
Pelas nossas fortes ligações históricas com Portugal e outros países da Europa, todos conhecemos, mesmo que só de nome, importantes rios do continente. Citando alguns exemplos: os rios Tejo e Douro, que tem nascentes na Espanha e Foz em Portugal; o rio Sena da França, o rio Tâmisa da Inglaterra ou ainda os rios Tibre e Pó da Itália.
Se eu pedir para os leitores que já ouviram falar ao menos uma vez do rio Cunene (ou Kunene) ”levantarem a mão”, é provável que ninguém se manifeste. Abro uma exceção aqui para os muitos leitores que o blog tem em Angola que, com toda a certeza, conhecem bem esse rio.
O rio Cunene nasce na província de Huambo, no Planalto Central de Angola, percorrendo cerca de 1.200 km até atingir sua foz no Oceano Atlântico na Namíbia. Sua bacia hidrográfica ocupa uma área total superior a 106 mil km2, sendo que 75% dessa área fica dentro do território angolano.
O trecho final do rio Cunene, que marca a fronteira entre Angola e a Namíbia, é surpreendente – é um dos poucos cursos de águas perenes numa região extremamente árida. Aliás, o rio atravessa um longo trecho do Deserto do Kalahari, uma região que engloba mais de 900 mil km2 na Namíbia, África do Sul, Angola e Botswana. Próximo da foz, junto ao Oceano Atlântico, o rio cruza uma faixa do Deserto do Namibe.
Kalahari deriva da palavra kgalagadi, que na língua dos povos da região significa “o lugar da grande sede”. Já namib significa “lugar vasto e desolado”. Essas duas referências, por si só, já nos dão uma ideia da importância desse rio. A foto que ilustra essa postagem foi tirada bem perto da foz do rio e mostra bem a aridez do lugar.
O Planalto Central de Angola, conhecido localmente como Planalto de Bié, é uma região de clima temperado no centro do país e com chuvas abundantes. Cerca de metade da população rural de Angola vive nessa região. As nascentes dos rios que formam algumas das principais bacias hidrográficas da África Austral ficam nesse Planalto.
Conforme o rio Cunene vai seguindo para o Sul de Angola e atinge altitudes cada vez menores, as paisagens vão ficando cada vez mais áridas, primeiro na forma de savanas semiáridas até que, finalmente, se transformam em um grande deserto. Nessas regiões, o rio é a fonte de vida de diversos povos tradicionais, que dependem do Cunene para a produção agrícola e para a criação de animais. Essas águas também são essenciais para uma grande diversidade de animais selvagens.
De acordo com informações do Governo de Angola, existem projetos para a irrigação de uma área de mais de 600 mil hectares na bacia hidrográfica do rio Cunene até o ano de 2025. A maior parte desses projetos está concentrado no médio curso do rio.
Entre os projetos já implantados destacam-se os de Matala e Humpata-Neves, na Província de Hulia, e Manquete, na Província de Kunene. A esses projetos se juntam Chibia-Gandjelas, na Província de Hulia, e Calueque, na Província de Kunene, sistemas atualmente inativos que receberam prioridade para reabilitação pelo Programa Nacional de Sistemas de Irrigação.
Esse Programa também prevê a criação de novos sistemas de irrigação. A lista inclui o sistema Quipungo-Malipe, que atenderá cerca de 200 hectares; o Sendi, com 1.500 hectares, e o Chicungu, com cerca de 300 hectares. Todos esses sistemas ficam na Província de Hulia. Na Província de Kunene destaca-se o sistema Calueque, que atenderá uma área com 16 mil hectares.
Além de atender projetos agrícolas, esses sistemas também provêm água para a dessedentação de rebanhos animais, uma atividade econômica fundamental para muitas tribos locais. Tradicionalmente, os criadores sempre dependeram da escavação de poços para atender as necessidades dos animais, um problema que sempre foi um limitador da produtividade.
Para a Namíbia, país que é formado quase que exclusivamente por terrenos áridos e semiáridos, as águas de rios perenes como o Cunene, Orange, Okawango e Zambeze são essenciais para a agricultura. As áreas irrigadas produzem milho branco, trigo, verduras, uvas, azeitonas, tâmaras e outras frutas. Essa produção supre a população local e ainda permite a exportação de excedentes.
A região Centro-Norte da Namíbia recebe as águas do rio Cunene a partir de um canal aberto construído no final da década de 1960. As águas são captadas no açude Calueque em Angola. Essas águas alimentam o Sistema de Irrigação de Etunda, localizado a região de Omusati.
A região abriga pequenas propriedades rurais onde o milho é a cultura principal. Culturas de subsistência como batata-doce, cebola, abóboras, amendoim, frutas e verduras também fazem parte das paisagens.
Uma outra região que possui um grande potencial para a implantação de projetos de agricultura irrigada na Namíbia é Marienfluss. Essa é uma área remota e bastante isolada, onde o desenvolvimento dos projetos está dependendo dos avanços da construção da Usina Hidrelétrica de Baynes no rio Cunene, um projeto conjunto de Angola e da Namíbia.
Além de sua importância ímpar para o abastecimento de vilas e aldeias, para a agricultura e para a pecuária, o rio Cunene também é uma importante atração turística tanto para Angola quanto para a Namíbia. O destaque vai para as Quedas do Monte Negro, que na Namíbia recebem o nome de Epupa.
Essas cachoeiras ficam na fronteira entre os dois países, a cerca de 250 km a montante da foz. Nesse trecho, o rio Cunene atinge uma largura de 500 metros, com suas águas descendo por uma série de quedas ao longo de 1,5 km. A maior dessas quedas tem uma altura de 37 metros.
O rio Cunene cumpre bem a sua missão cruzando uma região bastante árida e com recursos hídricos bastante escassos. Entretanto, é sempre bom lembrar que essas águas são finitas e que precisam ser utilizadas de maneira racional. A exemplo do que faz Israel, país tão árido quanto a Namíbia e o Sul de Angola, é preciso usar bem cada gota de água disponível.
[…] VOCÊ JÁ OUVIU FALAR DO RIO CUNENE? […]
CurtirCurtir