OS RIGORES DO INVERNO NO HEMISFÉRIO NORTE

A ocorrência do fenômeno La Niña nesses últimos meses, e que ainda deverá ser sentida até o final do primeiro trimestre, está causando chuvas acima da média em algumas regiões do Brasil. Ontem mesmo, dia 2 de fevereiro, a cidade de São Paulo foi castigada por uma fortíssima chuva acompanhada de ventos com velocidades acima dos 80 km/h. 

Enquanto sofremos com a chuva por aqui, muitas regiões do Hemisfério Norte estão tendo problemas com os rigores do inverno. Normalmente, costumamos associar o frio intenso e as fortes tempestades de neves às estepes geladas da Sibéria ou à tundra no Norte do Canadá. Entretanto, mudanças anormais no vórtice polar têm empurrado as tempestades de neve para outras regiões, como foi o caso recente da Espanha. 

No início de janeiro, uma fortíssima onda de frio atingiu a Espanha, um país onde os invernos são bem mais amenos do que na maior parte da Europa. Na capital do país, Madrid, a temperatura chegou a atingir a marca de -16° C; em alguns povoados da região de Guadalajara as temperaturas mínimas chegaram a inacreditáveis -35° C. Importantes cidades do país ficaram, literalmente, paralisadas devido ao forte acúmulo de neve nas ruas (vide foto). 

Os meteorologistas já vinham observando um “aumento vertiginoso” nas temperaturas da atmosfera do Ártico e previam que isso poderia resultar no deslocamento de massas de ar gelado para outras regiões do Hemisfério Norte. Ao longo da primeira semana de janeiro deste ano, as temperaturas em camadas elevadas da estratosfera sobre a Sibéria subiram de -69° C para -13° C.  

Esse brusco aumento da temperatura desequilibrou o vórtice polar e o empurrou para fora do seu eixo no Polo Norte – uma parte foi empurrada na direção da América do Norte e outra na direção da Europa. Os efeitos desse deslocamento, que já estão bastante visíveis, estão provocando fortes nevascas nas regiões Centro-Oeste e Nordeste dos Estados Unidos, e também em regiões de latitude média da Europa, como no caso a Espanha. 

O vórtice polar é formado por duas massas de ar frio que giram ao redor do Polo Norte. Em uma camada mais baixa da atmosfera – a troposfera, gira uma corrente de jato, que também é chamada de vórtice circumpolar. Essa massa é grande e muitas vezes se estende do Norte do México até o Norte do Canadá, se movendo do Oeste para o Leste. 

A segunda camada de ar frio fica localizada em altitudes entre 16 e 48 km, sendo conhecida como vórtice polar estratosférico. Essa camada é bem menor que o vórtice circumpolar e fica estacionada sobre o Polo Norte, girando de Oeste para Leste. Essa massa se forma em todos os invernos e se dissipa quando chega a primavera no Hemisfério Norte. 

Esses dois vórtices normalmente apresentam uma diferença de temperatura constante, o que faz com mantenham as suas posições estáveis. Um aquecimento repentino da atmosfera, como o que foi detectado pelos meteorologistas no início do ano, desestabiliza os dois sistemas e provoca um deslocamento anormal dos vórtices. 

Os cientistas afirmam que esses aquecimentos da estratrosfera são relativamente comuns. Em 2018, por causa de um desses aquecimentos, o Reino Unido enfrentou uma forte onda de frio, que teve como resultado uma grande escassez do gás usado no aquecimento residencial. Em 2019, foi a vez da cidade de Chicago, no Norte dos Estados Unidos, enfrentar temperaturas mais baixas que as do Polo Norte. Nos últimos anos, os meteorologistas passaram a estudar mais esses fenômenos, buscando uma forma de prever com mais antecedência os deslocamentos dos vórtices polares. 

