DIKEROGAMMARUS VILLOSUS – O CAMARÃO ASSASSINO QUE INVADIU OS GRANDES RIOS DA EUROPA

Dikerogammarus villosus. Photo by S. Giesen (1998).

Em uma postagem anterior falamos da invasão do mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei) em rios brasileiros e de países vizinhos da América do Sul. Esse molusco bivalve é originário de rios do Sudeste e Leste Asiático, tendo chegado ao continente americano através da problemática água de lastro de navios cargueiros. Detectado pela primeira vez em 1991 na Praia de Bagliardi na Argentina, o mexilhão-dourado rapidamente começou a se espalhar pela bacia hidrográfica do rio da Prata. Vale lembrar que essa espécie exótica não possui praticamente nenhum predador natural na América do Sul e suas populações cresceram de forma exponencial.

No Brasil, já foram encontrados espécimes do mexilhão-dourado em rios do Pantanal Mato-grossense, da bacia hidrográfica do rio Paraná e em alguns pontos do rio São Francisco. Uma das regiões brasileiras com maior incidência dessa espécie invasora é o Complexo Lagunar Guaíba / Lagoa dos Patos. É apenas questão de tempo até que o mexilhão-dourado invada os rios da Bacia Amazônica.

A invasão de ecossistemas por espécies invasoras, infelizmente, é uma triste realidade em todo o mundo. Introduzidas de forma consciente ou acidental, espécies exóticas provocam grandes impactos ambientais e podem levar espécies nativas a extinção. Um exemplo dos impactos criados pela introdução de uma espécie exótica pode ser visto em diversos rios da Europa, onde a chegada de um camarão originário das águas de rios ao largo dos Mares Negro e Cáspio, na Eurásia, está desequilibrando diversos ecossistemas. Falamos do Dikerogammarus villosus – o camarão assassino que está devastando os grandes rios da Europa.

O Dikerogammarus villosus é uma espécie de camarão que sempre foi muito comum em rios da região do Mar Negro e do Mar Cáspio. Essa região fica entre a Europa Oriental e a Ásia, sendo comumente chamada de Eurásia. O animal é um crustáceo anfípode de água doce, que pode atingir o tamanho de até 30 mm e possui mandíbulas relativamente grandes, uma característica que torna esse pequeno camarão um predador bastante eficaz. A espécie possui um crescimento rápido, atingindo a maturidade sexual entre 4 e 8 semanas.

Em seu nicho ecológico natural, esses camarões não são uma espécie abundante e se alimentam de uma grande variedade de invertebrados, insetos, ovas e pequenos peixes, vermes e outras espécies que habitam as comunidades bentônicas. Fora de seu ambiente natural, as populações da espécie crescem desordenadamente e passam a competir agressivamente com as espécies nativas. Esse camarão possui uma grande tolerância às variações de temperatura, podendo colonizar águas com temperaturas entre 0 e 30° C, com baixas concentrações de oxigênio e níveis de salinidade de até 20%. Trata-se de uma espécie oportunista, que se adapta facilmente a novos ambientes em rios, lagos e canais, comendo qualquer alimento que encontre pela frente e que possa triturar com suas mandíbulas.

A dispersão geográfica dos camarões assassinos teve início nos tempos da antiga URSS -União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, período em que a navegação fluvial e lacustre ganhou uma enorme importância para os países do Bloco Comunista. Uma das mais importantes obras do setor foi a construção de um canal de ligação entre os rios Volga e Don, que passou a permitir a navegação entre o Mar Cáspio, o maior mar interno do mundo, o Mar de Azov e, por fim, o Mar Negro. Viajando dentro dos tanques de lastro de embarcações de transporte de passageiros e de cargas, os camarões primeiro consolidaram os seus domínios nos rios que desaguam nas águas desses três Mares. O passo seguinte foi o início de uma “grande operação” de desembarque em águas de grandes rios europeus, façanha que se tornou possível através da intensa navegação na Hidrovia do rio Danúbio.

