
Nas últimas postagens aqui do blog falamos bastante do aproveitamento de águas de importantes rios em projetos de irrigação agrícola. Em tempos em que a produção de alimentos e o abastecimento de populações causam preocupações, esses projetos de irrigação são importantíssimos.
O aproveitamento das águas de um rio é sempre problemático. Qualquer rio possui seu próprio ciclo hidrológico, onde se alternam períodos de cheias e de vazantes, características que regulam a vida de toda uma cadeia de fauna ao longo de suas margens, incluindo-se aqui as populações humanas.
Projeto de irrigação implicam na retirada de grandes volumes de água nos rios, na construção de canais para o desvio de águas ou até mesmo na necessidade do represamento das águas. Não raras vezes, essa retirada de grandes volumes de água arruinou completamente regiões inteiras.
Um dos casos mais clássicos tratados aqui no blog foi o do Mar de Aral na Ásia Central. Diversos projetos de irrigação implementados na calha dos rios Syr Daria e Amu Daria pelo antigo regime de planejamento central da antiga URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas passaram a retirar mais de 90% dos caudais desses rios, o que resultou na destruição do Mar de Aral.
Com aproximadamente 68 mil km2, o Mar de Aral era a parte final da grande bacia hidrográfica endorreica formada pelos rios Amu Daria e Syr Daria. Nesse tipo de bacia hidrográfica, as águas não correm na direção dos oceanos, mas sim na direção de uma depressão no terreno, onde forma um lago ou uma planície alagável – a água se perde por evaporação. A exploração excessiva das águas dos rios reduziu o Mar de Aral a 1/10 de seu tamanho original.
Um dos mais importantes rios da África Austral – o Okavango, poderá ter um futuro muito parecido com os rios Amu Daria e Syr Daria caso alguns projetos de irrigação sejam levados a cabo pelo Governo de Angola.
O rio Okavango tem suas nascentes no Planalto Central de Angola entre Huambo e Cuito, em altitudes entre 1700 e 1800 metros. O rio percorre cerca de 1.600 km até uma depressão em Botsuana, formando o conhecido Delta do Okavango. Assim como acontece no Mar de Aral, o Delta do Okavango é a parte final de uma bacia hidrográfica endorreica, onde a perda de água se dá por evaporação.
A bacia hidrográfica do rio Okavango ocupa uma área total de 690 mil km2 em Angola, Namíbia e Botsuana, atendendo mais de 900 mil pessoas, sendo que a maior parte vive em Angola (cerca de 60%).
Em Angola, o rio Okavango (chamado localmente de Cubango) segue rumo ao Sul atravessando uma grande extensão de terrenos semiáridos, sendo a única fonte de água permanente para centenas de pequenas aldeias. Essas populações sobrevivem de pequenas roças de subsistência e da criação de animais.
Ao atingir a fronteira com a Namíbia, o curso do rio passa a seguir na direção Leste, marcando a fronteira com Angola por cerca de 400 km até entrar no território de Botsuana.
Na Namíbia, país formado basicamente por solos árido e semiáridos, as águas do rio Okavango são utilizadas em diversos projetos de irrigação, especialmente para a produção de milho branco, trigo, frutas e verduras. As águas do rio também são usadas para a dessendentação de grandes rebanhos de bovinos, ovinos e caprinos.
Cerca de 40% dos caudais que chegam em Botsuana escoam para áreas pantanosas e os 60% se dividem em três canais principais que formam um grande leque aluvional do Delta do Okavango.
A região do delta do Rio Okavango em Botsuana é considerada um dos últimos refúgios selvagens de toda a África e uma das maiores atrações turísticas da região Austral do continente. A luxuriante vegetação alimentada pelas águas do rio forma um verdadeiro paraíso para a vida selvagem, sustentando grandes mamíferos como elefantes, girafas, hipopótamos, búfalos e zebras, que por sua vez atraem os grandes predadores: leões, leopardos, guepardos e mabecos, sendo acompanhados por toda uma sequência de carniceiros como as hienas e abutres.
A ciência ainda não dispõe de estudos completos acerca do delta do Okavango, mas, até o momento, já identificou 50 espécies de pássaros, 128 de mamíferos e 150 de répteis e anfíbios – o número de espécies de peixes e de insetos ainda é desconhecido. Somente em rebanhos animais criados pela população, o Delta sustenta 150 000 bovinos e 145 000 caprinos.
Todo esse delicado sistema está sob ameaça – depois de mais de 37 anos de uma guerra civil devastadora em Angola, período em que centenas de milhares de famílias foram expulsas da região da bacia hidrográfica do rio Okavango, o Governo do país tem feito grandes esforços para “repovoar “a região
Na região das nascentes do Rio Okavango, que foi um foco importante dos conflitos, o Governo iniciou em 2002 um intenso trabalho de localização e remoção de minas terrestres, criando condições para o retorno das famílias expulsas pelos conflitos armados. Órgãos oficiais estimam que a população na região chegará aos 2 milhões de habitantes nos próximos quarenta anos.
Um outro risco regional é o avanço de grupos internacionais, especialmente chineses, interessados na implantação de grandes projetos agroindustriais com irrigação nas planícies. O baixo preço da terra, a aparente grande oferta de água do Rio Okavango, mão de obra farta e a baixos custos (70% da população de Angola vive da agricultura), num país com governo ditatorial e com instituições fracas, são convites para um desastre nos moldes da Ásia Central.
Por fim, o maior de todos os riscos – projeções meteorológicas baseadas em modelos matemáticos indicam grandes alterações nos padrões das chuvas das montanhas de Angola nas próximas décadas devido as mudanças climáticas globais.
Sem estas chuvas regulares e com os riscos que poderão ser criados pela superexploração das águas em projetos de irrigação, o delta do Okavango poderá desaparecer em poucos anos e a humanidade perderá mais um dos seus grandes tesouros naturais…
É uma situação preocupante.
[…] AS COBIÇADAS ÁGUAS DO RIO OKAVANGO […]
CurtirCurtir