Entre os inúmeros fenômenos climáticos envolvidos no estudo da formação e dos deslocamentos dos vórtices polares, as mudanças climáticas globais entram como um complicador a mais. Ao longo dos últimos 30 anos, as temperaturas no Ártico sofreram um aumento duas vezes maior do que o observado no restante do mundo. Esse aquecimento tem resultado no derretimento de geleiras e em grandes perdas no gelo marinho da região. Os cientistas supõem que essas mudanças podem tornar o vórtice polar mais instável, porém, ainda faltam maiores estudos. 

Os cientistas já sabem que a perda de gelo no Ártico tem resultado num aumento da temperatura das águas da região, o que se reflete num aumento das ondas de calor que são refletidas de volta para a atmosfera. Esse calor extra se reflete em oscilações mais fortes e persistentes na corrente de jato no sentido Norte, o que pode interromper o vórtice polar. 

No ano passado, que foi considerado um dos mais quentes já registrados, houve uma perda recorde da cobertura de gelo marinho no Ártico. Os cientistas suspeitam que essa pode ter sido uma das causas do forte deslocamento do vórtice polar nas últimas semanas. Porém, ainda serão necessários maiores e mais profundos estudos para que se possa entender exatamente o que está acontecendo. 

A complexa equação ainda precisa incluir La Niña e El Niño, as emissões de gases de efeito estufa, a derrubada de florestas em todo o mundo (e não só as “famosas queimadas na Amazônia”), a poluição gerada por indústrias, a poluição dos oceanos, entre muitos outros fatores. 

Também existem dúvidas relativas às mudanças climáticas naturais provocadas, por exemplo, pelas mudanças no eixo de rotação do planeta. A última dessas grandes mudanças foi a Era do Gelo ou Período Glacial, que teve seu ápice a “apenas” 20 mil anos atrás (em tempos geológicos, isso é bem pouco tempo). Grandes extensões da Ásia, Europa e América do Norte foram cobertas por geleiras e as espécies animais e vegetais locais evoluíram para se adaptar às novas condições ambientais. Nossos “primos” Neandertais prosperaram nesses tempos na Europa e na Ásia. 

Conseguir entender o funcionamento dos mecanismos do vórtice polar é fundamental para se garantir a segurança de populações diante da chegada de grandes massas de frio e neve. Com uma previsão antecipada, as populações passam a contar com tempo hábil para a estocagem de comida e água, além de lenha e/ou combustível para o aquecimento das residências. Governos podem planejar melhor os estoques de gás e combustíveis, transportes e serviços de emergência. 

O caso recente das fortes nevascas na Espanha é um exemplo dos problemas que podem ser antecipados. Os espanhóis, que não estão habituados à convivência com esses volumes de neve, foram pegos, literalmente, de “calças curtas” pelas fortes precipitações, o que em condições normais já seria bastante problemático. Em meio a pandemia da Covid-19, onde a população já vinha sofrendo fortes restrições de circulação e com a economia seguindo em marcha lenta, os impactos foram muito fortes. 

Somente na cidade de Madrid, mais de mil pessoas tiveram de ser resgatadas de seus veículos após serem atingidas pelas fortes nevascas que cobriram as ruas e avenidas da cidade. Algumas pessoas chegaram a ficar 24 horas à espera de resgate. O Governo teve de convocar tropas do exército para ajudar os bombeiros e as forças de segurança nas operações de resgate.  

Além da região de Madrid, as tempestades de neve colocaram outras nove províncias espanholas em alerta vermelho. No total, a neve afetou 36 das 50 províncias da Espanha. Faltaram alimentos nos supermercados e combustíveis nos postos de gasolina, além de dificuldades nos sistemas de abastecimento de eletricidade, gás e água. O já sobrecarregado sistema de saúde do país dependeu do esforço sobre-humano dos seus profissionais para a tender as inúmeras emergências médicas que surgiram. 

A pergunta que fica: a Espanha foi a “bola da vez” – qual país e/ou regiões serão os próximos? 

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