Nas últimas postagens falamos de algumas alterações nos padrões climáticos que estão sendo provocadas aqui no Brasil pelo fenômeno climático La Niña. A formação desse fenômeno está associada ao resfriamento das águas superficiais de uma extensa faixa do Oceano Pacífico e têm consequências em todo o mundo. O pacote “brasileiro” inclui, entre outros eventos, fortes tempestades em muitas cidades, aumento na incidência de raios no Estado de São Paulo e chuvas acima da média no Pantanal Mato-Grossense.
No caso do Pantanal, essas chuvas acima da média provocadas por La Niña são mais do que bem-vindas. O bioma passou por uma forte seca no ano passado, que teve como uma de suas consequências a ocorrência de imensas queimadas. Com a chegada das chuvas e a volta do alagamento de grandes extensões da planície, o Pantanal Mato-Grossense começa a renascer das cinzas, literalmente.
Para quem vive de trabalhar e cultivar a terra, as chuvas são quase sempre muito bem-vindas. A exceção fica por conta dos períodos de colheita, quando a chuva acaba criando alguns problemas. No caso do Estado de Mato Grosso, a maior potência do agronegócio brasileiro, a previsão dos meteorologistas fala de chuvas acima da média até os meses de março e abril, o que deverá prejudicar tanto a colheita da soja quanto o plantio da safra do algodão.
De acordo com informações da EMBRAPA Soja, uma das áreas especializadas da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, as condições ideais para a cultura do grão incluem uma temperatura de solo próxima dos 20° C, uma temperatura do ar entre 20 e 30° C e uma umidade do ar entre 70 e 80%. Também se incluem nessas condições um solo bem drenado e com boa retenção de água. O excesso de chuvas ou ambientes muito úmidos impactam diretamente na produtividade da cultura.
Quando o plantio das sementes da soja é feito em solos com excesso de água, os processos bioquímicos de germinação das sementes e emergência das plântulas, que são majoritariamente aeróbicos (ou seja, dependem da presença do ar), serão prejudicados pela falta de oxigênio. O excesso de umidade nos solos prejudica as trocas gasosas – entrada de oxigênio e saída de gás carbônico, entre outros problemas.
Quando as plantas estão em desenvolvimento, elas necessitam de uma boa incidência de luz solar, energia essencial para os processos de fotossíntese. Em dias chuvosos ou nublados, a RFA – Radiação Fotossintética Ativa, é drasticamente reduzida pelas nuvens. Nessas condições, as folhas medianas e baixas da planta recebem quantidades ínfimas de radiação solar, diminuindo ainda mais os processos de fotossíntese da planta e reduzindo a sua capacidade produtiva.
O excesso de umidade também cria problemas para a colheita mecânica da safra. Grãos de soja com excesso de umidade podem começar a germinar durante o transporte e armazenamento ou podem se tornar ardidos ou apodrecidos. Qualquer uma dessas ocorrências compromete a qualidade do produto e diminui os ganhos dos produtores. Usando uma expressão típica aqui do meu bairro, a soja é uma cultura “bem enjoada”.
Já para o algodão, uma planta originária de regiões de clima quente e seco, tanto o excesso de chuvas quanto a alta umidade do ar podem levar ao apodrecimento das maças e estimular a proliferação do bicudo, inseto que é a principal praga dos algodoeiros. Em qualquer um desses casos, não haverá muito o que fazer e a lavoura estará perdida.
Uma das principais razões para o sucesso da agricultura no Cerrado brasileiro foi o clima com duas estações bem definidas – um período chuvoso seguido por uma estação seca. Essa característica climática sempre favoreceu o planejamento das épocas para o plantio e colheita das culturas, além de permitir a escolha do tipo de cultura mais adequada para cada período.
A estação das chuvas no Cerrado vai de setembro até o início de maio, sendo seguida pela estação da seca que vai de junho a agosto. Esse ciclo alternado de chuvas e seca forma o chamado “ano agrícola”. Um produtor mais tradicional, que produz semeando e colhendo nas épocas mais adequadas do ano conseguirá colher apenas uma safra por ano. Com o aprimoramento das técnicas agrícolas, os agricultores desenvolveram a chamada semeadura de “safrinha”, o que passou a permitir a produção de duas ou mais safras a cada ano.
A chamada soja de ciclo precoce, por exemplo, tem sua semeadura a partir das primeiras chuvas no mês de setembro e começa a ser colhida no mês de janeiro, época em que as chuvas já começam a se reduzir no Cerrado. O plantio do algodão é feito logo após a colheita da soja e a sua colheita será feita no auge do período seco entre junho e agosto. Outra cultura típica em sucessão à soja é o milho, normalmente chamado de “milho safrinha”.
Nos anos em que há a incidência do fenômeno climático La Niña ou do seu irmão, o El Niño, os padrões de chuva e seca são alterados, criando uma série de dificuldades para os produtores rurais ajustaram corretamente os seus ciclos de produção. Nessas primeiras semanas de fevereiro, a colheita da soja já deveria estar sendo finalizada em Mato Grosso e o plantio do algodão já deveria ser sido iniciado. Porém, com chuvas acima da média, os produtores precisam esperar a chegada de uma janela de estiagem para colher a soja nas melhores condições possíveis.
Esse adiamento do plantio do algodão poderá “empurrar” o período da colheita para uma data perigosamente próxima da chegada do período das chuvas, o que vai prejudicar, e muito, a produção. A parte mais sensível do algodoeiro é a pluma (vide foto), a matéria prima dos fios e dos tecidos de algodão. O caroço do algodão produz um óleo, usado principalmente na culinária, e também o chamado línter da semente do algodão, também conhecido como mel de viscose, usado na produção de uma fibra de celulose. Essas fibras são a matéria prima de produtos têxteis como a viscose.
Nas últimas décadas, os produtores agrícolas se transformaram nos principais clientes das empresas especializadas na elaboração de boletins com previsão do tempo. Cada vez mais, os produtores brasileiros se destacam na chamada “agricultura de precisão”, onde as culturas agrícolas são minuciosamente ajustadas às previsões climáticas de cada micro região.
As complexas alterações climáticas provocadas pela presença de La NIña, um fenômeno ainda não totalmente compreendido pelos meteorologistas, bagunça o “meio de campo” dos agricultores e pode causar grandes prejuízos para os mais desatentos.
De acordo com as estimativas mais atualizadas do Centro de Previsão Climática, entidade ligada a NOAA – Administração Atmosférica e Oceânica dos Estados Unidos, na sigla em inglês, há 95% de chances de La Niña persistir até o final do verão no Hemisfério Sul. As possibilidades de o fenômeno persistir nos meses de abril, maio e junho caem para 55%, com tendência de neutralidade a partir do início do segundo semestre. Todas essas probabilidades são cuidadosamente analisadas pelos meteorologistas que preparam os relatórios para os produtores agrícolas.
Na agricultura moderna agora é assim – um olho no céu e outro na tela do computador. Cada vez mais, a produção agrícola vai sendo ajustada às condições climáticas, sejam elas quais forem. La Niña e El Niño podem até aprontar as suas traquinagens climáticas, mas o agricultor bem informado saberá como superá-las ou, o mínimo, como reduzir os seus impactos na produção.
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[…] sofreu uma redução de 9,9% no volume total de produção e ficou em 125 milhões de toneladas. O fenômeno climático La Niña provocou uma drástica redução do volume de chuvas nos Estados da Região Sul, São Paulo e Mato […]
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