Oceano Pacífico. Nos anos em que o fenômeno El Niño é detectado são registradas uma série de alterações climáticas em todo o mundo. Em 2015, o surgimento de um forte El Niño prejudicou lavouras de cacau, chá e café em toda a Ásia e África.
Também provocou uma forte seca no Sudeste Asiático, favorecendo o surgimento de vários incêndios florestais. Naquele ano também se observou o inverno mais quente já registrado nos Estados Unidos. Na América do Sul, o surgimento do El Niño pode resultar em períodos de seca na região Centro-Norte e de maior umidade na região Sul. Na Argentina o fenômeno tende a provocar chuvas mais intensas.
Pois bem: as temperaturas oceânicas na Espanha atingiram neste mês os valores que seriam esperados para o período do verão, ou seja, as águas estão até 3º C mais quentes do que seria esperado para esse período de primavera no Hemisfério Norte.
Citando dois exemplos no país: na Praia de Costa da Luz (vide foto), que fica bem próxima da cidade de Cádiz na Andaluzia, e na praia de Canarias, no arquipélago homônimo, as temperaturas médias das águas estão na faixa de 20º C, um valor que normalmente só é atingido entre os meses de setembro e outubro, auge do verão europeu.
Em 2016, diferentemente de hoje, o recorde das temperaturas oceânicas foi quebrado sob a forte influência do El Niño. Hoje, ao contrário, o mundo vive dentro de uma “normalidade climática”, ou seja, essas temperaturas recordes das águas estão associadas diretamente às mudanças climáticas globais.
E aqui existe um ponto de imensa preocupação para os cientistas do clima: as previsões meteorológicas indicam que existe 60% de chance de ocorrer um novo episódio de El Niño entre os meses de maio e julho deste ano. Essa probabilidade aumenta para 80% para o período entre julho e setembro.
Ou seja, se as temperaturas oceânicas já estão com valores acima da média, existe uma grande possibilidade de elas aumentarem ainda mais nos próximos meses por causa da chegada de El Niño.
Os oceanos ocupam cerca de 2/3 da superfície do planeta, absorvendo a maior parte da radiação solar que atinge a superfície da Terra, exercendo um papel crucial na regulação do clima em todo o planeta.
Um dos aspectos mais elementares do nível da temperatura das águas dos oceanos se vê na formação de grandes massas de vapor de água, as famosas nuvens de chuva, que são responsáveis pela maior parte das chuvas que caem sobre os continentes e que garantem o suprimento de água doce para plantas e animais, incluindo-se aqui a espécie humana.
O volume de água que evapora dos oceanos a cada ano não é nada desprezível – ele é calculado em 383 mil km³ (conforme a fonte pesquisada, esse valor poderá variar). Isso equivale a uma camada de 1,06 metro de água de todos os oceanos do mundo a cada ano. Cerca de 75% dessa água evaporada se precipita na forma de chuvas diretamente sobre os oceanos. Os 25% restantes se precipitam sobre os continentes principalmente na forma de chuva, neve e granizo, que são as fontes primárias da nossa água potável.
Todo esse fabuloso volume de vapor de água é espalhado por todos os cantos graças às fortes correntes de ventos que circundam o nosso planeta. Aqui há um detalhe importante – a temperatura dos oceanos é um dos principais “motores” de geração desses ventos. Mudanças nas temperaturas superficiais das águas dos oceanos alteram tanto a formação do vapor de água quanto a velocidade e direção dos ventos.
Um exemplo do que poderá acontecer em escala global nos próximos anos é o que está acontecendo neste momento no Oceano Índico. Conforme já exemplificamos em diversas postagens aqui do blog, o Oceano Índico é o que, proporcionalmente, mais sofre com as interferências das mudanças climáticas na Antártida. De acordo com medições sistemáticas feitas desde 1880, as águas desse oceano já tiveram um aumento de 0,7º C na sua temperatura.
Esse aumento das temperaturas está causando uma série de mudanças nas grandes massas de nuvens de chuva que se formam sobre o Oceano Índico e que são levadas pelos ventos na direção da África, do Sul e do Sudeste Asiático. Na África estão sendo observadas grandes secas como a que está se abatendo sobre o Chifre da África.
No Sul e no Sudeste da Ásia, esse aquecimento das águas do Oceano Índico tem afetado a frequência e a intensidade das importantes Chuvas da Monção, uma forte temporada de chuvas que regula a vida e agricultura de centenas de milhões de pessoas.
No Golfo de Bengala, citando um exemplo, está sendo observado um aumento contínuo das águas do oceano, o que inclusive levou ao desaparecimento da Ilha New Moore em 2018. Essa região, especialmente na área entre Bangladesh e Mianmar, está sofrendo nesse momento sob a fúria do ciclone Mocha.
As temperaturas recordes dos oceanos nesse momento devem ser vistas como um sinal de alerta – poderemos ter uma sucessão de tragédias ambientais nos próximos meses! Como diz aquele velho ditado, é bom já irmos deixando as barbas de molho…