A Hidrovia do rio Danúbio é uma das mais importantes do mundo, tanto em termos de volumes de cargas e de pessoas transportadas todos os anos quanto pelo número de países cortados por ela: Alemanha, Áustria, Eslováquia, Croácia, Sérvia, Hungria, Bulgária, Romênia e, na região do Delta do Danúbio, um trecho da Ucrânia nas margens do Mar Negro. A lista de países fica ainda maior quando se incluem os afluentes navegáveis da bacia hidrográfica: República Tcheca (rio March), Bósnia-Herzegovina (rio Save) e Moldávia (rio Pruth). A maior parte dos países listados não têm acesso direto ao mar, algo que representaria um enorme obstáculo ao seu desenvolvimento econômico, uma vez que o comércio marítimo é fundamental para os grandes países. A intensa movimentação de embarcações na Hidrovia do Danúbio foi o caminho de entrada do Dikerogammarus villosus na Europa Central.

A partir de 1992, com a inauguração do Canal Meno-Danúbio, o caminho para a invasão total dos camarões assassinos foi consolidado. Essa obra, um canal com 171 km de extensão, imaginada ainda no reinado do Imperador Carlos Magno há cerca de 1.200 anos, permitiu a integração entre as Hidrovias dos rios DanúbioReno através do rio Meno (Main em alemão), que é navegável por 388 km entre as cidades de Bamberg, na Baviera, e Wiesbaden, sua foz no rio Reno. Essa interligação passou a permitir a navegação direta por via fluvial entre a cidade romena de Constança, no Mar Negro, e o porto holandês de Rotterdam, no Mar do Norte (Oceano Atlântico).

A partir dessa data, o Dikerogammarus villosus passou a ser encontrado nos principais rios da Europa Ocidental, onde se inclui o Ródano, Loire, Sena, Mosela, Reno e Meno, além de ser encontrado nas águas de diversos rios que desaguam no Mar Báltico. Em 2010 surgiram os primeiros relatos sobre a chegada dos camarões assassinos na Inglaterra e no País de Gales. Um dos grandes temores atuais das autoridades é uma possível migração dos Dikerogammarus villosus para a região dos Grande Lagos, na América do Norte. É intenso o trafego de embarcações de carga entre os portos da Europa e da América do Norte, com enormes possibilidades dos camarões assassinos serem carregados junto com as águas dos tanques de lastro.

Um exemplo da agressividade dos camarões assassinos pode ser vista nos rios e canais da Holanda – o Dikerogammarus villosus está ameaçando tanto a sobrevivência de espécies nativas do país como o Gammarus duebeni, quanto espécies invasoras como o Gammarus tigrinus, uma espécie originária da América do Norte, que chegou ao continente Europeu também através da água de lastro de navios. No rio Reno, onde está em pela operação a segunda mais importante hidrovia da Europa, a chegada dos camarões assassinos já levou à extinção de uma série de pequenos crustáceos nativos, alterando profundamente a cadeia alimentar de importantes espécies comerciais de peixes desse rio, incluindo-se na lista as enguias-europeias (Anguilla anguilla), sobre as quais falamos em postagem anterior.

E como é comum entre as espécies invasoras, os camarões Dikerogammarus villosus tem um sabor que não agrada os grandes predadores naturais das águas dos rios europeus. Sem inimigos naturais e com um apetite voraz, a espécie segue aumentando sua população e dizimando as espécies nativas que ocupam o seu mesmo nicho ecológico. Enquanto não se identificar um predator natural local, os pequenos camarões assassinos prosseguirão e aumentarão ainda mais os seus domínios nas águas de rios por todo o continente.

Com espécies invasoras é assim: elas invadem e dominam novos ambientes com relativa facilidade, podendo alterar completamente a biodiversidade nativa. Já para combatê-las, as coisas se tornam muito complicadas e, muito raramente, se consegue obter qualquer êxito.

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