
Na postagem anterior falamos da importação de energia elétrica pelo Brasil e destacamos que os principais “vendedores” são a Argentina e o Uruguai. O Paraguai também vende energia elétrica para o nosso país, porém, falamos aqui da geração excedente da Usina Hidrelétrica de Itaipu.
Logo após publicar a postagem, dei uma olhada nos noticiários na internet e fiquei surpreso ao ver a polêmica criada pelo Presidente da Argentina, Alberto Fernández, que fez um verdadeiro “tango do porteño louco” ao falar sobre a origem do povo argentino em um discurso feito de improviso durante a visita do Primeiro-ministro da Espanha – Pedro Sánches, a Buenos Aires.
De acordo com Fernández, “os mexicanos saíram dos índios, os brasileiros saíram da selva e os argentinos chegaram de barcos vindos da Europa”. Ao que tudo indica, o líder argentino pensava estar repetindo uma frase de Octavio Paz, escritor mexicano e Prêmio Nobel de Literatura, que afirmou que “os mexicanos descendem dos astecas, os peruanos dos incas e os argentinos dos barcos”. A fala, desgraçadamente, acabou soando como racista e xenofóbica.
O “discurso” de Fernández pegou muito mal e teve repercussões muito negativas em todo o mundo. Muitos políticos brasileiros fizeram publicações nas redes sociais condenando a fala do Presidente da Argentina. O presidente Jair Bolsonaro, surpreendentemente, se limitou a publicar uma foto em que aparece rodeado por indígenas da Amazônia com a chamada “Selva”, o grito de guerra dos soldados que servem na região.
Para os que não conhecem a figura, Alberto Fernández é famoso por suas gafes e falas “non sense”. O personagem lembra muito a nossa ex-Presidente Dilma Roussef, também esquerdista, que falava em “estocar vento”, saudava a mandioca e dizia coisas como “atrás de uma criança sempre vem um cachorro” ou “a gente primeiro estabelece uma meta e depois dobra a meta”.
Como falamos de meio ambiente e recursos hídricos aqui no blog, resolvi aproveitar o gancho criado pelo Presidente argentino para falar da falta de prioridade de nossos governantes. Como todos têm acompanhado nas nossas postagens mais recentes, estamos passando por uma severa crise hídrica em uma extensa área do Brasil Central, crise essa que impacta diretamente na geração de energia em importantes usinas hidrelétricas.
A bacia hidrográfica do alto rio Paraná é a mais impactada pela severa seca, que afeta diretamente os Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo e Paraná. Esse problema não está limitado apenas ao território brasileiro – o Paraná é o rio mais importante da Argentina e o país vizinho está sofrendo com os baixos níveis das águas. A hidrovia do rio Paraná é um dos principais canais para o escoamento da produção agrícola do país e os baixos níveis das águas estão inviabilizando a navegação em muitos trechos.
Além da forte redução dos caudais que vem do trecho alto da bacia hidrográfica no Brasil Central, o baixo curso do rio Paraná também está sofrendo com a redução dos volumes de água vindos do rio Paraguai, o maior tributário desse trecho. As cabeceiras dos rios formadores do Paraguai, tanto no Brasil quanto na Bolívia, também estão recebendo chuvas bem abaixo da média, o que se reflete em baixos volumes de água na calha do rio.
É aqui que chego ao cerne da questão – com tantos problemas envolvendo as importantes bacias hidrográficas dos rios Paraná e Paraguai, será que não seria mais útil aos nossos Digníssimos Senhores Presidentes deixar de perder tempo falando bobagens e partir para a discussão de questões sérias na área da preservação ambiental?
A crise hídrica que nossos países estão vivendo tem sim um profundo peso de chuvas abaixo da média em extensas regiões do Brasil, da Bolívia, do Paraguai e da própria Argentina. Porém, não há como esquecer que parte dos problemas estão sendo criados pelo avanço da agricultura e da pecuária em áreas do Cerrado, dos Pampas e do Pantanal Mato-grossense, além de áreas do Gran Chaco, uma grande extensão de terrenos alagadiços entre a Bolívia, a Argentina e o Paraguai.
Aqui é importante lembrar que os biomas não respeitam as fronteiras entre países. O Cerrado, por exemplo, avança na direção do Paraguai e de um pequeno trecho da Bolívia. Os Pampas cobrem uma grande parte do Rio Grande do Sul e avançam pelo Uruguai e pela Argentina. As agressões ambientais que esses ecossistemas sofrem e também as consequências são “multinacionais”
A vegetação nativa desses diferentes ecossistemas tem extrema importância no auxílio da infiltração da água das chuvas nos solos e recarga dos depósitos subterrâneos de água e aquíferos, fontes que alimentam os rios nos períodos de seca. Um exemplo que sempre cito aqui nas postagens é a vegetação nativa do Cerrado, caracterizada pela presença de raízes muito profundas.
Quando essa vegetação é substituída por campos de soja, de milho ou pastagens para animais, plantas que tem sistemas de raízes muito pequenos, as quantidades de água das chuvas que conseguem infiltrar nos solos caem drasticamente. E, como consequência direta, resultam em uma redução brutal nos volumes de água nas nascentes dos rios.
Um grande exemplo da importância da conservação ambiental é a região do Cerrado brasileiro, que é chamada por muitos especialistas de “Berço das Águas”, e que possui grandes e importantes aquíferos: o Bambuí e o Urucuia, além de abrigar uma parte importante do aquífero Guarani.
O aquífero Bambuí se divide entre áreas do Cerrado e do Semiárido, tendo seu trecho mais importante na região Norte de Minas Gerais. Sua área natural de recarga, porém, abrange uma superfície total de mais de 180 mil km² nos Estados de Minas Gerais, Bahia, Goiás e Tocantins, atendendo um total de 270 municípios, especialmente na região conhecida como Polígono das Secas.
O aquífero Urucuia está localizado integralmente na região do Cerrado e se estende por toda a região Oeste do Estado da Bahia, que concentra entre 75 e 80% da área total, além de trechos nos Estados do Tocantins, Goiás, Piauí, Maranhão e Noroeste de Minas Gerais, ocupando uma área total de 120 mil km².
O imenso aquífero Guarani ocupa uma área total de 1,2 milhão de km², se estendendo por áreas das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, avançando por regiões do Paraguai, Argentina e Uruguai. É considerado o segundo maior aquífero conhecido do mundo, ficando atrás apenas do sistema de aquíferos Alter do Chão da Região Amazônica. Alguns cálculos indicam que o Guarani possui uma reserva total de águas que seria suficiente para abastecer toda a população brasileira por até 2.500 anos.
Esses aquíferos alimentam as nascentes de águas de importantes rios que formam grandes bacias hidrográficas brasileiras: Parnaíba, São Francisco, Tocantins/Araguaia, Atlântico Leste e Atlântico Nordeste. Também entram na lista as bacias hidrográficas dos rios Paraná e Paraguai, cujas águas avançam na direção de países vizinhos como a Argentina e o Paraguai.
Independente da origem de nossos povos, vivemos todos em um espaço geográfico único na América do Sul, com biomas e bacias hidrográficas interligadas, e com uma série de problemas ambientais comuns.
É melhor esquecer as picuinhas “bairristas” e começar a conversar seriamente sobre como resolver os nossos grandes problemas ambientais comuns.
Obs: A expressão “tango do porteño louco” usada no texto faz referência à expressão popular brasileira “samba do criolo doido” que é usada para se referir a coisas sem sentido, a textos mirabolantes e sem nexo.