O GRANDE CANAL DO RAJASTÃO NA ÍNDIA 

Na última postagem falamos do Canal de Narmada, o maior canal de irrigação da Índia. Esse empreendimento foi concluído em 2008, contando uma extensão total de 532 km, sendo 458 km no Estado de Gujarat e outros 74 km no Rajastão. Estes dois estados ficam no Noroeste da Índia junto à fronteira com o Paquistão, uma região com terrenos extremamente áridos. 

As águas transportadas pelo sistema estão abastecendo cerca de 3.125 aldeias e permitindo agricultura irrigada em uma área com aproximadamente 246 mil hectares. Grande parte dessa região fica dentro do território semiárido do Deserto de Thar, o maior da Índia. 

Esse projeto se juntou a uma série de outras iniciativas que vem sendo implementadas na região desde o início do século XX. O Rajastão é o maior Estado da Índia em área e também um dos mais problemáticos. Os solos áridos e as poucas chuvas tornam a vida na região bastante difícil. Ao mesmo tempo, o Rajastão possui o maior trecho de fronteira entre a Índia e o seu arqui-inimigo Paquistão – o Governo sempre sonhou em ter uma grande população nessa região para dissuadir qualquer eventual avanço de tropas paquistanesas. 

O aparente sucesso do Canal de Narmada contrasta com os problemas e as críticas a outro grande projeto hídrico no Rajastão – o Canal Indira Gandhi. Esse projeto foi concebido na década de 1950 com o objetivo de trazer água de rios da verdejante região do Punjabi para os terrenos desérticos do Rajastão. 

O Punjabi é um Estado localizado no Norte da Índia e que tem uma área de mais de 50 mil km2. A palavra punjabi vem da língua persa e significa, literalmente, “terra dos cinco rios”, o que dá uma ideia da grande quantidade de recursos hídricos que a região possui. Uma parte do Punjabi fica no Paquistão. Em ambos os países a região é considerada como um verdadeiro celeiro agrícola. 

No vizinho Rajastão as coisas são bem diferentes. Cerca de 3/5 do território desse Estado são formados pelos solos áridos do Deserto de Thar, o maior da Índia. Trazer águas do Punjabi para o Rajastão sempre foi um sonho antigo dos indianos. 

O projeto do Canal do Rajastão foi concebido no final da década de 1940, no início da história da Índia como país independente. É sempre importante citar que, até 1947, Índia, Paquistão e Bangladesh formavam o Vice-reino Britânico da Índia. Com a independência, os conflitos religiosos entre hindus e muçulmanos levaram à divisão do país – o Paquistão e Bangladesh com população majoritariamente muçulmana de um lado, e os hindus da Índia de outro. Bangladesh se tornou independente do Paquistão em 1970. 

Por razões estratégicas, o Governo da Índia pretendia fixar o maior número possível de agricultores na faixa de fronteira com o Paquistão e a ideia da construção de um grande canal para o transporte de água foi muito bem aceita. Os trabalhos de construção foram iniciados em 1952 e visavam a construção de um trecho inicial com cerca de 250 km. 

Em 1960, os Governos da Índia e do Paquistão tiveram de negociar um acordo para a partilha das águas dos rios Satluj, Beas e Ravi, águas essas que seriam utilizadas para alimentar o Canal do Rajastão. Apesar das nascentes desses rios ficarem dentro do território da Índia, suas águas correm na direção do rio Indo (ou Indus), o maior e mais importante rio do Paquistão. Grande parte das hostilidades entre os dois países está relacionada com a partilha de recursos hídricos. 

A fase inicial do projeto contemplou a construção de um canal entre a Barragem de Harike, no Punjabi, e a cidade de Masitawali, no Rajastão. Além de um canal alimentador com 256 km, essa etapa incluiu a construção de um sistema de canais auxiliares com extensão total de quase 3 mil km. Essa fase de obras deveria ter sido concluída em 1971, mas, as obras se estenderam até 1983. 

Esse grande atraso foi o resultado de uma série de mudanças no projeto e, como bem conhecemos por experiência própria aqui no Brasil, de inúmeros casos de corrupção e desvio de verbas por parte de políticos e empresários da Índia. Qualquer semelhança com projetos similares aqui em nosso país não é mera coincidência. 

A segunda e mais criticada etapa de construção do agora chamado Canal Indira Gandhi, Primeira-Ministra indiana assassinada em 1984, se estendeu até o ano de 2010. Além de repetir os mesmos pecados da primeira etapa – principalmente no que diz respeito a desvio de verbas e corrupção, a maior parte dos canais construídos não está servindo para nada. 

A foto que ilustra essa postagem mostra um ramal de irrigação completamente seco, onde o fundo foi tomado pelas areias do Deserto de Thar. Essa é uma imagem que se repete em grande parte dos 3.400 km de ramais que foram construídos na segunda fase do projeto. 

De acordo com muitos especialistas, o sistema não possui água suficiente para irrigar toda a rede de canais e de ramais que foram construídos. O acordo com o Paquistão estipulou um volume máximo de água que poderia ser desviado para o Rajastão. Grande parte desses ramais foram construídos sem obedecer a quaisquer critérios técnicos, mas simplesmente para atender promessas populistas do Governo. Entre essas promessas havia um compromisso de irrigar 4,67 milhões de hectares. 

No auge da construção, o Governo do Rajastão criou um programa de estímulo para os pequenos agricultores, oferecendo lotes de terras com 6,32 hectares a serem pagos em prestações baixas ao longo de 15 anos. Dezenas de milhares de pequenos agricultores, inclusive de outros Estados da Índia, foram atraídos pelo “canto da sereia” e se deram mal.

Um exemplo do fracasso do projeto pode ser visto na região de Ramgarh, onde mais de mil famílias aderiram ao programa do Governo do Rajastão – cerca de 10 anos depois, apenas 25 estavam conseguindo pagar as parcelas do financiamento. 

Outro sinal do fracasso do empreendimento é visto no sistema de distribuição de água para as pequenas aldeias. A qualidade da água que chega até as caixas de armazenamento é tão ruim que só pode ser utilizada para a lavagem de roupas e panelas. Os aldeões precisam se valer das antigas cisternas de armazenamento da água das chuvas ou então da escavação de poços para seu abastecimento. 

Sistemas de irrigação bem projetados e operados corretamente podem significar a “salvação da lavoura” em regiões de clima árido. Entretanto, quando o objetivo dos governantes é simplesmente fazer politicagem barata para desviar recursos públicos, as chances de os projetos acabarem em completos desastres são enormes – o Canal Indira Gandhi foi um desses casos.. 

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